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Consequências jurídicas do julgamento do Recurso Extraordinário nº

Diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 pelo STF, como já visto, foi declarado inconstitucional o art. 1.790 do CC. No acórdão decidiram os Ministros que não há qualquer possibilidade de hierarquização das normas sucessórias para os cônjuges ou companheiros. Porém, tal entendimento implica a análise de outros dispositivos do Código Civil que também versam sobre o tema.

O art. 1.845 do CC, dispõe: “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”, a redação do texto não menciona os companheiros, apenas o consorte. O art. 1.831 do CC prevê que “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”, pela regulação do dispositivo o direito real de habitação alcança apenas as pessoas casadas, não mencionando aquelas que vivem em união estável.

Desta forma, é necessário o debate sobre a extensão da interpretação da decisão do Recurso Extraordinário, a fim de entender sua real dimensão na prática e se pode ser aplicada aos artigos mencionados. A partir do entendimento postulado no acórdão, o companheiro também é considerado herdeiro necessário? Sendo herdeiro necessário, tem assegurado seu direito à legítima? Possui, assim como o cônjuge direito real de habitação? Este direito pauta-se conforme o estipulado pelo Código Civil ou na Lei nº 9.278/1996?

O julgamento do recurso acima mencionado fez muito mais do que simplesmente declarar inconstitucional o art. 1.790 do CC. Declarou também que qualquer norma infraconstitucional que trate de direitos sucessórios e discrimine qualquer entidade familiar, não pode ser aplicada por ofender princípios constitucionais. Nas palavras do Ministro Barroso:

Se o papel de qualquer entidade familiar constitucionalmente protegida é contribuir para o desenvolvimento da dignidade e da

personalidade dos indivíduos, será arbitrária toda diferenciação de regime jurídico que busque inferiorizar um tipo de família em relação a outro, diminuindo o nível de proteção estatal aos indivíduos somente pelo fato de não estarem casados. (apud BRASIL, 2017).

O Ministro Dias Toffoli, ao proferir seu voto, manifestou-se de forma contrária ao pensamento do relator Ministro Barroso, ou seja, votou pela constitucionalidade do art. 1.790 do CC e consequentemente pela improcedência do recurso. Fundamentou sua decisão, afirmando que as diferenças sucessórias estabelecidas pelo Código Civil não trazem uma hierarquização entre as entidades, mas referem- se as próprias singularidades dos arranjos familiares além de garantir a autonomia de vontade daqueles que optarem por viver no regime da união estável.

Retomo agora duas premissas jurídicas que adiantei por ocasião de meu pedido de vista. As entidades familiares são distintas, como especificado na Constituição Federal. O casamento, portanto, não é união estável, o que autoriza que seus respectivos regimes jurídicos sejam distintos. Portanto, há de ser respeitada a opção feita pelos indivíduos que decidem por se submeter a um ou a outro regime. Há que se garantir, portanto, os direitos fundamentais à liberdade dos integrantes da entidade de formar sua família por meio do casamento ou da livre convivência, bem como o respeito à autonomia de vontade para que os efeitos jurídicos de sua escolha sejam efetivamente cumpridos. (TOFFOLI apud BRASIL, 2017).

Contudo, o entendimento de Barroso sobre a matéria parece mais harmônico e compatível com os preceitos constitucionais. Sobre este aspecto, o ministro assevera:

Não há que se falar aqui que a diferença de regimes sucessórios decorreria da própria autonomia da vontade, já que conferiria aos indivíduos a possibilidade de escolher o sistema normativo (casamento ou união estável) que melhor se ajusta aos projetos de vida de cada um. O que a dignidade como autonomia protege é a possibilidade de opção entre um e outro tipo de entidade familiar, e não entre um e outro regime sucessório. Pensar que a autonomia de vontade do indivíduo referente à decisão de casar ou não casar se resume à escolha do regime sucessório é amesquinhar o instituto e, de forma geral, a ideia de vínculos afetivos e de solidariedade. É pensar de forma anacrônica e desprestigiar o valor intrínseco da família, restringindo-a a um aspecto meramente patrimonial, como costumava ocorrer anteriormente à Constituição de 1988. (BARROSO apud BRASIL, 2017).

Peço licença ao eminente Ministro DIAS TOFFOLI para antecipar o meu voto. E, ao fazê-lo, desejo destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao proferir este julgamento, está a viabilizar a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade e da não

discriminação, que representam fundamentos essenciais à

configuração de uma sociedade verdadeiramente democrática, tornando efetivo, assim, o princípio da isonomia, assegurando o respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, conferindo primazia à dignidade da pessoa humana, rompendo paradigmas históricos, culturais e sociais e removendo obstáculos que se antepõem, até mesmo em matéria sucessória, como se vê das diversas posições jurisprudenciais dos tribunais locais, em relação aos integrantes de uniões estáveis, tanto as heteroafetivas, quanto as homoafetivas. (MELLO apud BRASIL, 2017).

Seguindo o voto do Ministro Toffoli, votaram também o Ministro Aurélio e Lewandowski, no entanto foram vencidos, prevalecendo o entendimento que não é constitucional qualquer desigualdade sucessória criada por leis infraconstitucionais. Desta forma, os direitos sucessórios previstos nos artigos do Código Civil são estendidos aos companheiros.

Diante do exposto, depreende-se que o convivente poderá ser considerado herdeiro necessário, com uma nova leitura do art. 1.845 do CC, a qual deverá inserir a palavra companheiro onde somente se lê cônjuge. Ao se considerar o convivente como herdeiro necessário, a este é assegurado o direito à legítima de maneira semelhante a prevista ao consorte. A doutrina, por vezes, clamava pela inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, prevendo que a partir desta declaração o companheiro seria lançado a terceira classe na vocação hereditária, no mesmo nível que se encontra o cônjuge.

[...] além da retirada do sistema do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima. Assim, concorrerá com os descendentes, o que depende do regime de bens adotado. Concorrerá também com os ascendentes, o que independe do regime. Na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). (TARTUCE, 2016, s.p.).

O direito real de habitação para o companheiro foi previsto no art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9.278/96, ao instituir que “dissolvida a união estável por

morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. Para o cônjuge, por sua vez, tal direito está previsto no art. 1.831 do CC que estabelece condições mais brandas e favoráveis para que o consorte possa usufruir do benefício.

De acordo com Coelho (2016, p. 594 e 595) a finalidade do direito real de habitação é garantir que mesmo após a morte do ente querido o cônjuge/companheiro sobrevivente tenha “[...] direito de continuar vivendo no mesmo local em que residia”, sem que os demais herdeiros possam lhe cobrar aluguel. Apesar da lei não ser expressa sobre esse aspecto, deve se conceder ao cônjuge ou companheiro supérstite o direito de utilizar de todo o imóvel.

Segundo a concepção de Dias (2010) o Código Civil não revogou expressamente as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, as quais continuam vigentes no ordenamento jurídico, nos termos do que dispõe os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro - LINDB. Contudo, o atual entendimento do STF sobre a matéria não permite a aplicação do art. 7º, parágrafo único da Lei nº 9.278/96.

Ao assegurar direitos sucessórios similares tanto para cônjuges como para companheiros, a decisão do recurso extraordinário pelo STF ratificou o que está previsto na Constituição protegendo de forma igualitária as duas instituições familiares. Por conseguinte, deve prevalecer o disposto no art. 1.831 do CC, por prever que o convivente assim como o consorte tem direito real de habitação, independente do regime de bens e sem prejuízo da parte que lhe caiba na herança sobre os bens destinados a residência da família.

Destarte, através da pesquisa realizada para a produção do aludido trabalho, conclui-se que a partir da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, pautando-se principalmente no raciocínio do relator Barroso, as entidades familiares possuem igual proteção de direitos sucessórios. Desse modo, todos os dispositivos que tratem da matéria e que antes beneficiavam somente os cônjuges deverão ser interpretados incluindo o companheiro e futuramente poderão ser objeto de

repercussão geral, levando os ministros a se manifestar de modo direto acerca da constitucionalidade ou não destes dispositivos.

CONCLUSÃO

O ser humano sempre teve como necessidade básica o convívio com outros indivíduos, na época da pré-história esta necessidade tinha como principal objetivo sobreviver e perpetuar a espécie. Com o desenvolvimento das relações humanas tiveram início as primeiras comunidades que se formaram a partir dos núcleos familiares. A família passa a ser considerada o centro da sociedade e, na atualidade, possui especial proteção do Estado, sendo garantido tal direito na Constituição Federal.

Com a evolução da sociedade, foram surgindo diferentes tipos de arranjos familiares, como por exemplo a união estável, união homoafetiva, família monoparental, entre outros. Todas as entidades familiares, sejam elas citadas ou não pela Constituição, possuem igual proteção do Estado, sem que haja qualquer tipo de hierarquização entre elas, respeitando-se sempre as singularidades de cada uma.

A união estável, antigamente chamada de concubinato, pode ser considerada a forma mais antiga de formar uma família, contudo com a inserção do casamento como tradição entre os povos, as uniões livres foram alvo de muitas discriminações e preconceitos especialmente por parte da igreja. Com as mudanças ocorridas dentro da sociedade a união estável foi reconhecida como fato social, posteriormente introduzida no ordenamento jurídico.

As primeiras leis que versaram sobre a união estável nos anos de 1994 e 1996, apesar de criarem alguns tímidos direitos para os companheiros, deixaram lacunas que foram sendo preenchidas pela jurisprudência e pelos doutrinadores.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as uniões de fato foram intituladas como entidade familiar no mesmo nível que o casamento, demonstrando que não há hierarquização entre estes arranjos familiares.

O Código Civil de 2002, no entanto, traz em seus artigos algumas semelhanças e distinções entre os dois institutos, em que pesava como injusta desigualdade entre consortes e companheiros a forma de sucessão causa mortis. O art. 1.790 do mencionado código, versava sobre a forma de sucessão para as uniões estáveis, estabelecendo que o convivente supérstite só concorreria quando houvessem bens adquiridos onerosamente durante a união e também o colocava em posição desvantajosa na ordem vocacional, ficando abaixo inclusive de herdeiros colaterais. O mesmo não acontecia com o cônjuge que pertence a terceira classe na vocação hereditária e é considerado herdeiro necessário, tendo protegido seu direito à legítima.

Nesse contexto e ao analisar o Recurso Extraordinário nº 878.694 do STF verifica-se que, o art. 1.790 do CC é inconstitucional por violar preceito posto na Constituição e ferir princípios constitucionais. Desta forma, a decisão do acordão mencionado não apenas igualou a forma como será realizada sucessão entre cônjuges e companheiros, como também os equiparou para o direito sucessório em todos os sentidos. Conclui-se que as consequências jurídicas advindas com a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo citado são amplas, uma vez que o companheiro poderá futuramente ser considerado pela mesma Corte como herdeiro necessário e também possuir direito real de habitação já que ambos possuem igual proteção na seara do direito sucessório.

REFERÊNCIAS

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