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6 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS:

6.2 Conseqüências Psicológicas

Em relação às conseqüências psicológicas do desemprego para os trabalhadores desempregados, algumas pesquisas como as de Seligmann - Silva (1986; 1994), Sarriera (1993) e Lima & Borges (2002) apontam para a emergência de uma série de implicações psicológicas, bem como físicas e familiares, entre outras, promovidas pela desarticulação da prática social, provocada pelo desemprego, ou seja, pelas “rupturas dos laços de sociabilidade construídos no trabalho”.(Seligmann - Silva citado por Lima e Borges, 2002). Nesse sentido, as conseqüências da vivência do desemprego descritas pelos entrevistados possibilitam a compreensão do fenômeno social do desemprego como propulsor de diversas dificuldades psicossociais.

A revisão apresentada por Sarriera (1993) sobre as conseqüências do desemprego em jovens, vai ao encontro do que foi identificado entre os entrevistados, ou seja, conseqüências na saúde física e mental do trabalhador, ocasionando estresse e depressão, alem de outras implicações, como a diminuição da rede social e a desestruturação do auto-conceito do jovem, abalando fortemente a auto-estima28. A pesquisa de Peres (2003) também corrobora essas colocações, apontando o desemprego

28 Essas informações são mencionadas por Sarriera (1993) e, em diferentes pesquisas, por: Banks e

Jackson (1982), Banks e Ullach (1987,1988), Holmes e Rahe (1967), Blanch (1990), Álvaro (1992) e Feather (1990) e Buendia (1987), respectivamente.

como causador de sofrimento psicológico marcante aos trabalhadores, justamente pela exclusão e segregação que a ele estão associados. Para o autor, o desempregado não é reconhecido socialmente, por estar alheio à lógi ca capitalista de ter um emprego e estar produzindo, e isso influencia na imagem que o sujeito constrói de si mesmo, sendo esta, freqüentemente, negativa.

Na maioria dos casos analisados, isto é, em seis dos entrevistados, as conseqüências psicológicas estão claramente presentes, cada qual com peculiaridades e intensidades diferentes. Para Nelson, Zilda, Ivete e Daniela, especialmente, o desemprego atinge de forma violenta as bases da sua auto-estima e de sua ‘identidade global’, que envolve a identidade de ser trabalhador e a sua identidade psicológica, ou melhor, a noção que o sujeito tem de si mesmo. Assim, em alguns momentos da entrevista de Daniela, por exemplo, era bastante comum emergir questionamentos sobre seu papel de mãe, de esposa, e também de filha, isto é, por não estar próxima da filha, por não auxiliar o marido e estar sobrecarregando os pais, acarretando mais e mais dúvidas sobre quem é e o que é capaz de realizar.

Os sentimentos de desânimo, incapacidade e desesperança em relação aos acontecimentos futuros também são conseqüências psicológicas comuns no discurso dos entrevistados, promovendo o questionamento sobre a sua vida, sobre que era anteriormente, o que deixou de fazer e o que poderia ter se tornado. No caso de Ivete, essa questão é bastante visível, principalmente, quando fala sobre a ‘vitrine’, ou seja, quando utiliza a analogia para explicar o que poderia ter sido na vida e para identificar todos os desejos e expectativas que precisaram ser modificados, isto é, para dizer que a ‘vitrine’ se transformou. Esse sentimento é intensificado pela idade de Ivete e pelo medo do envelhecimento, desencadeando mais insegurança em relação ao futuro e sobre si mesma. Como tão bem descreve Seligmann-Silva (1994):

O desemprego faz saber ao indivíduo, sem palavras, silenciosamente, o vazio e a falta de alternativas, o que significa ter perdido a base sobre a qual sustentava sua identidade e continuidade como ser humano. O ‘ser - assim – como - era’ é suplantado pelo ‘ser – assim – como - sou’, destruído, identificado agora com os aspectos rechaçados pela sociedade, pelo grupo familiar e por si mesmo (p. 282).

O estudo de Lira & Weistein29 (citado por Seligmann - Silva, 1994) com desempregados chilenos é bastante útil, uma vez que demonstra como as implicações do desemprego, lentamente, configuram um quadro que as autoras denominam de ‘psicopatologia do desemprego’. Elas identificaram alguns aspectos psicológicos freqüentes na vivência de trabalhadores desempregados, tais como: impotência individual, sensação de carência de sentido de vida, ausência de normas e autodistanciamento.

Em relação ao primeiro aspecto mencionado pelas autoras, ou seja, a impotência individual vivida pelos trabalhadores desempregados, é importante salientar que esta acarreta um forte sentimento de vulnerabilidade e desamparo no trabalhador, fazendo com que o sujeito se sinta impotente com relação à vida e para tomar suas próprias decisões. Isso é percebido no discurso de Nelson, principalmente, pela espera por algo, por um emprego, por um curso ou por “uma força” que façam com que sua vida melhore. E quando isso não acontece é um “desânimo total”, “uma tristeza mesmo”, comentando até possibilidade de pensar em “fazer uma besteira” e desabafando: “se não for bom da cabeça, o cara se mata”. A dificuldade de planejar o futuro também constitui uma conseqüência psicológica para os trabalhadores desempregados, expressando à sensação de carência e sentido de vidaque Lira e Weistein (citado por Seligmann - Silva, 1994) apontaram em sua pesquisa. Assim, pode-se dizer que a experiência do desemprego promove no trabalhador dificuldades de vislumbrar seu futuro e de viver o dia-a-dia como um vir-a-ser.

O outro aspecto assinalado é a ausência de referência e normas cotidianas impostas pela atividade de trabalho, que também são sentidas psicologicamente pelos entrevistados, Nelson, Zilda e Ivete. A falta de compromisso diário, o fato de cumprir horário, de sair de casa e arrumar-se para trabalhar são mencionados como situações de grande mudança no cotidiano de suas vidas e também são geradoras de sofrimento. As mulheres, principalmente, dedicam-se às atividades domésticas e à educação dos filhos, mas em geral estas funções são reconhecidas como sendo de menor ‘status’ e como um ‘não trabalho’ quando comparadas ao emprego formal, reconhecido socialmente. Sobre isso, Zilda comenta que, com freqüência, envolvia-se em atividades ditas ‘masculinas’

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As autoras chilenas realizaram um estudo importante de acompanhamento psicológico aos desempregados, num contexto social em que o seu país enfrentava a ditadura militar marcada pela repressão e por restritas possibilidades de apoio à referida população. Lira e Weinstein, a partir de suas observações, apontaram para os aspectos psicodinâmicos relacionados à frustração e ruptura com o

para esquecer do desemprego e fazer algo que fosse diferente do que habitualmente realizava e que lhe proporcionasse mais prazer.

O auto-distanciamento refere-se ao sentimento de estranhamento que o desempregado passa a ter em relação a si mesmo, como se ele percebesse o quão distante se encontra da imagem que idealizou de si, vendo-se como alguém que falhou na realização de seu projeto de vida. O sujeito sente-se alheio à própria vida. Em todos os entrevistados, exceto Ricardo, este sentimento pôde ser percebido, cada um expressando de maneira própria, mas com a dor de quem fez escolhas equivocadas no passado, de quem imaginou que seu futuro seria diferente. Em diferentes aspectos da vida do trabalhador, isso pode ser identificado pelos empregos aceitos, pelos que foram deixados, pelas mudanças de cidades, pelas estratégias de (re) inserção profissional, pelo que faz ou deixa de fazer na vida.

A culpabilização pela situação de desemprego é outra conseqüência psicológica bastante freqüente na fala dos entrevistados, caracterizada pela busca de explicações, na sua história, para o desemprego atual. Nelson, Zilda e Ivete vivenciam justamente isto, sendo que a ultima chega a afirmar que sabe exatamente o porquê de estar passando por esta situação hoje. O desempregado, gradativamente, personaliza o problema, considerando-se inútil e culpado por não conseguir emprego, e dessa forma, a auto- desvalorização e a auto-acusação são sentimentos comuns na experiência do desemprego.Menéndez (citado por Seligamnn - Silva, 1994) realiza um estudo com trabalhadores desempregados da Espanha, enfatizando esse sentimento de fracasso pessoal que freqüentemente os trabalhadores compartilham diante do fenômeno do desemprego. Nesse sentido, a faceta mais cruel do desemprego é a sua personalização, ou seja, o desemprego é assumido pelo sujeito como uma realidade estritamente individual, uma conseqüência de sua história passada. A fala dos entrevistados caminha nesta direção e aponta para um discurso culpabilizante e ‘imobilizante’.

Assim, dentre as implicações do desemprego para o trabalhador desempregado que freqüenta o SINE, algumas questões interessantes podem ser delineadas. Uma delas remete ao complexo imbricamento das implicações desta situação na vida do sujeito. As fronteiras entre os diferentes campos que são atingidos pelo desemprego são tênues e interdependentes, dificultando uma possível separação entre eles. Nesse sentido, muitas vezes, os entrevistados, ao apontarem conseqüências do desemprego em termos

emprego, provocadas pelo desemprego e como este pode desencadear reações psicopatológicas no trabalhador.

financeiros, já o estavam fazendo em sua dimensão emocional/ psicológica, por exemplo. Como Daniela expõe em um momento de seu relato, a difícil situação financeira enfrentada impede que esteja junto de sua filha, intensificando as dificuldades psicológicas e familiares e adiando os projetos para o futuro. O entrevistado Nelson também comenta rapidamente que sentimentos de tristeza e desânimo são expressos em seu corpo, através do emagrecimento e abatimento, ou seja, através de reações psicossomáticas. Isso faz pensar que a problemática social do desemprego é um fenômeno múltiplo, provocando no trabalhador desempregado diversas implicações psicológicas.