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O trabalho de pesquisa consiste em um constante movimento de olhar, de observar o fenômeno a sua frente, aproximando-se e distanciando-se a cada momento. Árdua tarefa, esta em que o pesquisador, ao adentrar em campo, vislumbra uma diversidade de possibilidades, de situações e de vivências. A questão do desemprego investigada nesta pesquisa despertou uma série de aspectos a ele relacionados, os quais, invariavelmente, exigiam múltiplos ‘olhares’ para uma problemática tão complexa.

O fenômeno social do desemprego produz conseqüências para o trabalhador desempregado, em termos sociais, psicológicos, morais, por exemplo, assim como, na construção da sua subjetividade. Nesta pesquisa, a vivência do desemprego foi articulada com diferentes aspectos da vida do trabalhador: a história de vida, a trajetória profissional, os relacionamentos familiares, o convívio social, entre muitos outros. Foi possível, neste estudo, ir além das estatísticas de desemprego e dos serviços de atendimento a esta população, neste caso, o SINE, e vislumbrar um pouco mais esse sujeito desempregado. Ou seja, entender esta vivência como uma experiência permeada pelo sofrimento, pela insegurança e pelo desamparo.

Esses são sentimentos freqüentes nas falas dos entrevistados, que expressam o receio de serem reconhecidos ou que eles mesmos se reconheçam como alguém ‘malandro’ou que ‘não quer trabalhar’, ou ainda, como alguém que pode ‘perder a paciência’. Deste modo, o desemprego, ao impor dificuldades econômicas e profissionais na vida do trabalhador, também confere ao sujeito o questionamento de si mesmo, de suas potencialidades e de seus sonhos. O desemprego desestrutura a auto- estima do sujeito e, como coloca um dos entrevistados, o torna ‘alguém sem crédito’.

A importância do trabalho, como um meio de subjetivação do homem e de inserção social na coletividade, é discutida por vários autores, entre eles, Tittoni (1994), Grisci (1999) e Fonseca (2000), apontando para sua centralidade em nossa sociedade. A perda do emprego e a vivência de ‘não-trabalho’ é sentida pelos trabalhadores como um ‘impedimento’, privando o sujeito de realizar uma atividade reconhecida socialmente e de pertencer a um grupo social, como, por exemplo, os empregados. Bárbara (1999), Dejours (1999), Selligmann - Silva (1994) e Lima & Borges (2002) conferem a essa forma de ‘ruptura’ a responsabilidade por diversas implicações psicológicas, acarretando forte sofrimento para quem o vivencia. O desemprego, assim, atinge o trabalhador subjetivamente, desestruturando a identidade do ‘ser trabalhador’, da

imagem que tem de si. Isso promove o afastamento do convívio social, possibilitando ainda mais que o trabalhador isole-se em culpa e desesperança.

A fala dos entrevistados aponta para um aspecto interessante da vivência do desemprego, ou seja, a ambigüidade de sentimentos e pensamentos que estão presentes ao se estar desempregado. Em alguns momentos os trabalhadores percebem as conseqüências desta situação em sua vida, em outros, as desconsideram. Ora não percebem um olhar ou tratamento diferente dos outros pelo fato de estar desempregado ora afirmam sofrer discriminação. Em certas ocasiões sentem-se fracassados e culpados por suas escolhas no passado e em outras, como alguém injustiçado. Assim, a experiência do desemprego provoca uma multiplicidade de conseqüências, dificuldades e vivências, em geral contraditórias e difíceis de serem percebidas e explicitadas pelos trabalhadores. Esse processo não é livre de dúvidas, sofrimento e defesas psicológicas que, de uma maneira ou de outra, dão um sentido diferente a toda essa “agonia”, segundo Alberto.

Nesse sentido, a frase expressa por um dos entrevistados: “Estou desempregado, não desesperado” reflete, em certa medida, um pouco dessa ambigüidade, pois oculta a dor e o sofrer de quem está sem trabalho, de quem busca distanciar-se do desespero, mas utiliza repetidas vezes tal expressão em seu discurso. Talvez, por não ter encontrando um termo mais adequado para essa vivência.

Essa problemática para os trabalhadores desempregados também perpassa a questão das estratégias de enfrentamento às dificuldades decorrentes do desemprego. Este aspecto assume papel importante, uma vez que os resultados obtidos por tais estratégias, freqüentemente desanimadores, tendem a promover a culpabilização do trabalhador. Isso porque, apesar das várias estratégias utilizadas pelos entrevistados, como a tão referenciada qualificação profissional, a distribuição de currículos pelas empresas ou o cadastramento em agências de empregos, entre elas, o SINE, conseguir um emprego para esses trabalhadores é uma tarefa difícil. Mesmo que alguns entrevistados questionem o contexto econômico atual, bem como as políticas e serviços voltados para o desemprego, o sentimento de culpa e fracasso é bastante comum quando não se obtém o esperado emprego.

Nesse sentido, percebe-se, nesta pesquisa, que a avaliação dessas estratégias de enfrentamento do desemprego pelos trabalhadores ainda é muito restrita. O discurso de muitos entrevistados expressava a reivindicação por um serviço de apoio aos desempregados que fosse eficiente, condizente com a realidade desses trabalhadores,

assim como mais humanizado. E, por outro lado, em alguns momentos, a fala dos trabalhadores refletia a convicção de sua falta de capacidade para empregar-se e inserir- se profissionalmente, como se fosse um problema de ordem estritamente pessoal. Assim, o SINE, por exemplo, é visto, paradoxalmente, como ‘vilão’ e ‘herói’, como a possibilidade de ajudá-lo ou de mantê-lo mais distante do trabalho. Esse discurso imobiliza o trabalhador, limitando suas possibilidades de ação e reflexão, pois, mantém o trabalhador nas ‘idas e vindas’diárias ao SINE.

Diante disso, a pesquisa permite apontar possíveis sugestões a essa instituição, responsável pelo atendimento a essa população de trabalhadores, sendo que algumas delas partem das falas dos próprios entrevistados. Em primeiro lugar, pode -se pensar o serviço de atendimento a essas pessoas de uma forma mais humanizada e integrada às várias ações do SINE, ou seja, um atendimento que compreenda a realidade vivida por esses trabalhadores e perceba que ir ao SINE procurar emprego pode ser uma tarefa permeada pelo sofrimento. Trata-se de escutar mais esse trabalhador e tentar atender suas reais necessidades. A possibilidade de desenvolver um trabalho de orientação profissional com essa população é importante, uma vez que o ‘trabalhar em qualquer coisa’ reflete o desespero e o despreparo profissional dessas pessoas, que muitas vezes, não sabem qual emprego estão procurando e nem o quê poderiam fazer. O desenvolvimento de um serviço social aos trabalhadores, visto que muitos freqüentam o SINE a tempo, identificando os recursos disponíveis na família e até em sua comunidade, ampliando a rede social dos trabalhadores e fomentando ações coletivas seria outra medida bem vinda. Neste âmbito, poderiam ser organizadas parcerias com outras instituições, para criar, por exemplo, espaços destinados à educação e formação profissional e até mesmo organizar cooperativas e oficinas de trabalho. A proposta de um atendimento psicológico em grupos mostra-se de grande importância, uma vez que esta problemática produz implicações subjetivas, geradoras de sofrimento. Assim, longe de essas sugestões constituírem-se em soluções ao serviço público de emprego e ao desemprego, trata-se de pensar em alternativas de atendimento ao desempregado que sejam mais saudáveis e menos carregadas de culpa e desesperança.

Nesse sentido, pensar o fenômeno do desemprego, com suas inúmeras conseqüências pode possibilitar a construção de novos elementos na compreensão da própria concepção de trabalho e de sujeito, bem como do que o desemprego representa na nossa sociedade. Trata-se, talvez, de repensar a vida ‘dentro’ e ‘fora’ do trabalho, (Antunes, 2001) como possibilidade de emancipação do homem, de autonomia, com a

construção de uma ‘vida cheia de sentido’. E partir desta perspectiva, para o autor, é compreender que o sentido conferido pelos homens ao trabalho pode ser bastante diferente daquele que é atribuído à lógica do capital, pautada pela produção de mercadorias e pelo estranhamento. Como coloca Antunes (2001), o trabalho continua a manter sua centralidade em nossa sociedade, mesmo com a emergência de novas formas de trabalho. A tendência de crescimento do desemprego parece denotar isso, ou seja, o aspecto crucial do trabalho em nossas vidas. Por isso, essa temática precisa ser incansavelmente investigada, em estudos futuros, sendo compreendida cada vez mais em sua complexidade. Talvez, a questão da informalidade e das estratégias de enfrentamento ao desemprego possam ser melhor pesquisadas e as implicações subjetivas desta situação para os trabalhadores aprofundadas, em seu aspecto ético- moral, por exemplo.

Enfim, a partir desta pesquisa pode-se perceber as complexas imbricações entre a história pessoal do sujeito e sua história de trabalho e, também, de desemprego. As experiências anteriores do sujeito, as crenças compartilhadas pela família, por seu grupo de amigos, a concepção de mundo, a valorização atribuída ao trabalho e as rupturas com este, como o desemprego, permitem compreender as diferentes vivências do desemprego para os trabalhadores. As implicações da perda do emprego e a procura por emprego são sentidas diferentemente, uma vez que são somadas a muitas outras histórias, dentro e fora do trabalho (Lima e Borges, 2002). O sujeito é construído na vivência do trabalho e na do ‘não-trabalho’, nos longos anos de sua vida, sendo que concebê-lo isolado de uma dessas dimensões é pensá-lo descontextualizado e fragmentado.