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Conjunto da Obra: o Discurso “Justo”, “Cidadão” e “Parceiro” dos Programas Sociais da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo

SEÇÃO 3 – ESTUDO DAS CATEGORIAS DE PARCERIA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL NOS PROGRAMAS DA SECRETARIA DE ESTADO DA

3.6. Conjunto da Obra: o Discurso “Justo”, “Cidadão” e “Parceiro” dos Programas Sociais da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo

Diante de nosso objetivo inicial – esclarecer os pressupostos subjacentes ao discurso governamental da SEESP e compreender quais são as concepções teóricas que fundamentam seus programas sociais objeto deste estudo, de forma a estabelecer o papel destes programas na política educacional que vem sendo implementada no sistema estadual de ensino paulista – e do exposto nesta seção, pôde-se observar que, a partir da análise da reforma do Estado ocorrida nos anos 90, o propósito explícito da reforma era a adoção de novas estratégias, tanto econômicas quanto sociais, com a finalidade de otimizar o sistema, o que permitiria elevar sua cobertura por meio de estruturas educacionais flexíveis e disseminar, por meio das ONGs, suas próprias responsabilidades sociais.

As ONGs, por sua vez, converteram-se em espaços democráticos de participação da sociedade civil que visavam ao empoderamento dos indivíduos na tomada de decisões tanto dos problemas comunitários quanto das políticas públicas e, para tanto, sofreram alterações em seu papel social e constituíram-se nas “parceiras ideais” nas parcerias intersetoriais, que propõem ao Estado, ao mercado e à sociedade civil organizada, respectivamente: incentivar e regular ações socialmente responsáveis; disponibilizar conhecimentos técnicos e instrumentais (know how) de gestão para execução e avaliação de projetos sociais; e indicar problemas sociais e incentivar ações de voluntariado. Essas parcerias permitiriam, segundo o discurso governamental, vislumbrar o alcance do desenvolvimento social, descentralizar o poder e elevar a participação cidadã das pessoas em suas comunidades.

Além disso, a participação de ações voltadas para a melhoria das comunidades locais e para o cultivo de uma cultura de paz e não violência passaram a significar atitudes constituintes de um cidadão crítico e responsável, que promoveriam a justiça social e a participação ativa dos cidadãos nos assuntos que lhes dizem respeito.

A partir dessas constatações, entendemos que as concepções de parceria, cidadania e justiça social apresentadas nos cinco programas da SEESP sofreram uma

ressignificação ou um redimensionamento ajustado ao novo modelo gerencial de administração estatal, segundo o qual o Estado diminui seu papel de provedor de políticas sociais e as transfere para o Segundo e Terceiro Setores, que atuam no campo social de forma dissociada do campo político. Neste sentido, o discurso exposto nos documentos oficiais dos programas da SEESP apresenta estratégias de políticas conservadoras de poder revestidas de discursos sociais, modernos, inovadores e inclusivos.

Deste modo, as parcerias introduzem a lógica de mercado nos assuntos públicos e constituem-se em meio legal pelo qual há transferência de fundos públicos para o setor privado, já que o Terceiro Setor, em geral, não tem condições de autofinanciamento. Não obstante a responsabilização do Segundo Setor na capacitação da sociedade civil organizada, o principal objetivo constitui-se na autocapacitação dos membros dessas organizações para que possam, um dia, sozinhas, assumir a própria gestão (autogestão), responsabilizando-se pela gestão dos assuntos públicos de seu entorno.

A concepção de cidadania, por sua vez, deixa de confinar-se dentro dos limites das relações com o Estado e representar direitos universais, mas é estabelecida no interior da própria sociedade (assumindo caráter privado), como parâmetro das relações sociais que nela existem, visando uma sociabilidade que incorpora o sistema político e dá formato mais igualitário às relações sociais em todos os níveis e mais justo às relações econômicas desiguais.

Valoriza-se nessa concepção de cidadania as competências do moderno mundo do trabalho e ratifica-se sua indispensabilidade para a flexível estrutura do mercado. A noção de qualificação é, então, substituída pela de competências, num contexto de empregabilidade.

Consequentemente, deixa-se de pensar a cidadania por meio de uma visão política, pois a cidadania objetivada pelo pensamento pedagógico dos programas da SEESP se fecha aos próprios avanços do pensamento social e político, o que demonstra um abandono da visão do social como um todo e um enfoque na „salvação‟ individual dos indivíduos no mundo do mercado pela educação – o que transforma o mercado num lócus de cidadania e desloca a questão da cidadania da questão do poder, da socialização do poder ou da participação no poder.

Nessa ressignificação, uma cultura de paz e não violência equivale à justiça social, pois a realidade dos menos favorecidos é considerada justa, visto que as desigualdades sociais beneficiam a sociedade como um todo e as questões de

distribuição de bens e riquezas não são levadas em consideração. Além disso, as liberdades dos indivíduos são prioritárias nas políticas sociais e as desigualdades entre eles são plenamente justificáveis, pois essas visam melhorar as condições dos menos favorecidos.

Na perspectiva de ações políticas sempre voltadas aos mais necessitados, o discurso da igualdade meritocrática das oportunidades se apega às liberdades individuais e à igualdade de todos e apóia-se na condição de equidade para garantir o controle da distribuição dos recursos à sociedade. Não obstante a igualdade de oportunidades e o mérito serem ficções que estabelecem uma regra de justiça segundo a qual os indivíduos são divididos de acordo com suas performances, eles tornam-se modos de regulação e de controle social na medida em que o trabalho educativo consiste não somente em conformar as condutas, mas engajar os jovens numa educação útil e eficiente, em favor do êxito escolar e dos índices educacionais, que garantiria autonomia pessoal e integração social. Assim, o desempenho e o mérito constituem-se em alavancas da educação moral para a racionalidade, para o controle de si, para o planejamento dos próprios esforços, o que os transforma em propósitos opostos às ideias de igualdade e democracia.

Retomando nosso entendimento sobre as políticas compensatórias como sendo as que correspondem a medidas governamentais que visam remediar desequilíbrios localizados e pontuais engendrados pelo processo de acumulação, sem, no entanto, alterar os mecanismos do processo de acumulação que geram esses desequilíbrios (SANTOS, 1994), constatamos que os programas sociais da SEESP objeto deste estudo constituem-se em políticas de caráter compensatório e que a introdução de uma política de programas sociais por parte da Secretaria constituiria uma estratégia de flexibilização e otimização que possibilitaria a descentralização, por meio dos programas sociais realizados junto aos órgãos internos da SEESP, dada a redução (e condução) dos conceitos de cidadania e justiça social e seu redimensionamento para concepções neoliberais e o apontamento ou direcionamento para parcerias com organizações não- públicas e privadas por parte dos programas da SEESP.

Vê-se, então, claramente, dois movimentos no discurso dos programas da SEESP, que se distanciam e, ao mesmo tempo, imbricam-se: (i) o de ascese econômica, que designa um desapego ou afastamento do mundo econômico e de seus movimentos flexíveis e socialmente excludentes, no qual o jovem, público-alvo dos programas, deve apegar-se aos valores morais e éticos que remetem à corresponsabilização pela

comunidade em que vive e às ações voluntárias de responsabilidade e solidariedade sociais, e (ii) o de imersão no mundo econômico e no moderno mundo do trabalho, que exige competição, destaque individual, resultados que levam ao sucesso profissional, e que remete a valores individuais, como o mérito.

Mais que isso, nota-se o novo papel desempenhado na nova racionalidade instrumental referente a valores e fins assumida pela SEESP com a adoção de princípios gerenciais nas políticas educacionais estaduais e a reformulação (adaptação) de seus órgãos internos – Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) – à reestruturação estatal e sua desresponsabilização pelos serviços sociais. Inseridas nessa racionalidade, as instituições educacionais desempenham o papel de executoras de políticas educacionais, sob financiamento, controle e avaliação não só do Estado, mas também de instituições do Segundo e Terceiro Setores.

Percebe-se que as políticas educacionais paulistas têm abordado as questões de formação profissional, ou, de modo mais abrangente, as questões políticas e sociais, de maneira a reduzi-las a questões técnicas – corroborando o pensamento neoliberal –, ou seja, não têm as tratado como objeto e resultado de lutas por distribuição igual de recursos materiais e de poder, mas como questões de gerenciamento, eficiência e administração de recursos.

Constatamos, por fim, que a utilização das concepções de parceria, cidadania e justiça social em articulação com um processo docilizador dos jovens constitui-se numa estratégia conservadora de poder, que conforma os indivíduos aos julgamentos desiguais do moderno mercado de trabalho e disciplina a conduta desses, tanto para responsabilizá-los por seus sucessos e fracassos, quanto para orientá-los a ações de solidariedade social locais, distantes de qualquer ação que envolva a noção política de coletividade e cidadania.

Portanto, as políticas sociais implementadas pelos programas sociais da SEESP estão sendo formuladas estritamente como esforços emergenciais dirigidos a determinados setores sociais localizados e seu público alvo – os alunos e os membros das comunidades que circundam as escolas – considerado como sujeitos carentes cujas contingências precisam ser suprimidas, e não como cidadãos de direitos.

SEÇÃO 4 – AS FONTES DO USO DAS CONCEPÇÕES DE PARCERIA,