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2.1.2 Corrupção: a compreensão teórica do fenômeno

2.1.2.3 Consequências da corrupção

As consequências da corrupção podem ser as mais diversas, compreendendo desde o impacto ambiental, quando há a permissividade em exploração ilegal de áreas de proteção

ambiental, até mesmo à segurança pública, quando não há a devida fiscalização em construções, por exemplo, por conta do recebimento de suborno (AMUNDSEN, 1999).

Os estudos que analisam as consequências da corrupção o fazem pesquisando variadas áreas, desde a econômica (AMUNDSEN, 1999; JUSTESEN; BJØRNSKOV, 2014), política (AMUNDSEN, 1999; LITINA; PALIVOS, 2016), administrativa (BREI, 1996), saúde (LIO; LEE, 2015, HABIBOV, 2016), participação eleitoral (STOCKEMER; LAMONTAGNE; SCRUGGS, 2013), e até mesmo a emigração (COORAY; SCHNEIDER, 2015).

No âmbito administrativo, a corrupção distorce e afeta o procedimento de tomada de decisão, pois uma decisão que seria tomada em benefício público é substituída por outra em benefício próprio (NICHOLS, 2012). A partir de uma análise da corrupção administrativa, Brei (1996) afirma que ela traz, como consequências, prejuízos ao profissionalismo no serviço público, pois frustra funcionários honestos, reduzindo seu desempenho e produtividade. A autora também aponta a corrupção administrativa como uma consequência da corrupção política, pois, nesses casos, a administração burocrática minimiza a supremacia da administração em detrimento da soberania dos políticos.

Em uma perspectiva econômica, a corrupção é explicada, até certo ponto, como uma alternativa aos sistemas excessivamente burocráticos, pois tem a capacidade de suavizá-los. Quando as empresas podem prever o nível de corrupção, considerando-o como uma despesa mensurável, e o suborno possui um efeito positivo, a corrupção não é um impedimento para investimentos e comércio. Entretanto, se o suborno não garante a prestação dos serviços e a necessidade de não pagamentos de subornos posteriormente, a corrupção é, então, economicamente prejudicial (AMUNDSEN, 1999).

Há ainda a ação da renda sobre a prática do suborno. Justesen e Bjørnskov (2014) afirmam que a pobreza ocasiona um aumento considerável da frequência com que os indivíduos estão dispostos à prática do suborno para obtenção de serviços públicos. Os autores ressaltam ainda que, ao contrário das pessoas com maior renda e que possuem maior propensão ao pagamento de suborno, os mais pobres, quando o fazem, consomem grande parte de sua renda com essa prática.

A experiência de uma população com a corrupção deve ser aferida para que fique claro que ela não é um elo de ligação entre os governantes e os governados (SELIGSON, 2006). Amundsen (1999, p. 20) pondera que “(...) as consequências políticas da corrupção dependem largamente do tipo de corrupção que ocorre, e as consequências diferem muito de acordo com as formas pelas quais os recursos extraídos são utilizados”. Além de afetar a legitimidade das

democracias, é certo que a corrupção diminui a confiança interpessoal, afetando de forma negativa as relações na sociedade civil (SELIGSON, 2006).

Uma sociedade com altos índices de corrupção terá como consequência, diretamente, a baixa participação dos eleitores, o que é confirmado no estudo de Stockemer, LaMontagne e Scruggs (2013). Os autores encontraram que países com altos níveis de corrupção têm entre vinte a trinta pontos percentuais a menos de cidadãos votantes nas eleições, se comparados a países com pouca corrupção. Esse fato, possivelmente, se explica em função dos prejuízos sociais que o fenômeno provoca. Os impactos na estrutura do gasto público por setor foram estudados por Delavallade (2006), tendo a autora encontrado a ocorrência de impactos negativos na saúde, educação e assistência social. Ainda, essa pesquisa identificou um aumento nos gastos em setores como defesa, combustível, energia, custeio de órgãos do poder executivo e legislativo, agências do governo e policiamento, em detrimento dos setores sociais.

Em países democráticos, com a possibilidade de se medir a eficiência dos gastos sociais por meio das taxas de mortalidade, nascimento ou pelo analfabetismo, o praticante de ato corrupto que está à frente da tomada de decisões sobre investimentos priorizará projetos que geram renda, como defesa, energia e cultura, pois esses, supostamente, facilitam o suborno, devido à sua difícil mensuração. Isso faz com que, nesses setores, haja um aumento da prática da grande corrupção (DELAVALLADE, 2006).

Os setores sociais não estão livres da corrupção. No entanto, o que se percebe da prática nessas áreas, na maioria das vezes, é a ação da pequena corrupção. A prática da pequena corrupção em forma de suborno no setor de saúde não caracteriza um meio facilitador para agilizar processos, mas, sim, a composição de um sistema que culmina em um entrave ao setor (HABIBOV, 2016).

Alguns estudos (GUPTA; DAVOODI; TIONGSON, 2000; VIAN, 2008; VIAN et al., 2012) tratam dos impactos da corrupção no setor de saúde, reafirmando sua vulnerabilidade frente ao fenômeno. Nesse setor, fraudes e corrupção acontecem na forma de crimes bem orquestrados e, muitas vezes, indetectáveis. Os esforços na contenção desses crimes são focados na fragilidade detectada, não considerando possibilidades subjetivas de sua magnitude (SPARROW, 2006).

As consequências da corrupção para o setor de saúde, conforme estudo realizado por Gupta, Davoodi e Tiongson (2000), dizem respeito ao aumento nas taxas de mortalidade infantil e o percentual total de crianças nascidas com baixo peso. Esses dados são corroborados por um estudo quantitativo, com dados de 119 países no período de 2005 a

2011, realizado por Lio e Lee (2016), sendo estimados os efeitos da corrupção nos principais indicadores de saúde. Os autores encontraram ainda que, além da mortalidade infantil, a expectativa de vida e a mortalidade em crianças de até cinco anos também são impactadas pelo fenômeno.

A educação pública é outro serviço básico do governo que sofre dificuldades para ser prestado em virtude da corrupção (DRIDI, 2014). As taxas de abandono em escolas primárias de países com altos índices de corrupção são até cinco vezes mais altas, quando comparadas com taxas de países com baixos índices de abandono (GUPTA; DAVOODI; TIONGSON, 2000). Em análise realizada por Pellegrine e Garlagh (2004), a relação da educação com a corrupção é altamente influenciada pela variável renda que, por sua vez, tem a sua distribuição afetada pela corrupção, conforme apontado por Gupta, Davoodi e Alonso-Terme (2002), principalmente, por impactar na formação e distribuição de conhecimento.

Por meio de um estudo que buscou analisar os canais pelos quais a corrupção afeta a educação, Dridi (2014) levantou que o acesso à escolaridade é afetado de forma negativa pelo aumento da corrupção, assim como também são afetados o desempenho e a eficiência interna dos sistemas de educação. Cooray e Schneider (2015), com base nos níveis de escolaridade, desenvolveram um estudo quantitativo com o intuito de verificar os efeitos da corrupção na taxa de emigração, identificando um aumento na emigração de pessoas com alto nível de educação, na medida em que as taxas de corrupção aumentam. Considerando o quadro de prejuízos apresentado nos setores sociais, é clara a degradação provocada pela corrupção que, ao provocar uma distorção nas economias, assim como no ambiente regulatório social, reduz a qualidade de vida das sociedades (NICHOLS, 2012).

Além disso, a corrupção tem estreita relação com a moralidade (FILGUEIRAS, 2006), a qual, por sua vez, envolve juízos que permitem a aceitação ou rejeição por parte do indivíduo. Nesse entendimento, Filgueiras (2006) faz uma distinção da manifestação da corrupção entre dois tipos distintos de juízos morais: o de valor e de necessidade. No juízo de valor, o autor engloba as manifestações de corrupção nas formas política e culturais, enquanto que, como juízos de necessidade, são categorizadas as formas sociais e econômicas de manifestação do fenômeno. Na perspectiva política, devem ser considerados também os elementos culturais, sociais e econômicos. O autor, com base nos juízos morais, apresenta as variações de compreensão do fenômeno conforme as ordens políticas contemporâneas.

Quadro 6 – Corrupção e os tipos de juízos morais

Fonte: Filgueiras (2006, p.19)

Filgueiras (2006) aponta que, em um contexto de corrupção política, a forma pela qual o juízo moral é feito tem como base o decoro, diferentemente do contexto cultural, no qual o juízo moral baseia-se nos costumes. A prática da corrupção, quando feita em um contexto político, é motivada pelo interesse pessoal, havendo então a suspensão de valores fundamentais para o bom governo. O autor afirma ainda que, em um contexto político, a corrupção deslegitima a ordem, e a instituição de princípios orientadores aos agentes políticos pode manter a ordem e combater a corrupção.

Quando considerada a partir de um contexto cultural, a corrupção pode ser entendida como uma quebra de costumes. A desonestidade, nesse contexto, é a definição para a corrupção. O contexto cultural envolve campos simbólicos que ordenam quais são as práticas honestas e quais são as práticas corruptas, ocorrendo um prejuízo é social, uma vez que pode ocorrer a reprodução de práticas que colocam em risco a integridade de uma comunidade.

Tipos de juízos

morais Juízos de valor Juízos de necessidade

Formas da

corrupção Política Cultural Social Econômica

Conteúdo do juízo

moral Decoro Costumes Respeito Confiança

Consideração do juízo em contextos

de corrupção

Prevaricação Desonestidade Usurpação Fraude

Substâncias da

corrupção suspensão dos valores Mudança ou morais fundamentais (de boa vida e de bom

governo) Campos simbólicos que ordenam as práticas designadas como honestas ou corruptas e/ou corruptoras. Práticas ilegais, que visam a ampliar prestígio e renda, mediante ato

violento. Apropriação indébita de uma coisa de domínio comum, mediante ação ilegal. Consequências da

corrupção Deslegitimação da ordem política. Reprodução de práticas que colocam em risco a integridade da comunidade. Restrição do Estado como mecanismo garantidor da segurança, minando sua autoridade. Transferência de renda entre grupos

sociais e monopolização de atividades econômicas. Normatização contra a corrupção Institucionalização de determinados princípios constitucionais que orientem e motivem os agentes políticos, para a manutenção da ordem. Proibição de determinadas práticas por parte dos agentes morais,

visando à integração da comunidade (reprodução, mediante entronização) Proibição de determinadas práticas por parte

dos agentes privados e do Estado, visando à integração da sociedade (reprodução social, mediante regulação externa ao agente) Proibição de práticas por parte

dos agentes econômicos, visando à manutenção do modo de produção (reprodução econômica)

Nesse contexto, a proibição de determinadas práticas por um agente moral que tenha sido entronizado por uma comunidade pode ser uma forma de ação contrária à corrupção (FILGUEIRAS, 2006).

Quanto aos juízos de necessidade, em um contexto social, Filgueiras (2006) entende que, quando praticada, a corrupção envolve a quebra do respeito, sendo a usurpação a forma como ela se apresenta. A essência da corrupção nesse contexto são as práticas que visam aumentar prestígio e renda a partir de atos violentos. A consequência da corrupção em um contexto social é a restrição do papel do Estado como garantidor de segurança, diminuindo sua autoridade. Para o autor, a normatização que proíba determinadas práticas pelos agentes privados e pelo Estado e que visem à integração da sociedade é uma forma de combater esse tipo de corrupção.

A corrupção econômica está ligada à confiança e se apresenta como fraude. Ela ocorre quando há uma ação ilegal e, através dessa, uma apropriação indevida de algo que é de domínio comum. A transferência de renda entre grupos sociais e o monopólio de atividades econômicas são as consequências percebidas desse tipo de corrupção. A proibição, pelos agentes econômicos, de práticas que buscam a manutenção do modo de produção econômico é uma forma de combate a este tipo de corrupção, que deve ser adotada (FILGUEIRAS, 2006).

Esta seção apresentou as categorias de corrupção levantadas pela literatura sobre o tema, assim como as consequências e causas do fenômeno. Nessa revisão, ressaltam-se as interações da corrupção com a mídia, política, estruturas institucionais, bem como com os modelos de gestão e políticos. Diante desse quadro teórico, assumimos neste trabalho uma postura condizente com a de Filgueiras (2006), que parte das ordens políticas atuais para analisar a corrupção.