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Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego By telling you anything at all I’m at least believing in you, I believe you’re there, I believe you into being. Because I’m telling you this story I will your existence. I tell, therefore you are.

Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale

I. Introdução

Em A Consciência e o Romance, David Lodge define a literatura como “o registo [da consciência humana] mais rico e abrangente que possuímos” e o romance como “o esforço mais bem sucedido […] para descrever a experiência de seres humanos individuais a moverem-se através do espaço e do tempo” (Lodge 2009 [2002]: 21). Não desejando entrar em debates científicos hoje tão ativos, sobretudo nas áreas da psicanálise, da imagiologia cerebral, das redes neurais ou da tão falada Inteligência Artificial, o presente capítulo pretende investigar o modo como o género romanesco, aqui representado essencialmente pelos textos de Joyce e de Beckett, problematiza e representa a consciência, o inconsciente e a sua interação.

A argumentação de Lodge, no estudo supracitado, é abrangente, compreendendo referências das ciências cognitivas, da neurociência, da psicanálise, da Teoria da Mente, e, evidentemente, da literatura, cujos exemplos (sintomaticamente) incluem Joyce e Beckett. Em Ulysses, afirma Lodge, o narrador oferece apenas “o enquadramento

espácio-temporal em que a consciência subjectiva da personagem individual opera” (idem 61). Por outras palavras, o grande protagonista do romance é o discurso mental, pertença ele ao académico Stephen, ao prosaico Bloom ou à sedutora Molly.170 Através das técnicas de representação da corrente de consciência, Joyce dá voz não apenas à consciência, mas também ao inconsciente, havendo quem à expressão “stream of consciousness” acrescente “stream of unconsciousness” (Levin apud Bulson 2006: 93) para definir as técnicas aplicadas por Joyce em Finnegans Wake.

Regendo-se por princípios próprios de verosimilhança e recorrendo às justaposições e às metamorfoses típicas do imaginário onírico para ilustrar a produtiva confusão que reina na consciência e no inconsciente das suas personagens, a linguagem dos últimos trabalhos de Joyce liberta-se de todos os constrangimentos e convenções, acompanhando os inventivos desvios das mentes representadas. A este respeito, Lodge destaca, entre outros, o episódio “Circe” de Ulysses e, evidentemente, Finnegans Wake, um texto em que Joyce “representou a história humana na sua totalidade como um sonho, no qual cada personagem e acontecimento é, para usar o termo freudiano, sobredeterminado, isto é, tem mais de um significado simultaneamente” (Lodge 2009 [2002]: 67). Os “perturbadores monólogos” presentes na trilogia de Samuel Beckett, “em que o narrador parece ser uma consciência quase totalmente privada de dados sensoriais e com falhas crescentes de memória, condenada a prosseguir a sua narrativa sem nada de tangível para narrar” (idem 85), merecem também especial destaque em A

Consciência e o Romance.

Convocando as conclusões do neurocientista António Damásio, em diferentes trabalhos de investigação sobre o funcionamento da mente, Lodge sublinha então que contar histórias parece ser uma obsessão do próprio cérebro humano (idem 25); uma obsessão que se transforma em matéria-prima não apenas para os cientistas mas também para muitos escritores. Assim é para Gonçalo M. Tavares: “De vez em quando fazemos interrupções / para que o ouvido descanse e o resto do corpo / actue, mas nascemos para ouvir contar histórias / tudo o resto são profissões. E Bloom diz: continue, por favor” (Tavares 2010: 273). Na epopeia de Tavares, Uma Viagem à Índia, tal como na epopeia de James Joyce, Ulysses, a personagem principal chama-se Bloom. O objetivo do

      

170 Na sua análise sobre o funcionamento da linguagem em Ulysses, Cordell Yee chega a uma conclusão

semelhante: “The language of Ulysses no longer functions as an instrument of knowledge; instead it becomes self-absorbed. This self-absorption manifests itself in the multiplication of styles, especially in the second half of Ulysses” (Yee 1997: 46).

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Bloom de Tavares é chegar, à semelhança dos descobridores portugueses, à Índia. Numa viagem que toca muitas vezes o grotesco, Bloom foge do muito sangue derramado em Lisboa: primeiro pelo seu pai que, reproduzindo a história de Pedro e Inês, manda matar Mary, a sua companheira, e depois pelo próprio Bloom que, em jeito de vingança com gosto de tragédia clássica, mata o próprio pai. Pelo meio ficam perigosos encontros com assaltantes em Londres e encontros mais afáveis com um Jean M em Paris. Chegado à Índia, depois de ter passado por outras capitais europeias, Bloom manifesta a vontade de descobrir se “a Índia, apesar de tudo, / ainda existe fora da linguagem” (idem 306). Em resposta a Bloom, Lacan diria porventura que a Índia existe precisamente porque é dita, e escrita, sendo as palavras elementos fundamentais na construção do mundo das coisas (cf. Lacan 1966: 155). Joyce, o criador do outro Bloom que, não por acaso, vendia palavras, isto é, anúncios publicitários, conhecia bem o heroísmo da linguagem nas suas múltiplas formas e estilos, fazendo dela coprotagonista, se não protagonista maior, da sua epopeia.

O idílio indiano do Bloom português termina quando o sábio Shankra com o qual pretendia aprender tenta roubar-lhe as suas edições raras de Sófocles e Séneca, companheiros de todas as horas, testemunhas das suas (a)venturas e desventuras. Nesta tentativa de apropriação de dois marcos literários da cultura ocidental, Shankra parece querer reescrever a História, abastecendo, simbolicamente, a Índia, ou simplesmente a sua biblioteca pessoal, com os dois tesouros ocidentais. Mas, numa inversão irónica de papéis, em que a História uma vez mais se repete, é Bloom quem acaba por fugir da Índia, não apenas com os seus livros intactos, mas também com uma edição antiga e igualmente rara de um livro indiano que consegue roubar a Shankra. De novo em Paris, Bloom reencontra Jean M que organiza uma festa de boas vindas com três prostitutas. No decorrer da noite, Bloom acaba por matar uma delas: “No coração de Bloom uma certeza, um refrão: / já não sou um impulsivo que mata, sou um assassino” (Tavares 2010: 449).

Entre Leopold Bloom, personagem central de uma epopeia modernista, e o Bloom de Tavares, protagonista de uma epopeia pós-moderna, há apenas uma semelhança: o estatuto de anti-herói. Aspeto em que contrastam ambos, de resto, com o arquétipo homérico: Ulisses ou o herói por excelência, pacientemente aguardado pela fiel e casta Penélope na sua Ítaca natal. Em tudo o mais, a bonomia e a pacatez de Leopold

contrastam com o desassossego e a ira de Bloom. Talvez que Leopold Bloom cultive mais a sua vida mental, enquanto Bloom a suspende vezes de mais para atuar:

O nosso inconsciente não mata, apenas pensa e deseja matar. Mas seria um erro subestimar esta realidade psíquica por comparação com a realidade factual. A importância e gravidade da realidade psíquica é inegável. Nos nossos impulsos inconscientes eliminamos dia a dia e hora a hora tudo aquilo que se atravesse no nosso caminho, tudo aquilo que nos tenha ofendido ou lesado. (Freud 2008 [1930]: 144)171

É possível que o Bloom de Tavares se tenha deixado dominar por estes impulsos inconscientes de eliminar todos os que de alguma forma o tenham ofendido, mesmo que a ofensa seja apenas não ser Mary e sim uma vulgar prostituta.

Duas décadas antes da publicação de A Consciência e o Romance, de David Lodge, já Daniel C. Dennett havia escolhido também os textos de Joyce para ilustrar os mecanismos da consciência. Em Consciousness Explained, o filósofo recorda a evolução da consciência (cf. Dennett 1991: 171-226), passando por Descartes, inevitavelmente, até chegar ao que designa por “the Joycean Machine” (idem 275) e que não é mais do que o reconhecimento de que a consciência e o inconsciente operam de forma muito semelhante à que é utilizada por Joyce na composição de Ulysses e, sobretudo, de Finnegans Wake. O modelo de Dennett (“Multiple Drafts model”, idem 113) é eclético, acolhendo contributos de diferentes áreas do saber, tais como a psicologia, a neurociência, a Inteligência Artificial, a antropologia e a filosofia. Um dos seus pressupostos centrais é a recusa de um centro de operações cartesiano que coordene todos os movimentos da consciência:

There is no stable, definitive “stream of consciousness”, because there is no central Headquarters, no Cartesian Theater where “it all comes together” […]. Instead of such single stream (however wide), there are multiple channels in which specialist circuits try, in parallel pandemoniums, to do their various things, creating Multiple Drafts as they go. Most of these fragmentary drafts of “narrative” play short-lived roles in the modulation of current activity but some get promoted to further functional roles, in swift succession, by the activity of a virtual machine in the brain. The seriality of this machine […] is not a “hard-wired” design feature, but rather the upshot of a succession of coalitions of these specialists. (idem 253)

      

171 Também Jung chama a atenção para os perigos de um eventual transbordamento do inconsciente:

“Evidentemente, o inconsciente não é uma coisa perigosa em todas as circunstâncias, mas logo que se manifeste uma neurose, afloram indicações de que existe no inconsciente uma acumulação de energias, isto é, uma espécie de carga que está sujeita a explodir. É preciso ter-se cuidado” (Jung 1967: 195).

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Os romances de Joyce e Beckett afiguram-se, assim, como interessantes estudos de caso no que à investigação literária da consciência e do inconsciente diz respeito. E isto, em larga medida, porque ambos os escritores são herdeiros de uma época profundamente marcada pelas descobertas e os desafios da psicanálise. Com efeito, nas primeiras décadas do século XX, as teorias de Freud e de Jung pairavam mesmo entre os escritores que não perfilhavam as suas teorias ou os que não tinham lido sequer os seus textos, num movimento semelhante ao que aconteceu com a teoria da relatividade de Einstein. A hipótese freudiana de que o comportamento humano é influenciado por um conjunto de processos psíquicos de repressão, recalcamento e sublimação que nem o próprio sujeito domina na totalidade a muitos se apresentou como “uma explicação plausível e convincente da natureza humana” (Lodge 2009 [2002]: 64), ainda que algo assustadora ao retirar ao ser humano uma boa parte da sua capacidade de controlo sobre as suas ações e mais ainda sobre as suas emoções: “A neurose caracteriza-se, assim, por colocar a realidade psíquica acima da realidade de facto e de reagir a pensamentos com a mesma intensidade com que as pessoas normais reagem exclusivamente ao que é realidade” (Freud 2001 [1913]: 222).

Outra ideia particularmente relevante que se expande na época é a da existência de um inconsciente coletivo transversal à raça humana; uma espécie de património mental ou, nas palavras de Jung, “um tesouro escondido com o qual a humanidade desde sempre se abastou, de onde tirou os seus deuses e demónios e todas aquelas ideias grandes e poderosas sem as quais o homem deixa de ser homem” (Jung 1967: 117). É sabido que Joyce não era propriamente um grande admirador das teorias e das

práticas terapêuticas de Freud e de Jung,172 mordazmente parodiadas sobretudo em

Finnegans Wake, onde surgem muitas vezes associadas a um vocabulário afetado e oco

ou, simplesmente, mentiroso:

Everyday, precious, while m’m’ry’s leaves are falling deeply on my

Jungfraud’s Messongebook I will dream telepath posts dulcets on this       

172 A desconfiança e as críticas de Joyce não significam, contudo, ignorância ou alheamento total dos

textos de Freud e de Jung. Adam Piette sublinha mesmo a existência de temáticas, particularmente em

Ulysses e em Finnegans Wake, que aproximam Joyce da esfera de influência da psicanálise. Piette

destaca, por exemplo, a forma como Joyce trata a questão da memória em termos que justapõem aspetos centrais das teorias de Freud e de Jung: “So two preoccupations lie within Joyce’s interest in memory. First, as a form of Freudian observation of slips of the tongue that betray what people are most careful to conceal […]. Secondly, a Jungian concept of memory that understood the faculty in terms of racial recall, history, and world-spirit dream retention. The first covers the ground of personal memory; the second of broad cultural memory” (Piette 1996: 147).

isinglass stream (but don’t tell him or I’ll be the mort of him!) under the libans and the sickamours, the cyprissis and babilonias […]. (FW 460, meu sublinhado)

A par do inglês, a língua francesa é uma das que mais se destaca nos vários jogos de palavras presentes neste fragmento: “mensonge” (“mentira”), “mort” (“morte”), “amour” (“amor”). A palavra mentira que se funde com o equivalente inglês de “mensagem” (“message”) reforça a ideia de fraude (“fraud”) claramente associada aos nomes de Jung e de Freud que aqui surgem em amálgama como se de um todo se tratasse, pese embora as divergências e a rivalidade que entre os dois existiam: “when they were yung and easily freudened” (FW 115).

Apesar da resistência do homem e do escritor, Joyce, o pai, terá recorrido a Jung para tentar resolver os problemas de saúde revelados pela filha. Jung terá sido então o vigésimo médico a ser consultado por Lucia Joyce173 (Ellmann 1982 [1959]: 676). E se a princípio o tratamento parece resultar, Lucia acaba por se distanciar também de Jung que conclui existir “uma espécie de identidade ou participação mística” entre pai e filha: “[Jung] called Lucia her father’s anima imperatrix” (idem 679, itálicos no original). A reação de Joyce às conclusões de Jung foi serena, mas contundente: “A man who had so misconstrued Ulysses could scarcely be expected by Joyce to construe Lucia correctly” (idem 680). A referência a Ulysses prende-se com um texto publicado por Jung pela primeira vez em 1932 e incluído posteriormente nas suas Obras Completas. “Ulisses, um monólogo” – que Jung sublinha tratar-se de “um ensaio literário”, por oposição a “um trabalho científico” (Jung 1971 [1932]: 94) – recolhe as suas impressões sobre o que considera ser “um documento humano essencial” e também “um documento psicológico” que põe em prática muitos dos princípios e teorias formulados pelo próprio Jung nos seus tratados psicológicos. Malgrado esta aparente aproximação entre os objetos de estudo de Jung e de Joyce, no seu ensaio literário Jung compara a leitura de

Ulysses à “tortura das almas no inferno”, sublinhando que:

Cada frase contém uma expectativa que não se concretiza; por fim, por mera resignação, o leitor já nem espera mais nada e, para seu reiterado espanto, percebe gradativamente que, de fato, acertou. Na verdade, nada acontece, nada resulta daí, e, contudo, uma secreta expectativa em antagonismo com uma resignação sem esperança, arrasta-nos página por página. […] A pessoa lê, lê e relê e pensa que compreende o que está lendo. […] Assim também

      

173 Muitos são os críticos que veem na esquizofrenia de Lucia Joyce a inspiração para a escrita de

Finnegans Wake. Sobre este assunto, ver, por exemplo, o artigo “Finnegans Wake and the Daughter’s

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eu li, com o desespero em meu coração até a página 135 adormecendo por duas vezes. (idem 95-96)

Curiosamente, a descrição que Jung faz de Ulysses poderia ser facilmente aplicada a

Finnegans Wake, texto que mais abertamente rompe com as expetativas dos leitores,

tendo merecido, por parte de muitos, críticas tão ou mais violentas quanto esta formulada por Jung. Veja-se o artigo publicado a 14 de Maio de 1927 no The New

Statesman:

It [Work in Progress] should disgust. The taste which inspired it is the taste of cretinism of speech, akin to finding exhilaration in the slobberings and mouthings of an idiot. […] How poor, too, the sense of fun, if fun it can be called, which sustains the author through the labour of composing page after page of distorted rubbish? (apud Fargnoli 2001: 295-6)

A estrutura aparentemente caótica de Finnegans Wake, que tanto desgosta o autor do artigo precedente, deve muito a Giambattista Vico (1668-1744) e à sua obra maior, La

Scienza Nuova (1744), que merecerão especial destaque no ponto III deste capítulo. Mas

nele também se encontram, recorrentemente, ecos de Freud, Jung e das inflamadas disputas entre os discípulos de ambos. Eis uma sintomática tentativa de diagnóstico:

– You’re a nice third degree witness, faith! But this is no laughing matter. Do you think we are tonedeafs in our noses to boot? Can you not distinguish

the sense, prain, from the sound, bray? You have homosexual catheis of

empathy between narcissism of the expert and steatopygic invertedness. Get yourself psychoanolised!

– O, begor, I want no expert nursis symaphy from yours broons quadroons and I can psoakoonaloose myself any time I want (the fog follow you all!) without your interferences or any other pigeonstealer. (FW 522, meus sublinhados)

Revelando um grande domínio do jargão psicanalítico – que aqui surge claramente parodiado, entre outras coisas, pela corrupção do conceito freudiano de “cathexis”, que designa um excesso de concentração de energia psíquica num mesmo indivíduo (cf. McHugh 1991 [1980]: 522) –, o primeiro interveniente diagnostica no segundo uma grave incapacidade de distinguir o som do sentido. Num texto conhecido pelos seus profundos alicerces em jogos de palavras (“puns”)174 não ser capaz de os reconhecer é,

      

174 Quando questionado sobre o uso, para muitos, excessivo, de trocadilhos e jogos de palavras em

Finnegans Wake, Joyce respondeu, não sem ironia: “The Holy Apostolic Church was built on a pun. It

ought to be good enough for me” (apud Ellmann 1982 [1959]: 546). Joyce refere-se à famosa passagem bíblica: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16: 18).

sem dúvida, um sério handicap até porque a paródia pode consistir numa simples troca de letras. Tomando como exemplo o par “The letter! The litter!” (FW 93), Lacan conclui que “se não houvesse este tipo de ortografia tão especial que é o da língua inglesa, três quartos dos efeitos de Finnegans Wake perder-se-iam” (Lacan 1989: 142). Assim, entre “literatura” e “litteringture” (FW 570) vai apenas uma curta distância. O que não é tão evidente é a ligação desta insuficiência na deteção e compreensão de trocadilhos com as acusações de homossexualidade, narcisismo e impulsividade (“So you think I have impulsivism?”, FW 149) que são feitas nesta e noutras ocasiões. Já a recusa que o segundo interveniente faz da psicanálise, dizendo que é capaz de se analisar a si próprio, imita a rejeição do próprio Joyce. Como frisa Edmund Epstein:

Joyce was vastly amused by the conflict between Jungians and Freudians, and by orthodox psychoanalytic criticism in general. He obviously preferred his own psychology to other brands. At least, a Joycean psychoanalytical critic is capable of a comic attitude toward his work. (Epstein 2009: 55) A psicanálise por James Joyce oferece, sem dúvida, garantias de muito humor e paródia. Porém, apesar das suas muitas reservas no que diz respeito às teorias e conceitos avançados por Freud e Jung, a verdade é que ao investigar os insondáveis mistérios do universo noturno regido pelo sono e o sonho, Joyce cria “personagens- consciência”, para usar a oportuna formulação de Umberto Eco (1989 [1962]: 43), que experimentam muitos dos mecanismos, distúrbios e dilemas psíquicos estudados pela psicanálise. E se a psicanálise, tal como as outras ciências, tem uma linguagem própria, Joyce também se viu na necessidade de quebrar convenções de escrita para melhor expressar os diferentes estádios alcançados durante a noite:

In writing of the night, I really could not, I felt I could not, use words in their ordinary connections. Used that way they do not express how things are in the night, in the different stages – conscious, semi-conscious, then

unconscious. […] When morning comes of course everything will be clear

again… I’ll give them back their English language.175 (Joyce apud Ellmann 1982 [1959]: 546, meus sublinhados)

Joyce parece responder assim aos desideratos de uma das vozes wakeanas que incita ao roubo da noite: “Thief us the night, steal we the air, shawl thiner liefest mine!” (FW 117). Aos mais críticos, Joyce promete devolver a língua inglesa no seu estado diurno,

      

175 Esta última frase reforça os direitos e as liberdades do escritor sobre a matéria-prima do seu trabalho.

Como afirma Donald Davidson: “Joyce’s conception of aesthetic freedom required that he not be the slave of settled meanings, hypostatized connotations, rules of grammar, established styles and tastes, “correct” spellings. Winning such freedom was for him a supreme act of creation” (Davidson 2005: 147).

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