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Consciência como presença a si

3 O SER-PARA-SI: CONSCIÊNCIA E INDETERMINAÇÃO

3.1 Consciência como presença a si

Ressalta-se, agora, um percurso sobre as estruturas imediatas do para-si delineando as fronteiras do conceito de liberdade no âmbito da subjetividade humana. A primeira estrutura do para-si, segundo Sartre (1997, p. 122), é que a consciência é presença a si. "O Ser da consciência é um ser para o qual, em seu ser, está em questão o seu ser. "

Em primeiro lugar, Sartre define a consciência como sendo uma descompressão do ser, pór esse motivo ela não pode coincidir consigo mesma, isso nos faz entender que existe em sua estrutura uma articulação de reflexos para que possamos pensar como o para-si preenche-se do significado de um objeto, ou seja, é o reflexo de algo que não tem coincidência com ele mesmo, mas que é a sua própria reflexão. Assim, a consciência é sempre consciência de alguma coisa (do mundo). De acordo com o autor essa reflexão é, portanto, a consciência de consciência que se constitui por um conhecimento de um "quase objeto"ou seja a consciência preenche-se do sentido desse objeto para recuperar-se do processo nadificante em que ela se encontra. Temos então uma reflexão impura que se traduz como sendo um para-si que se revela como um outro ao assumir o significado de algo, escapando assim de sua nadificação. Entretanto a consciência é intencional e ao fugir em direção àquilo que ela não é, matiza-se como em-si para em seguida posicionar-se conforme sua intencionalidade, desta forma agora o para-si não é em particular somente reflexão, mais consciência refletida. Nesse momento, o para-si deve assumir-se como sendo esse em-si, fruto de sua reflexão, portanto é um em-si reflexionado, ou seja como sendo um objeto para-si mesmo.

Assim, a consciência refletida se caracteriza como sendo um juízo feito pelo para-si com a intenção de desmascarar as imposturas psíquicas feitas pela reflexão impura. Desmantelando o pseudo sentido que o para-si atribui ao objeto na ânsia de se fundar, para fugir de seu nada ser, revelando entretanto um para-si que se reveste de em-si e distorce a realidade humana ao defini-la apenas temporariamente. Assim a consciência refletida substitui esses pseudo-conhecimento, desvelando proporcionalmente o sentido dos disfarces nos quais o para-si oculta-se como forma de escapar de sua nadificação.

Na verdade, a consciência é reflexiva, pois na medida em que aparece, reflete a necessidade primordial que tem a consciência irrefletida de ser vista por si mesma. Dessa forma, o juízo não pode ser tomado como identidade e sim, como própria reflexão da consciência; desse modo, a consciência reflexiva pode afastar-se do julgamento feito pela consciência assumindo um dualismo que se completa pelo fato de existir a consciência refletida. Ao mesmo tempo, percebemos que a consciência reflexiva existe porque também

existe a consciência refletida. Percebemos, ainda, que a consciência refletida existe porque também existe a consciência reflexiva. Isto porque enquanto reflete-se, a consciência é refletidora. Logo, subentende-se que toda tentativa de captar uma consciência refletida é malogrável, pois resvalaríamos em uma consciência reflexiva.

Retratemos essa característica singular da consciência com a finalidade de perscrutarmos, com exatidão, os pilares e a composição fenemológica da consciência. Na concepção de Sartre, o si do para si não pode ser considerado como um ser absolutamente real, pois isto remeteria a uma identidade do sujeito consigo mesmo, não poderia haver o afastamento do si do para-si, já que o próprio Sartre (1997, p. 126) admite que o para-si não pode coincidir com ele mesmo e que "A presença a si pressupõe que uma fissura impalpável deslizou pelo ser. "

Em consonância com o autor, entendemos que o si existe para romper com a relação de identidade do sujeito, para garantir a imanência do sujeito em relação a si mesmo, homologando sua unidade. Efetivamente, o para-si existe à distância de si em direção ao mundo, às coisas, mas ele permanece presente, preenchido pelo sentido que pode captar intencionalmente dos objetos.

Já discorremos, anteriormente, que o para-si tem uma característica peculiar preponderante que justifica o si, é o surgimento do nada. É mister afirmar que a consciência ao se afastar de si deixa um 'buraco', uma fissura, isto é, um nada. A rigor, é desse nada, segundo Sartre, que o para-si ressurge cheio de si, fortemente, como presença a si.

De forma preliminar, conclui-se que quanto mais o para-si busca captar o significado do objeto, saindo de si, mais aparece como presença a si. Logo, deduz-se que a consciência é puro surgimento, pura existência, ou seja, a consciência alcança uma dimensão de total translucidez, cuja característica de transcendência se define fenomenologicamente, onde seu ser se revela como um puro parecer, que só diz respeito a ela mesma. É a própria existência que se revela, ao mesmo tempo em que a existência nada mais é senão a consciência na redução nadificante.

Doravante, a consciência aparece como a condição de possibilidade transcendental de sua essência. A consciência afasta-se do ser para transformá-lo em projeto, desligando-se de sua essência em busca de sua existência, para, então, assumir o que ela projeta ser. Esse despojamento da essência que a torna livre de todas as determinações, é que faz do para-si um ser diferente do em-si, isso é, do mundo, dos objetos. Não obstante, a consciência, pela sua intencionalidade, dará sentido aos objetos, por isso ela precisa ser livre e visar um mundo, cujo significado só encontra fundamento na consciência.

Este processo de nadificação ocorre por que o "eu" ou seja, a consciência é um ser-no-mundo e como tal tende a recuar-se de uma situação para analisá-la e até mesmo modifica-la se assim desejar. Isso por que compreensão e ação caminham juntas. De forma preliminar, a consciência é projeto que se lança no futuro, por isso sua compreensão dar-se-á em função do que ela será. Implica dizer que o homem é o que ele projeta vir a ser no futuro.

Em virtude desse pressuposto, compreendemos que o homem se distancia do seu passado e se projeta para o seu futuro. Assim, podemos entender que se propusermos sondar nossa consciência, verificamos que é vazia e que encontraremos nela somente o por vir, só que este projeto é, ao mesmo tempo, movimento do futuro para o presente. Dessa forma, podemos dizer que o homem é um empreendimento, pois é o ser que vem a si próprio a partir daquilo que ele se projeta a ser. Os fins como eu me projeto irão refletir diretamente em minha situação presente e estes mesmos fins é que irão dar-me suporte para agir transformando essa situação que eu mesmo escolhi.

Sumariamente, é preponderante o sentido de nadificação da consciência na filosofia de Sartre sobre a liberdade. É, sobretudo, a partir dessa nadificação ou redução fenomenológica que a consciência livre surge como liberdade que desabrocha na ação.

É relevante citarmos a passagem em que Sartre demonstra o movimento do futuro para o presente, como o homem se distancia do passado. "O passado é, com efeito, o ser que sou fora de mim, mas o ser que sou sem possibilidade de não sê-lo." (SARTRE, 1997, p. 183).

A propósito, por enquanto descreveremos o futuro apenas como sendo aquilo que 'tenho de ser', não como algo determinado, pois minha liberdade vai constituir o sentido do meu para si presente, mas como projeto de possibilidade, isto é, a consciência é projeto e se dirige ao objeto de acordo com aquilo que ela quer ser de forma intencional. È isso que ocasiona o sentimento de angústia: a consciência sabe que é livre para assumir aquilo que ela ainda não é, mas que escolheu ser, sem nenhuma possibilidade de não sê-lo. É essa angústia que revela a liberdade.

Sartre (1970, p. 118) afirma: "Estou condenado a ser livre." Constata-se então que a liberdade não é uma qualidade adquirida para se juntar às outras qualidades humanas: "A liberdade é o que me estrutura como homem, porque é uma designação específica da própria qualidade de ser consciente, de poder negar, de transcender."

Pretende-se com esta citação fixar claramente que a consciência é, ao mesmo tempo, coetânea da liberdade. A consciência é a própria força que nos habita, que faz que sejamos o que somos, ao mesmo tempo em que, simultaneamente, sabemos que somos essa força e que, por meio dela, nós nos escolhemos, sem deixar de ser essa força que nos

impulsiona a sermos transcendência; isso é, alguma coisa em nós dá o estatuto de que somos quem somos e de que somos nós, para nós mesmos, ou seja, a consciência é que faz que o homem saiba o que ele é, um em-si, ao mesmo tempo em que o projeta para um futuro, pela sua transcendência ao mundo, sem que ele deixe de ser ele mesmo. Com consciência pode escolher-se, para ser o que sua liberdade formar, aquilo que ele próprio, de forma consciente e livre, pode escolher para ele mesmo ser, sem deixar de ser ele próprio.

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