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Consciência histórica e mito em Herder

No documento Arte e política no romantismo alemão (páginas 43-70)

1. P RENÚNCIOS ROMÂNTICOS

1.1. Consciência histórica e mito em Herder

A crítica herderiana à cultura ilustrada se articula diretamente com a novidade de sua compreensão histórica. É somente pelo fato de que a razão ilustrada é posta em questão, de que as filosofias do progresso são descreditadas e de que os valores da moral moderna são relativizados, é somente isso que permite a ele abrir um espaço adequado para a consideração das várias épocas históricas em seu próprio valor, e com isso conquistar um novo sentido para a história. Enquanto o passado é considerado como um mero degrau que precede o futuro, um andar ainda abaixo de sua plena potencialidade, a via que leva ao reconhecimento da dignidade de outras culturas e outros tempos permanece, efetivamente, fechada. Na apoteose ilustrada do presente todo o passado recebe apenas uma dignidade relativa, pois a medida de valoração deriva precisamente das orientações axiológicas de um tal presente. A totalidade do passado se relaciona somente com a perfeição do próprio presente.

Este duplo movimento – o criticar e o historicizar – é levado a cabo por Herder em uma de suas primeiras obras, intitulada Também uma Filosofia da História para a formação da Humanidade, de 1774. De início, nota-se já no título a curiosa anteposição de um “também” (auch) para se referir à “filosofia da história”. Qual a razão de esta ser “também” ou “mais uma”

dentre as possibilidades de se pensar a história filosoficamente, e não “a” filosofia da história por

excelência? Transparece já nesta palavra uma primeira formulação do escárnio dirigido por Herder às concepções ilustradas da história. Pois a referência do título de seu escrito é sem dúvida dirigida àquele que cunhara, nove anos antes, a expressão “filosofia da história”. O trabalho de Voltaire retomava os desafios Spinoza, Bayle e dos racionalistas contra a teologia, voltando-se criticamente contra a fé nas Escrituras e metafisicamente contra a providência

divina.70 É em oposição a ele, enquanto arauto de uma visão unilateralmente racionalista, que

Herder inicia a polêmica com sua “outra” filosofia da história.

Que a filosofia da história de Voltaire pretenda realizar a crítica das Escrituras e da providência divina é um sinal, em primeiro lugar, da elevação dos valores que orientam seu juízo crítico a um patamar absoluto, coisa que a obra de Herder busca vigorosamente colocar em questão. A estrutura de Também uma filosofia da história começa precisamente recuperando as singularidades do passado nos povos antigos, dos orientais aos gregos e chegando enfim aos romanos. O caminhar do mundo antigo é desvelado de modo sucinto, mostrando a arbitrariedade de um julgamento apressado e feito a partir da época moderna. Abrir espaço para esta singularidade significa observar que “em certo sentido toda perfeição humana é, portanto, nacional, secular [característica do século] e, examinada do modo mais exato, individual”.71 Erigir um padrão de julgamento determinado para avaliar a história da humanidade seria reivindicar a perfeição humana como posse de um momento e de um povo, seria tornar as singularidades do passado carentes de algo que sequer pertencia a seu tempo. Não é tão simples o jogo entre presente e passado:

A nação pode, portanto, em meio a virtudes do mais elevado gênero de um lado, ter por

outro lado deficiências, fazer exceções, mostrar contradições e incertezas que trazem

perplexidade; mas [assim é] somente àquele que traz consigo sua silhueta ideal da virtude a partir do compêndio de seu século e que possui filosofia suficiente para querer encontrar em um ponto da Terra toda a Terra! Para todo aquele que quer conhecer o coração humano a partir do elemento de sua circunstância de vida, tais exceções e contradições são perfeitamente humanas: a proporção de forças e inclinações para uma certa finalidade, que nunca seria alcançada sem elas: portanto, de modo algum exceções, mas a regra.72

70 KOSELLECK, Reinhart; MEIER, Christian; GÜNTHER, Horst; ENGELS, Odilo. O conceito de história. Trad.

René E. Gertz. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, p. 151.

71“In gewissen Betracht ist also jede menschliche Vollkommenheit national, säkular und, am genauesten betrachtet,

individuell”. HERDER, Johann Gottfried. Auch eine Philosophie der Geschichte zur Bildung der Menschheit. In:

Werke in zwei Bänden: Zweiter Band. München: Carl Hanser Verlag, 1953, p. 31.

72“Die Nation kann also bei Tugenden der erhabensten Gattung von einer Seite, von einer andern Mängel haben,

Ausnahmen machen, Widersprüche und Ungewißheiten zeigen, die in Erstaunen setzen; aber niemand, als der sein idealisch Schattenbild von Tugend aus dem Kompendium seines Jahrhunderts mitbringt und Philosophie gnug hat, um auf einem Erdenfleck die ganze Erde finden zu wollen, sonst keinen! Für jeden, der menschliches Herz aus dem Elemente seiner Lebensumstände erkennen will, sind dergleichen Ausnahmen und Widersprüche vollkommen menschlich: Proportion von Kräften und Neigungen zu einem gewissen Zwecke, der ohne jede nimmer erreicht werden könnte: also gar keine Ausnahmen, sondern Regel.” HERDER, Auch eine Philosophie der Geschichte..., op.

Herder articula polemicamente uma contraposição entre aquele que olha para o outro

envolto em uma “silhueta do ideal da virtude”, virtude provinda de seu século, e aquele se empenha em “conhecer o coração humano”. Mais que prescrever, é preciso compreender. Pois só

à compreensão abre-se toda a riqueza de uma vida. Mas é característica do philosophes certa universalidade que o leva a ver na manifestação de forças e inclinações não a singularidade de uma nação, mas suas deficiências, a ponto de se escandalizar com suas contradições e incertezas. A filosofia da história oriunda de uma tal perspectiva pensa ter encontrado o ponto arquimédico que ilumina toda a Terra. Este é o ponto a partir do qual ela pode ser esclarecida. Que ele seja, além de tudo, um ponto humano, justamente isso é rechaçado por Herder como uma hýbris da razão. A pretensão de um critério absoluto de julgamento da história encontra-se tanto mais presente naquela pergunta feita pela “Sociedade Patriótica” na Suíça – “qual foi provavelmente o

povo mais feliz da história?” –, e à qual ele responde imediatamente: “em certo tempo e sob

certas circunstâncias cada povo veio ao encontro de um tal ponto no tempo, ou ele nunca foi um [povo]. É que, por sua vez, a natureza humana não é o recipiente de uma felicidade absoluta,

independente, imutável, como o filósofo a define”.73

Ao contrário, cada era da humanidade tem em si mesma o epicentro (Mittelpunkt) de sua própria felicidade. Definir algo como a felicidade de modo eterno e universal seria um absurdo, na medida em que mesmo sua imagem muda com cada condição e região. Toda comparação nesse caso seria despropositada (misslich), pois como

seria possível comparar “as satisfações diversas de sentidos diversos de mundos diversos”? Claro

está que, para Herder, o problema fundamental se encontra exatamente na atribuição de um valor unívoco para a felicidade, ou seja, considerá-la enquanto pertencente a um campo axiológico válido objetivamente para toda e qualquer cultura. Nesse sentido, o despropósito da comparação poderia ser estendido aos valores em geral, e mesmo aos universais. As representações que o homem refinado e ilustrado de seu século possui da virtude, da liberdade e de Deus, não são a medida adequada para a compreensão da história. Sem dúvida esboça-se já neste ponto aquela contraposição – tão cara ao pensamento alemão a partir do final do século XVIII – entre

“civilização” e “cultura”, mediante a qual foi possível opor-se às pretensões universalistas

oriundas principalmente da França ilustrada, e que permitiu, com o conceito de Kultur, combater o desenraizamento do próprio no alheio. “Cultura” significa no contexto desta oposição a

73“Zu gewisser Zeit und unter gewissen Umständen traf auf jedes Volk ein solcher Zeitpunkt, oder es wars nie eines.

Ist nämliche wiederum menschliche Natur kein Gefäß einer absoluten, unabhängigen, unwandelbaren Glückseligkeit,

possibilidade de abertura de um espaço genuíno, no qual a força criadora de cada povo possa dar- se segundo uma orientação que surge de si.74

Mas em que consiste esta posição de Herder a respeito dos valores em geral, que o permite ao mesmo tempo criticar a cultura ilustrada da época e abrir-se para a compreensão do outro em seu próprio elemento? De início, essa posição poderia ser vista como voz do relativismo que já se prenunciava na cultura ocidental, mas desde já é preciso notar que em sua filosofia da história de 1774 predomina uma instância superior, inacessível à razão humana, o plano divino, ao qual todo relativismo é estranho. O caráter multifacetário do valor provém da apreensão de apenas uma de suas facetas que aparece ao homem, como um cristal lapidado em poliedro, que deixa-se refletir à visão a cada vez no brilho de uma de suas da faces:

E [deveria] o tom geral, filosófico, filantrópico de nosso século conceder tão generosamente a cada nação distante, a cada uma das mais antigas épocas, ‘nosso

próprio ideal’ em virtude e felicidade? É exclusivamente ele o juiz para julgar segundo si

mesmo aqueles costumes? para condená-los? ou para de um belo modo poetizá-los? Não foi o bem disseminado sobre a Terra? Porque uma forma da humanidade e um traço da Terra não podia captá-lo, ele foi dividido em mil formas, e muda – um eterno Proteu! – através das partes do mundo e dos séculos. Além disso, como ele muda e remuda, não é em direção a uma maior virtude ou felicidade que ele se esforça, pois a humanidade permanece sempre apenas humanidade. E no entanto torna-se visível um plano de esforço contínuo – meu grande tema!75

Nesta passagem fica evidente, por um lado, a crítica à extensão realizada, pela filosofia do

século de Herder, de seu “próprio ideal” a outros mundos, seja o mundo do passado, seja a

74

O caráter de propriedade expresso no conceito de “cultura” poderia ser formulado em termos de uma consciência de si, que no momento de Herder era buscada em um aprofundamento do nacional: a consciência de si de uma

nação: “Enquanto o conceito de civilização inclui a função de dar expressão a uma tendência continuamente

expansionista de grupos colonizadores, o conceito de Kultur reflete a consciência de si mesma de uma nação que teve de buscar e constituir incessante e novamente suas fronteiras, tanto no sentido político como espiritual, e

repetidas vezes perguntar a si mesma: ‘Qual é, realmente, nossa identidade’?” ELIAS, Norbert. O Processo

Civilizador: Uma história dos costumes. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 25. Para

uma história dos conceitos de “cultura” e “civilização”, ver: HORTA, José Luiz Borges; RAMOS, Marcelo Maciel.

Entre as Veredas da Cultura e da Civilização. Revista Brasileira de Filosofia. v. 233, p. 235-264, 2009.

75“Plano de esforço contínuo” procura traduzir “Plan des Fortstrebens”. É importante manter o traço que opõe esse

esforço ou aspiração (streben) ao progresso, “Fortschritt”, cujo télos é dado pela razão do philosophes da Ilustração. Se há um télos no esforço contínuo, certamente ele não é algo pertencente ao domínio da razão humana. “Und der allgemeine, philosophische, menschenfreundliche Ton unsres Jahrhunderts gönnet jeder entfernten Nation, jedem

ältesten Zeitalter der Welt, an Tugend und Glückseligkeit so gern ‘unser eigen Ideal’? ist so alleiniger Richter, ihre

Sitten nach sich allein zu beurteilen? zu verdammen? oder schön zu dichten? Ist nicht das Gute auf der Erde ausgestreut? Weil eine Gestalt der Menschheit und ein Erdstrich es nicht fassen konnte, warts verteilt in Tausend Gestalten, wandelt – ein ewiger Proteus! – durch alle Weltteile und Jahrhunderte hin – auch, wie er wandelt und fortwandelt, ists nicht größere Tugend oder Glückseligkeit des Einzeln, worauf er strebet, die Menschheit bleibt immer nur Menschheit – und doch wird ein Plan des Fortstrebens sichtbar – mein großes Thema!” HERDER, Auch eine Philosophie der Geschichte..., op. cit., p. 35.

multiplicidade de culturas do presente. A postura do philosophes é a do juiz que consulta as leis do código de seu próprio tempo para se imiscuir na constituição histórica de um outro mundo. Ele se arroga a posição de um juiz universal. Usando de um termo ainda apenas pressentido por Herder, mas implicitamente presente em sua crítica, pode-se dizer que falta ao pensamento ilustrado historicidade. Pois o pressuposto de sua filosofia da história é o conhecimento do bem enquanto absoluto e imutável, e somente através deste prisma ele se volta para outra cultura. Mas, por outro lado, o bem é como Proteu, isto é, aquele enigma do mundo na figura de um Deus do

mar que sempre “há de tentar transformar-se na forma de todos os seres que sobre o solo rastejam, e em chamas ardentes e em água”.76

O bem foi disseminado pela Terra, encontra-se em toda parte do mundo, a cada vez sob uma forma diversa, nunca sob o modo da presença constante. Nesse sentido, sua essência não pode ser apreendida por uma única mente, nem mesmo

pelo olhar “universal” do philosophes. Por isso, admitir Herder entre os “relativistas” seria inserir

em sua filosofia da história um elemento que nela não se encontra presente. É certo, sim, que a nós humanos escapa a visão plena do bem enquanto tal, mas há um plano para além da criatura,

um plano inefável que apenas se ausculta como o “caminhar de Deus sobre as nações”.77

“O mundo todo, em um momento da visada de Deus, é um abismo – abismo, no interior do

qual estou perdido de todos os lados! vejo uma grande obra sem nomes, e em todo lugar repleto

de nomes! repleto de vozes e forças!”78

O todo do mundo entrevisto nesta filosofia da história é uma voz polifônica cuja harmonia transborda a capacidade de apreensão de um único ouvido humano. A profusão de sons que chega à audição é confusa, embora nela haja ainda algo de harmônico. Ao perseguir a perfeição do acorde do mundo, ao final sempre se encontra o redemoinho sonoro de um conjunto de notas. A exceção disso é o homem ilustrado, que reduz a

polifonia do mundo ao tom monocórdio de seu tempo: “o homem ilustrado dos tempos tardios

não quer ser meramente aquele que tudo ouve, mas ele mesmo a suma nota de todas as notas! Espelho de todo o passado e representante do propósito da composição em todas as cenas!”.79

76 Odisseia, IV, v. 417-418. A tradução é de Carlos Alberto Nunes. HOMERO. Odisséia. Trad. Carlos Alberto

Nunes. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 83.

77

HERDER, Auch eine Philosophie der Geschichte..., op. cit., p. 79.

78“Abgrund die ganze Welt, der Anblick Gottes in einem Momente – Abgrund, worin ich von allen Seiten verloren

stehen! sehe ein großes Werk ohne Namen, und überall voll Namen! voll Stimmen und Kräften”. HERDER, Auch

eine Philosophie der Geschichte..., op. cit., p. 75.

79“Der aufgeklärte Mensch der spätern Zeit, Allhörer nicht bloß will er sein, sondern selbst der letzte Summenton

aller Töne! Spiegel der Allvergangenheit und Repräsentant des Zwecks der Komposition in allen Szenen!”

Essa descentralização dos valores ilustrados como medida de um julgamento da história da humanidade abre, ao mesmo tempo, a possibilidade para que Herder realize a crítica da cultura de seu próprio tempo. Também uma filosofia da história conduz uma narrativa concisa em tamanho, mas longuíssima em duração, na medida em que trata da história da própria humanidade. Com isso, o autor pretende recuperar o movimento que, como o Sol, vai do Oriente ao Ocidente, da era

patriarcal e despótica, Babilônia, Egito e Fenícia, quando “a religião era o elemento no qual tudo isso vivia e se movia”, até a era da razão, a Europa moderna, científica e erudita. Nesse caminho

delineia-se aquele conjunto de povos importantes, que desde sempre dominou toda atenção das filosofias da história: os gregos e sua liberdade, os romanos e seu patriotismo, os medievais e sua honra. Até o desembocar nas virtudes da Reforma, que abre o mundo nórdico para a história universal, chegando às beiras da Ilustração.

A Europa ilustrada, se de certo modo aparece aqui enquanto ponto de chegada, certamente

não representa para Herder o ômega da história humana. Embora ela pretenda ser a “suma nota das notas”, o “espelho de todo o passado”, nenhuma época pode assumir em si a conjunção total

das faces do bem. E muito ao contrário de tais pretensões, a dimensão que se abre a Herder é a da penúria do mundo ilustrado.

A cultura da Ilustração funda-se sobre as ideias da mecânica. Tais ideias, enquanto a formação (Bildung) por excelência destes novos tempos, chegam a coincidir com o “espírito

moderno”. Isso leva a uma reformulação das artes segundo novos métodos, adequados à concepção mecânica: “certas virtudes da ciência, da guerra, da vida civil, da navegação, do

governo – estas não eram mais necessárias. Ao invés disso, surgiu a máquina, e a máquina é comanda por apenas um [homem]. Com um pensamento! com um sinal! E quanta força também

resta adormecida para isso!”80

Nessa transformação radical da sociedade em razão da mediação da ação humana pela máquina, nada do passado permanece igual e todas as atividades de outrora passam a ser determinadas pelo frio cálculo da eficiência mecânica: as virtudes guerreiras perdem seu sentido no novo exército tornado máquina, sem pensamento, força ou vontade, comandado por apenas um homem; as formas singulares de existência das antigas formas góticas de liberdade, estamento e propriedade são destruídas para dar lugar predominantemente às relações de senhor e escravo, déspota e lacaios, em todas as esferas da vida social. Para além da mera

80“Gewisse Tugenden der Wissenschaft, des Krieges, des bürgerlichen Lebens, der Schiffahrt, der Regierung – man

brauchte sie nicht mehr: es ward Maschine, und die Maschine regiert nur einer. Mit einem Gedanken! mit einem Winke! – dafür schlafen auch wieviel Kräfte!” HERDER, Auch eine Philosophie der Geschichte..., op. cit., p. 54.

mudança de estrutura da sociedade, o que Herder identifica nesta transformação é uma perda substancial de forças no homem moderno, que se vê alijado de sua capacidade ativa na mediação de sua relação com o mundo pela máquina, e que cada vez mais se aliena na erudição da mera letra.

O caráter mecânico da cultura ilustrada provém, antes de tudo, do espírito da própria filosofia moderna. O primeiro sintoma disso é o abismo criado entre conhecimento e vida, na medida em que se constrói um corpus de saberes teóricos que não contribui em nada para o aperfeiçoamento da atividade humana. O pensamento torna-se mera erudição, descolado de qualquer sentido da existência. Poder-se-ia pensar aqui naquela famosa sentença de Goethe, com

a qual Nietzsche inicia sua Segunda Extemporânea: “Além disso, odeio tudo aquilo que apenas

me instrui, sem aumentar ou vivificar imediatamente minha atividade”.81

Do mesmo modo,

Herder diria que “ideias dão, de fato, apenas ideias”, isto é, elas conferem mais claridade,

correção e ordem no pensamento, mas isso é tudo com o que se pode contar. A questão fundamental é, entretanto, qual a relação disso com a formação do homem. Em que medida a pretensão educadora da Ilustração resulta em uma mudança do homem e quão forte e duradoura será essa mudança? E, finalmente, qual será sua influência sobre “a miríade de ocasiões e contingências da vida humana, sem falar da era, de todo o povo, de toda Europa, e mesmo do

Universo”?82

O problema da formação deve ser radicalizado, de modo a conquistar toda a gravidade de seu impacto sobre a vida do homem. A crítica à separação entre vida e conhecimento na cultura ilustrada não deve ser vista como a antecipação de uma pretensa cisão entre theoría e práxis, como uma incapacidade do pensamento para a transformação do mundo. Ao contrário, o que se prefigura em Herder é a recuperação do pensamento enquanto bíos theoretikós, a exigência de que o pensamento seja uma forma de vida. Nesse sentido, a biografia de sua juventude é muito eloquente com a virada radical de um pastor e crítico literário que,

deixando um “repositório cheio de papéis e livros, que só pertencem ao quarto de estudos”,

No documento Arte e política no romantismo alemão (páginas 43-70)

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