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3 DESPROVIDOS DE DIREITOS, IMORAIS E DELINQUENTES: AS

4.2 os direitos individuais de adolescentes

4.2.1 A política do ECA para a concretização dos direitos de crianças e

4.2.1.1 Os instrumentos de exigibilidade administrativa e judicial de direitos

4.2.1.1.1 O Conselho Tutelar

De acordo com o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da própria Constituição. Já o artigo 204 da Carta Magna, em seu inciso II, prevê que a participação direta da população na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, dar-se-á por meio de organizações representativas. O ECA consagra duas destas organizações: os Conselhos de Direitos, que estudamos na subseção anterior, e o Conselho Tutelar.

Na terceira seção desta pesquisa consideramos que as autoridades destinadas a proteger a infância e a adolescência, sob a égide do menorismo, assemelhavam-se a uma espécie de polícia de crianças, dedicadas a fiscalizar ruas, bares, casas etc., investigar transgressões diversas envolvendo estes indivíduos, inclusive as de natureza moral, e punir menores pobres e infratores, especialmente com internação em instituições, a fim de regenerá-los. O Conselho Tutelar, no entanto, foi instituído, em tese, para romper frontalmente com esta lógica.

As definições sobre o Conselho Tutelar constam do Título V do ECA, que é integrado por cinco capítulos. O primeiro deles, com cinco artigos, expõe as disposições gerais sobre o órgão; o segundo, com dois artigos, elenca suas atribuições; o terceiro, com um único artigo, circunscreve sua competência de atuação; o quarto, com um artigo, estabelece a forma de escolha dos conselheiros; e o quinto, também com um artigo, indica os impedimentos e os requisitos para o exercício da função.

O Capítulo I é iniciado com o artigo 131, que qualifica o Conselho Tutelar como um organismo permanente, autônomo e não jurisdicional, que tem como missão precípua zelar pelo cumprimento dos direitos assegurados à infância e à adolescência:

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. (BRASIL, 1990, não paginado).

O qualificativo “permanente”, segundo Soares (2010), alude ao fato do órgão ser ininterrupto, duradouro e imprescindível, quer dizer:

Não é acidental, temporário, eventual, mas essencial e indispensável ao organismo social. Comparando com o organismo humano, não há de ser como um dente que pode ser extraído e substituído, e sim como um cérebro, sem o qual não se sobrevive. (SOARES, 2010, p. 627). Digiácomo e Digiácomo (2010) corroboram a ideia de que o Conselho Tutelar não pode sofrer processo de descontinuidade (por parte do Poder Executivo municipal), ou seja, uma vez instituído, não poderá ser extinto ou ter suas atividades suspensas. Acrescentam ainda que a partir de seu efetivo funcionamento, o órgão passa a integrar de forma definitiva o Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente43:

Caso o Poder Público Municipal, ao qual incumbe a manutenção do Conselho Tutelar, permita, por qualquer causa ou motivo, a interrupção das [suas] atividades [...], as atribuições a este inerentes retornarão à autoridade judiciária, devendo o Ministério Público (ou outro legitimado do art. 210, do ECA), tomar as medidas administrativas e judiciais necessárias à retomada de seu funcionamento, sem prejuízo da apuração da responsabilidade do administrador público que deu causa a esta situação. (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2010, p.196).

Sobre a autonomia, faz-se necessário tecer alguns apontamentos. Lalende (1999, p.115) apresenta três definições sobre este vocábulo: a) etimologicamente, ele corresponde à capacidade, inerente a uma pessoa ou coletividade, de determinar as leis a que se submete; b) se refere ainda à liberdade moral, oposta, “por um lado, à escravidão dos impulsos, por outro à obediência sem crítica às regras de conduta sugeridas por uma autoridade exterior” e; c) sociologicamente, denota o poder de um “grupo, principalmente político, de se organizar e de se administrar ele mesmo, pelo menos sob certas condições e dentro de certos limites”.

Cattani (2000) afirma que autonomia não significa a negação absoluta do meio físico e sociocultural, mas a capacidade de tomar decisões enquanto ser ou grupo, o que exige árduos esforços, aumento de responsabilidades e engajamento permanente.

43 Este sistema, em síntese, pode ser definido como articulação e uma integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da infância e da adolescência nos níveis federal, estadual, distrital e municipal. Na Seção 5 apresentamos dados mais detalhados a seu respeito.

O oposto de autonomia é a heteronomia, que reporta à lei ou comando externo: “condição de pessoa ou grupo que receba de um elemento que lhe é exterior, a lei que deve obedecer” (ANDRADE; LONGO; PASSOS, 2000), estando, por sua vez, associada à ideia de submissão, de avassalamento:

[...] É esta servidão que os homens chamam heteronomia, e eles lhe opõem, com o nome de autonomia, a liberdade do homem que, pelo

esforço da sua própria reflexão, dá a si mesmo os seus princípios de ação, o indivíduo autônomo não vive sem regras, mas apenas

obedece às regras que ele escolheu depois de examiná-las. (LALENDE, 1999, p.115, destaque nosso).

Pode-se deduzir, no caso de um organismo administrativo como o Conselho Tutelar, que autonomia remete à faculdade de se governar por si mesmo, a partir da legislação vigente e de regras próprias, desde que estas não colidam com aquelas. Embora não possa ser confundida com soberania, autonomia está associada à ideia de independência para tomar as próprias decisões, sem a necessidade de submetê-las a outra autoridade. Mesmo assim, Digiácomo e Digiácomo (2010, p.197) enfatizam que as ações do Conselho Tutelar não são imunes à fiscalização por parte das entidades que integram o Sistema de Garantias de Direitos, estando, assim, “sujeitas ao controle de sua legalidade e adequação pelo Poder Judiciário, mediante provocação por parte de quem demonstre legítimo interesse ou do Ministério Público”.

Este atributo se apresenta como essencial ao exercício das atribuições do Conselho Tutelar, que como veremos a seguir, envolvem não apenas a requisição administrativa de serviços públicos junto ao Poder Executivo e sua fiscalização, mas também a adoção de medidas judiciais contra esta instância. Em outras palavras, como o órgão poderia desenvolver tal relação com as prefeituras se fosse subordinado a elas?

A Resolução nº. 170, de 17 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre os parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares, dedica um capítulo, composto por sete artigos, à autonomia do órgão e sua articulação com os demais organismos relacionados à garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Em linhas gerais, são apresentadas determinações que, numa primeira análise, visam assegurar, no plano prático, a autonomia do Conselho Tutelar: a) o artigo 30 afirma que o órgão, no exercício de suas atribuições, não se subordina ao Conselho de Direitos local; b) Os parágrafos 1º e 2º do artigo 30 estabelecem que na hipótese de atentado à autonomia do Conselho Tutelar, o mesmo deverá noticiar às autoridades

responsáveis para apuração da conduta do agente violador para conhecimento e adoção das medidas cabíveis, bem como ao Conselho de Direitos local e estadual; c) o artigo 25 prevê que o Poder Judiciário, o Ministério Público, o Poder Legislativo ou o Poder Executivo local ou estadual, assim como quaisquer outras autoridades, não poderão criar outras atribuições para o Conselho Tutelar além das previstas pelo artigo 136 do ECA; d) o artigo 18 confere ao Conselho Tutelar o direito de elaborar e aprovar seu regimento interno. Este, no entanto, deverá observar as normas de conduta (deveres e proibições) e o regime disciplinar (que envolve penalidades administrativas e a cassação do mandato de conselheiro) definidos pela própria Resolução, e ser encaminhado ao Conselho de Direitos local para “apreciação, sendo-lhe facultado, o envio de propostas de alteração”.

As normas de condutas estipulam treze deveres, presentes no artigo 40 da Resolução nº 170/2014, aos conselheiros tutelares, são eles: a) manter conduta pública e particular ilibada; b) zelar pelo prestígio da instituição; c) indicar os fundamentos de seus pronunciamentos administrativos, submetendo sua manifestação à deliberação do colegiado; d) obedecer aos prazos regimentais para suas manifestações e exercício das demais atribuições; e) comparecer às sessões deliberativas do Conselho Tutelar e do Conselho de Direitos local; f) desempenhar suas funções com zelo, presteza e dedicação; g) declarar-se suspeito44 ou impedido45 quando o caso concreto exigir; h) adotar, nos limites de suas atribuições, as medidas cabíveis em face de irregularidade no atendimento a crianças, adolescentes e famílias; i) tratar com urbanidade os interessados, testemunhas, funcionários e auxiliares do Conselho Tutelar e dos demais integrantes de órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente; j) residir no município; k) prestar as informações solicitadas pelas autoridades públicas e pelas pessoas que tenham legítimo interesse ou seus procuradores legalmente constituídos; l) identificar-se em suas manifestações funcionais; m) atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes.

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De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 42 da Resolução nº. 170, o membro do Conselho Tutelar poderá declarar suspeição por motivo de foro íntimo.

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Segundo o artigo 42 da Resolução nº. 170, o membro do Conselho Tutelar será declarado impedido de analisar o caso quando: I - a situação atendida envolver cônjuge, companheiro, ou parentes em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau; II - for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer dos interessados; III - algum dos interessados for credor ou devedor do membro do Conselho Tutelar, de seu cônjuge, companheiro, ainda que em união homoafetiva, ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau; IV - tiver interesse na solução do caso em favor de um dos interessados.

As proibições são assentadas pelos artigos 22 e 41 da citada Resolução. Elas vedam aos conselheiros tutelares: a) o recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de vantagem pessoal de qualquer natureza; b) o exercício de outra atividade no horário fixado na lei municipal ou distrital para o funcionamento do Conselho Tutelar; c) a utilização do Conselho Tutelar para o exercício de propaganda e atividade político- partidária; d) a ausência da sede do Conselho Tutelar durante o expediente, salvo quando em diligências ou por necessidade do serviço; e) a colocação de resistência injustificada ao andamento do serviço; f) a delegação, à pessoa que não seja membro do Conselho Tutelar, do desempenho da atribuição que seja de sua responsabilidade; g) a utilização da função para lograr proveito pessoal; h) o recebimento de comissões, presentes ou vantagens de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; i) a atuação desidiosa; j) o exercício de quaisquer atividades que sejam incompatíveis com a função e com o horário de trabalho; k) o abuso de suas atribuições específicas; l) a não submissão ao colegiado das decisões individuais referentes à aplicação de medidas protetivas a crianças, adolescentes, pais ou responsáveis previstas nos artigos 101 e 129 do ECA; m) o descumprimento de seus deveres; n) a execução de serviços e programas de atendimento que devem ser requisitados aos órgãos encarregados da execução de políticas públicas.

Dentre estas proibições, seis parecem remeter a crimes previstos no Código Penal brasileiro: as descritas nos itens “a”, “g” e “h” ao crime de corrupção passiva (solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou, antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem); a contida no item “c” ao crime de peculato (apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio); a mencionada no item “k” a práticas de abuso de autoridade; e a disposta no item “n” ao crime de usurpação do exercício de função pública – ou também à contravenção relativa ao exercício irregular de profissão, conforme definição do artigo 47 do Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei de Contravenções Penais). Os demais itens se referem à organização interna do Conselho Tutelar, abarcando o descumprimento dos deveres mencionados anteriormente e a exigência de dedicação exclusiva ao órgão.

Portanto, os deveres e as proibições elencadas pelo CONANDA não inovam em matéria de legislação, tampouco representam intromissões à autonomia do Conselho Tutelar. Ao contrário, elas, na nossa visão, apenas se valem de normas vigentes para evidenciar elementos que devem nortear a atuação dos conselheiros tutelares, de modo que ela ocorra de maneira proba, ética, coerente e eficaz.

Em relação ao regime disciplinar, a Resolução nº 170 aponta três penalidades administrativas que podem ser aplicadas aos conselheiros tutelares: a) advertência; b) suspensão do exercício da função; c) destituição da função. As duas últimas serão impetradas nos casos de: descumprimento das atribuições conferidas pelo ECA ao Conselho Tutelar; cometimento de crimes que comprometam a idoneidade moral do conselheiro; prática de conduta incompatível com a confiança outorgada pela comunidade. Nestas circunstâncias e, de acordo com a gravidade da acusação, o conselheiro poderá ser afastado liminarmente até a conclusão da investigação (artigo 46), todavia, a imposição de penalidade será precedida de sindicância e de processo administrativo, que assegurará aos conselheiros a imparcialidade dos responsáveis pela apuração e o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo 47). Na hipótese de haver indícios da prática de crime, o Conselho de Direitos local ou, o órgão responsável pela apuração da infração administrativa, comunicará o fato ao Ministério Público para adoção das medidas legais (artigo 48).

Além disso, conforme o artigo 43, outras três hipóteses podem acarretar a cessação do mandato de conselheiro tutelar: renúncia; posse e exercício em outro cargo, emprego ou função pública ou privada remunerada; e, obviamente, falecimento.

Retomando o artigo 131 e a natureza do Conselho Tutelar, resta-nos tratar da não jurisdicionalidade. Este qualificativo limita a área de atuação do órgão à esfera administrativa, o que denota, entre outras coisas, que este aparato não integra o Poder Judiciário, não compartilha das funções dos juízes e não é punitivo, quer dizer, não aplica sanções a crianças e adolescentes nem a seus familiares ou responsáveis:

[...] as funções exercidas são de natureza executiva, sem a atribuição (que é exclusiva do Poder Judiciário) de compor lides (conflito de interesses). Por isso, não cabe ao Conselho Tutelar estabelecer

qualquer sanção para forçar o cumprimento de suas decisões. Se

necessitar fazê-lo, terá que representar ao Poder Judiciário. (SOARES, 2010, p. 627, destaque nosso).

Este distanciamento entre o Poder Judiciário e o Conselho Tutelar, na análise de Digiácomo e Digiácomo (2010, p.197), remonta a uma das “ideias básicas” que inspiraram a criação do segundo: a “desjudicialização” do atendimento à criança e ao adolescente. Para os autores, o objetivo desta medida foi garantir a presença física do Conselho em todos os municípios brasileiros – coisa inviável para o Poder Judiciário, que é organizado em comarcas que abrangem, muitas vezes, diversos municípios – e proporcionar “maior agilidade e menos burocracia na aplicação de medidas e encaminhamentos para os programas e serviços públicos correspondentes”.

Outro aspecto relevante presente no artigo 131 é a afirmação de que a autoridade do Conselho Tutelar emana da sociedade e não de um dos três poderes de Estado. Soares (2010, p.627) associa este dado com passagens constitucionais concatenadas à efetivação de uma democracia participativa em detrimento de uma “democracia meramente representativa”.

O artigo 132 – alterado pela Lei nº 12.696, de 25 de julho de 2012 – por sua vez, assevera que em cada município e em cada região metropolitana do Distrito Federal, haverá no mínimo um Conselho Tutelar, como órgão integrante da administração pública local, e composto por cinco membros, a serem escolhidos pela população local para mandato de quatro anos, permitida uma recondução, mediante novo processo de escolha.

Esta passagem é complementada pela Resolução nº 170/2014 do CONANDA, que estabelece a “proporção mínima de um Conselho para cada 100 mil habitantes” (artigo 3º, § 1º) e afirma que o órgão deverá funcionar em “local de fácil acesso, preferencialmente já constituído como referência de atendimento à população” e oferecer “espaço físico e instalações que permitam o adequado desempenho das atribuições e competências dos conselheiros e o acolhimento digno ao público”, de modo a evitar “prejuízos à imagem e à intimidade das crianças e adolescentes atendidos” (artigo 17). Este edifício deverá dispor, no mínimo, de uma placa indicativa e quatro salas: uma reservada para o atendimento e recepção ao público; uma para o atendimento dos casos; uma para os serviços administrativos; e outra para os conselheiros tutelares (artigo 16). Não há indicação numérica sobre os recursos materiais a serem disponibilizados ao órgão, no entanto, considerando o artigo 4º da Resolução nº 170, podemos concluir que serão garantidos ao Conselho Tutelar os seguintes insumos: mobiliário, água, luz, telefone fixo e móvel, internet, computador,

aparelho de fax e transporte adequado, permanente e exclusivo, além de equipe administrativa de apoio. (CONANDA, 2014. Não paginado).

O artigo 133 do Estatuto elenca três requisitos a serem exigidos para a candidatura a membro do Conselho Tutelar: a) reconhecida idoneidade moral; b) idade superior a vinte e um anos; c) residir no município. Soares (2010, p. 638) define a idoneidade moral como um “conjunto de qualidades que deve ter o cidadão que cumpre corretamente seus deveres, públicos e privados”; aponta que a idade superior a vinte e um anos coincide com a maioridade civil, mas não se confunde com ela, ou seja, aqueles que se tornam maiores de idade antes dos vinte e um anos por meio de emancipação ou casamento, por exemplo, não estão aptos para ingressar no Conselho Tutelar; e explica que residência não é a mesma coisa que domicílio, isto é, enquanto a primeira constitui o local onde de fato é a morada atual de uma pessoa, com ou sem intenção de aí permanecer, o segundo é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo:

Se a pessoa tiver mais de uma residência onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, qualquer destes ou daquelas pode ser considerado domicílio. Não preencherá o requisito de residência no município quem ali exerça atividades habituais, mas não more com ânimo definitivo ou, pelo menos, alternadamente. (SOARES, 2010, p.639).

Esta exigência, para Digiácomo e Digiácomo (2010, p.200), objetiva garantir que o conselheiro tutelar “conheça e tenha contato permanente com a comunidade que irá servir, sendo também a esta acessível, sempre que se fizer necessário”.

A Resolução nº 170/2014 acrescenta outros dois requisitos ao estipulado pelo ECA: a) experiência na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; b) comprovação de conclusão do ensino médio (artigo 12, parágrafos 1º e 2º). Eventualmente, caso haja previsão na legislação local, poderá ser aplicada prova eliminatória acerca dos direitos da criança e do adolescente. Esta avaliação seria formulada por comissão examinadora designada pelo Conselho de Direitos local (artigo 12,§ 3º).

Dois destes requisitos são elementares: morar no município e ser maior de idade. Outros dois se mostram pertinentes e necessários às demandas do trabalho a ser desenvolvido: experiência em atividades relacionadas à proteção da infância e da adolescência e a presunção de idoneidade moral. Provoca-nos dúvidas, porém, se a

escolaridade mínima exigida (ensino médio completo), é suficiente para o pleno exercício da função, que como veremos mais a frente, compreende práticas complexas.

O artigo 134 do ECA – também alterado pela Lei 12.696/2012 – assinala que o local onde funcionará o Conselho Tutelar, os dias e os horários de atendimento, bem como a remuneração de seus membros, serão deliberados em lei municipal ou distrital, que deverá compatibilizar ainda os seguintes direitos: a) cobertura previdenciária; b) gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de um terço do valor da remuneração mensal; c) licença maternidade; d) licença paternidade; e) gratificação natalina; f) a previsão de recursos para a formação continuada dos conselheiros. Vale repetir que a Resolução nº 170/2014 institui que o membro do Conselho Tutelar deverá se dedicar ao órgão de maneira exclusiva, sendo vedado o exercício concomitante com qualquer outra atividade profissional, pública ou privada. Quanto à remuneração, considera que ela deverá ser “proporcional à relevância e complexidade da atividade desenvolvida, e sua revisão far-se-á na forma estabelecida pela legislação local” (artigos 38 e 39).

O último artigo do Capítulo I é o 135, igualmente alterado pela Lei 12.696/12. Nele é previsto que o exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral.

O Capítulo II é inaugurado com o artigo 136, que apresenta as doze atribuições do Conselho Tutelar: a) atender crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas previstas no artigo 101, I a VII; b) atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no artigo 129, I a VII; c) promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; e representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; d) encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua

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