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A origem, o reconhecimento da união estável e a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil

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GRANDE DO SUL

KELI DAS CHAGAS MEDEIROS

A ORIGEM, O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL E A

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2019

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KELI DAS CHAGAS MEDEIROS

A ORIGEM, O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL E A

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Aldemir Berwig

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho a Deus, pois Dele provêm todo conhecimento e sabedoria, e também a minha família, por todo amor, confiança e apoio a mim oferecidos em

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus, que me deu o dom da vida, que iluminou cada um dos meus passos e que me abençoa todos os dias com o seu amor infinito. Sou grata a minha família, pelo amor incondicional e por sempre me apoiarem com palavras de incentivo, principalmente a minha mãe Maria Nair das Chagas, que batalhou muito para me oferecer uma educação de qualidade.

Aos amigos, meu eterno “muito obrigada”, especialmente a minha querida amiga Simone Portela Oliveira, por sua contribuição valiosa para a minha jornada acadêmica, pelos conselhos, palavras de apoio, e momentos de descontração.

Aos professores, por todo conhecimento transmitido, pela incansável dedicação e confiança e por servirem de exemplo para que eu me torne uma profissional melhor a cada dia. Em especial, agradeço imensamente ao meu orientador Aldemir Berwig, pois mesmo em meio as intempéries da vida, dedicou seu tempo e compartilhou seus conhecimentos me guiando durante toda a trajetória desta pesquisa.

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A família não nasce pronta, constrói-se aos poucos e é o melhor laboratório do amor. Em casa, entre pais e filhos, pode-se aprender a amar, ter respeito, fé, solidariedade, companheirismo e outros sentimentos. Luis Fernando Veríssimo

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise sobre a origem da família e seu desenvolvimento dentro da sociedade, principalmente com relação a união estável. Aborda a união estável como fato social e sua introdução no ordenamento jurídico desde as primeiras leis infraconstitucionais até a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, com o objetivo de analisar e entender as diferenças e semelhanças entre o casamento e a união de fato. Estuda a forma como era disposto a sucessão causa mortis para os cônjuges e companheiros no ordenamento civil e faz uma breve análise do Recurso Extraordinário nº 878.694 do STF que declarou inconstitucional o art. 1.790 do CC, a fim de investigar as possíveis consequências advindas desta decisão. Conclui que com a evolução legislativa no âmbito do direito das famílias, muitas mudanças significativas ocorreram, porém ainda existem aspectos legais que merecem ser analisados e debatidos para que o direito positivo se aproxime cada vez mais de seu ideal de igualdade e liberdade dentro das instituições familiares.

Palavras-Chave: Casamento; Companheiros; Cônjuges; Convivência humana; Família;

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This work aims to analyze the origin of the family and its development in society, mainly relating to common-law marriage. It focuses on the common-law marriage as a social fact and its introduction in the legal system from the first infra-constitutional laws into the Brazilian Federal Constitution of 1988 and the Civil Code of 2002. So, the study aims to analyze and understand the differences between marriage and common-law marriage. For this purpose, we study the way inheritance is arranged for spouses and partners in civil law and makes a brief analysis of Extraordinary Appeal No. 878,694 of the Supreme Corte that declared unconstitutional the article 1,790 from the Civil Code, in order to investigate the possible consequences of this decision. We concluded that with legislative progress in the area of family law, many significant changes have occurred, but there are still legal aspects that deserve to be analyzed and debated so that positive law increasingly approaches its ideal of equality and freedom within family institutions.

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INTRODUÇÃO ... 9

1 A ORIGEM DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR ... 11

1.1 A origem da instituição familiar: as famílias ... 12

1.2 Origem da instituição familiar no ordenamento jurídico brasileiro ... 13

1.3 Os princípios do direito das famílias ... 16

2 A UNIÃO ESTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 245

2.1 A origem da união estável como fato social ... 256

2.2 A normatização da união estável ... 28

2.3 Semelhanças e distinções entre cônjuges e companheiros na legislação 378 3 INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ... 43

3.1 Por que o art. 1.790 do código civil foi considerado inconstitucional? ... 43

3.2 Consequências jurídicas do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 do STF ... 51

CONCLUSÃO ... 56

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo sobre a origem da instituição familiar, voltando-se para a união estável. A pesquisa é uma análise de como ocorreu a introdução da união estável na legislação brasileira, de como é feito o reconhecimento de uma união que seja estável e que possa dessa forma, ser protegida pelo ordenamento jurídico. O estudo examina o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 pelo Supremo Tribunal Federal - STF (BRASIL, 2015), o qual determinou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002 – CC (BRASIL, 2002), abordando as possíveis consequências no âmbito da sociedade e na seara jurídica.

A metodologia utilizada é baseada em revisão teórica bibliográfica, com leitura e citação de especialistas da área, analisando também o acórdão do Recurso Extraordinário nº 878.694, bem como, a Constituição Federal, Código Civil e outras leis infraconstitucionais. Aliada a pesquisas de dados e leitura de artigos e monografias, valendo-se da ferramenta internet, com suas respectivas fontes citadas nas referências bibliográficas ao final do trabalho.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem sobre a origem e desenvolvimento da família, analisando desde os primeiros grupos no período pré-histórico até os dias de hoje. Segue uma análise sobre como se originou o direito das famílias, entendendo que há uma pluralidade de arranjos familiares e, portanto, o Estado através do poder legislativo deve considerar as peculiaridades de cada entidade familiar ao introduzi-las no ordenamento jurídico, a fim de protege-las de maneira equitativa.

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No segundo capítulo o foco é analisar a união estável como fato social, suas características, o reconhecimento no âmbito do ordenamento jurídico e sua posterior evolução legislativa. A pesquisa também estuda como surgiu a necessidade de normatização das uniões de fato, e como o Poder Legislativo estabeleceu semelhanças e distinções entre cônjuges e companheiros. Desta forma, o estudo busca verificar se as diferenciações impostas pela lei, geram desigualdades que não se referem as singularidades das entidades, mas sim estabelecem injustiças entre as instituições familiares.

Por fim, o terceiro e último capítulo, têm como objetivo analisar o Recurso Extraordinário nº 878.694 do STF que declarou inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, a fim de compreender as razões sustentadas pelos ministros na sua decisão. Conclui investigando quais impactos jurídicos foram criados na esfera do direito sucessório, para demonstrar se as mudanças propostas pelo acordão são capazes de sanar efetivamente as desigualdades sucessórias existentes na lei entre cônjuges e companheiros.

A partir desse estudo se verifica que as entidades familiares são as principais responsáveis pelo desenvolvimento dos indivíduos, por ser o lugar onde se aprende as primeiras lições sobre como viver em sociedade. Tamanha é a importância dos arranjos familiares, que estes se encontram protegidos no ordenamento jurídico, inclusive na Constituição Federal. A Carta Magna ao proteger as famílias, não impôs nenhum tipo de hierarquização entre elas, desta forma, considerando também os princípios constitucionais, qualquer lei infraconstitucional que estabeleça níveis hierárquicos ou desigualdades deve ser considerada inconstitucional, o que se observa no julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 do STF.

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1 A ORIGEM DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR

O homem sempre foi movido pela sede de descobrir suas origens, a origem do mundo, da vida, da sociedade e consequentemente da família. Ao que se refere ao início das instituições familiares ainda existem muitos pontos a serem pesquisados e analisados, tendo em vista que na doutrina ainda existem alguns aspectos controvertidos sobre como de fato se originaram as famílias no período pré-histórico.

Difícil tarefa é a de explicar a origem e o conceito do termo família, pois não há só um tipo de arranjo familiar. Quando se analisa a origem da família partindo do período pré-histórico até os dias atuais é possível perceber o quanto essa instituição se modificou ao longo dos anos. Portanto, não há que se falar em um conceito rígido de família, o termo por si só é amplo e seu significado pode se modificar radicalmente, dependendo da cultura em que está inserida.

Partindo da evolução da família ocidental, primeiramente havia uma espécie de agrupamento social no qual os homens juntavam suas forças e habilidades para caça e pesca e coabitavam livremente com as mulheres, em um instinto puro de sobrevivência. No início da sociedade, quando se formaram os primeiros núcleos comunitários, tinha-se como família aquelas pessoas ligadas pela consanguinidade, sendo essas famílias numerosas e patriarcais. (FRIEDRICH ENGELS, 2014)

No entanto, com a Revolução Francesa, houve uma grande migração das famílias camponesas para os centros urbanos e com isso surgiu a necessidade de as mulheres – que até então unicamente podiam ocupar-se das obrigações do lar e da família – entrarem no mercado de trabalho. A partir desse momento, as mulheres passaram gradativamente a ganhar mais voz dentro da sociedade e do âmbito familiar, e aos poucos foram se desvencilhando do patriarcado, eis que começam a aparecer diferentes formas de instituição familiar, como por exemplo a união estável e a família monoparental. (MARIA BERENICE DIAS, 2016)

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema historicamente, ou seja, a origem do termo família e sua

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evolução até a forma como a entendemos atualmente. Pretende-se também estudar a introdução da instituição familiar no ordenamento jurídico.

1.1 A origem da instituição familiar: as famílias

A origem da instituição familiar é muito controvertida na doutrina. Ainda nos dias atuais existem períodos da história que não foram completamente entendidos, principalmente ao que se refere a chamada época pré-histórica. Friedrich Engels, citando Morgan, afirma:

[...] nada de positivo sabemos sobre a família e outros agrupamentos sociais dos macacos antropomorfos; os dados que possuímos contradizem-se frontalmente e não há por que estranhá-los. Como são contraditórias, e necessitadas de serem examinadas e comprovadas criticamente, as notícias que temos das tribos humanas no estado selvagem! (MORGAN apud ENGELS, 2014, p. 40).

Fábio Ulhoa Coelho, ao analisar a origem da família desde o período pré-histórico, partindo do entendimento de que houve uma fase de extrema promiscuidade humana, na qual as relações sexuais ocorriam sem nenhuma formalidade, discute em qual momento da história o homo sapiens decidiu que não seria mais permitido relações sexuais incestuosas. E assevera:

A explicação da origem da família, como se vê, está envolta em

grandes incertezas. Associa-se o seu surgimento, porque

conceitualmente não há outra alternativa, ao da prática da proibição do incesto, isto é, à regulação das relações sexuais permitidas e proibidas. Mas pouco se consegue avançar, pela trilha da certeza científica, no conhecimento de sua origem, porque nunca houve, como não há hoje em dia, uma forma única de família. Podem-se estudar as famílias, mas não a família. (COELHO, 2012, p. 24).

Danda Prado (2017, p. 37), em seu livro O que é família, corrobora com a afirmação dos autores supracitados, dizendo que “[...] a respeito da instituição familiar, só podemos reiterar que de modo universal há uma afirmação crescente da família nuclear.” Dessa forma, não há dados precisos sobre quando exatamente os seres humanos decidiram agrupar-se e formar, ainda que inconscientemente, uma família.

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A origem do termo família, bem como seu significado, varia de acordo com o local, época e a cultura em que está inserida. O que pode ser entendido como família para os ocidentais, pode não explicar ou compreender o que é uma instituição familiar para os hindus, por exemplo. No Brasil, no dialeto popular, a palavra família significa grupo de pessoas próximas que convivem e compartilham amor, respeito e afinidades, dentre outros aspectos, não sendo necessário que residam juntas ou que sejam consanguíneas.

Segundo Prado (2017, p. 37), a origem do termo família é greco-romana e origina-se do latim famulus, que significa o “[...] conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Entre os chamados linha dependentes, inclui-se a esposa e os filhos”. É evidente que o significado do vocábulo família evoluiu muito, sendo acertada a afirmação de Engels, ao citar Morgan, quando afirma que “A ‘família’ [...] é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado” (ENGELS, 2014, p. 36-37).

Diante do exposto, resta evidente que a família é onde os indivíduos iniciam seu desenvolvimento. Atualmente a finalidade das famílias é atender as necessidades essenciais de amor, afeto e solidariedade entre seus membros. O matrimônio, a consanguinidade ou acepções antigas sobre o que é família não conseguem mais abarcar todos os tipos de arranjos familiares que surgem com a progressividade da sociedade. Para o direito é difícil acompanhar o desenvolvimento e a complexidade dos núcleos familiares, por isso o tema requer constante pesquisa e reflexão.

1.2 Origem da instituição familiar no ordenamento jurídico brasileiro

Passando do contexto histórico para a previsão legal brasileira, ao analisar o ordenamento jurídico, é possível verificar um enorme avanço quando se trata de evolução legislativa sobre os direitos das famílias. Desde o início, quando decidimos que para melhor viver em sociedade seria necessária a criação de leis e a instituição de um Estado, o direito foi versado para proteger um só tipo de família, qual seja, a tradicional ou nuclear.

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A família tradicional era patriarcal e formada então pelo pai, pela mãe e pela prole. Qualquer outra forma de instituição familiar não era aceita, inclusive os filhos tidos fora do casamento eram considerados ilegítimos e não possuíam direito algum. O primeiro Código Civil (CC) brasileiro (BRASIL, 1916) punia o adultério, não permitia a dissolução do casamento e tratava os filhos e a mulher como propriedades do marido, o qual poderia com eles fazer o que quisesse.

Dias (2016) expressa com clareza a evolução legislativa sobre os direitos de famílias; ao pluralizar a palavra família, defende a ideia de que sempre houve diferentes instituições familiares, embora apenas contemporaneamente é que se fale em direitos para essas famílias. A autora cita alguns exemplos de como ocorreu o desenvolvimento dos direitos para as famílias. O Estatuto da Mulher Casada criado pela Lei nº 4.121/1962 (BRASIL, 1962), concedeu à mulher casada, aquelas que como o próprio nome já diz, fossem casadas seguindo a moral e os bons costumes da época, direitos como cidadã. A partir de então, passou a não ser vista como propriedade exclusiva do marido com único intuito de satisfaze-lo. Posteriormente houve a instituição do divórcio, criado através da Emenda Constitucional nº 9/1977 e regulamentado pela Lei nº 6.515/1977 (BRASIL, 1977), acabando com a indissolubilidade do matrimônio.

Importante frisar que a Constituição Federal de 1988 – CF/1988 (BRASIL, 1988) é um marco histórico de conquistas de direitos fundamentais e garantias. A Carta Magna, demonstrando a evolução jurídica das famílias, incorporou o instituto da união estável em seu art. 226, §3º, pois antes disso tinha-se apenas o reconhecimento social das relações extramatrimoniais como a união de fato. Sobre este assunto, Dias (2016, p. 52) afirma:

A Constituição Federal de 1988, como diz Zeno Veloso, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos

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e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico.

Além de instituir a união estável como instituto familiar protegido pela lei, verifica-se que no direito passaram a existir basicamente duas categorias de famílias, as constitucionais e as não constitucionais. As constitucionais estão expressas no art. 226 da Constituição Federal de 1988, como tipos de instituições familiares, sendo: o casamento, a união estável e a família monoparental. O rol disposto na Carta Magna é apenas exemplificativo, existem outras formas de família não mencionadas no supracitado artigo, que fazem parte da segunda categoria, como é o caso das famílias homoafetivas. Nas palavras de Coelho (2012, p. 47):

As famílias constitucionais são as mencionadas na Constituição Federal (art. 226). São três: a instituída pelo casamento, pela união estável do homem e da mulher e a família monoparental, isto é, a formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Já as famílias não constitucionais são as demais, vale dizer, as não lembradas pelo constituinte. Nessa ampla categoria incluem-se, por exemplo, as derivadas de parcerias entre pessoas do mesmo sexo e as famílias não monogâmicas.

O autor menciona que a segunda categoria, ou seja, das famílias não constitucionais, seriam todas as demais que não foram lembradas pelo constituinte. Apesar do progresso feito na época da edição do art. 226 da Constituição Federal, pairava sobre o legislador a sombra de uma visão conservadora, que aliada a rápida evolução social das famílias, explicam o surgimento de novos e diferentes núcleos familiares que não se encontram elencados no ordenamento jurídico, mas possuem reconhecimento social.

O Código Civil de 2002, regulamenta as questões atinentes ao casamento e a união estável, como o regime sucessório, a forma de constituição, entre outros. Ao tratar destas instituições familiares o Código trouxe algumas semelhanças e diferenciações em seus artigos, mas o que mais chamava a atenção era a injusta disparidade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros. Esta disparidade patrimonial foi sanada, de certa forma, com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, por meio do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 (BRASIL, 2015), pelo Supremo Tribunal Federal – STF.

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1.3 Os princípios do direito das famílias

Ao tratar sobre os princípios do direito das famílias não serão abordados todos os princípios existentes no âmbito do direito familiar. Porém, serão mencionados aqueles considerados, principalmente pela autora Dias, como os norteadores do direito das famílias.

A Constituição Federal estabelece em seus artigos direitos e garantias fundamentais que foram pensados a partir de princípios, os quais passaram a ser princípios constitucionais e formam o alicerce de todo sistema constitucional. As leis passaram então a ser elaboradas e interpretadas respeitando as normas estabelecidas na Carta Magna, considerando a dignidade da pessoa humana como direito fundamental de cada indivíduo. No âmbito do direito familiar a Constituição imputa deveres para o Estado, para a sociedade e para os membros da família. Nesse sentido, Dias (2016, p. 66) afirma que

A Constituição, no que respeita às relações estritamente familiares, imputa deveres fundamentais ao Estado, à sociedade e à família. Para o direito atual, o Estado é pessoa jurídica, a sociedade é uma coletividade indeterminada e a família é entidade não personalizada. Os três são grupos integrados por pessoas.

A autora assevera ainda que “A reconstrução do conceito de pessoa levou o direito a construir princípios e regras que visam à proteção da personalidade humana naquilo que é o seu atributo específico: a qualidade de ser humano.” (DIAS, 2016, p. 66). No direito, com a promulgação da Constituição de 1988 e a partir de todos os tratados internacionais já ratificados pelo Brasil, o indivíduo, como ser humano, já possui seus direitos essenciais garantidos; quando integrantes de uma família, independentemente de estar classificada no art. 226 § 3º da CF/1988 ou não, estão protegidos pelo manto da Lei Maior e ao mesmo tempo terá deveres a estes imputados também pela Constituição.

Faz mister ressaltar a diferença entre princípios constitucionais e princípios gerais do direito, sendo os primeiros o vértice da lei, ampliando-se à medida que se faz necessária a interpretação no caso concreto. Os demais, princípios gerais do

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direito, estão relacionados com a omissão da lei, ou seja, aplicando-se em casos que a uma lacuna na lei. Dias (2016, p. 69) declara:

Não se pode confundir princípios constitucionais e princípios gerais de direito. Confundi-los seria relegar os princípios constitucionais para uma posição subalterna à lei juntamente com as demais fontes do direito - a analogia e os costumes -, que são invocáveis na omissão do legislador. Os princípios gerais de direito são preceitos extraídos implicitamente da legislação pelo método indutivo e cabem ser invocados quando se verificam lacunas na lei.

A partir das colocações já feitas, entendendo a importância dos princípios no ordenamento jurídico, bem como a diferença entre os princípios gerias do direito e os constitucionais, antes de adentrar nos princípios constitucionais ligados ao direito de família, é necessário discorrer sobre a monogamia.

A monogamia, de acordo com Dias (2016, p. 69-71), não é um princípio constitucional relacionado ao direito de família, e sim uma regra infraconstitucional estabelecida sob a égide do Estado. Não há menção alguma na Constituição que impute aos cônjuges ou companheiros o dever de fidelidade; apesar de haver leis infraconstitucionais que recriminem os “infiéis”, a Constituição não contempla a infidelidade em suas diretrizes. Trata-se de uma forma de constituir família, advinda principalmente de conceitos religiosos e morais, e apesar de ser legitimada no ordenamento jurídico vigente, no âmbito do direito seu objetivo maior é organizar os núcleos familiares para que o Estado consiga exercer seu poder controlador, especialmente sobre questões patrimoniais e sucessórias.

Na mesma linha de pensamento Paulo Lôbo retrata que a sociedade ocidental de fato é em sua grande maioria monogâmica, mas esta forma de constituir família deve sempre partir de uma escolha pessoal dos cidadãos e não de uma imposição legal.

O tradicional princípio da monogamia, de origem canônica e que vicejou no mundo ocidental, perdeu a qualidade de princípio geral ou comum, em virtude do fim da exclusividade da família matrimonial. Persiste como princípio específico, apenas aplicável à entidade familiar constituída pelo matrimônio. Todavia, até mesmo em relação ao matrimônio, esse princípio tem sido atenuado pelos fatos da vida, na medida em que o direito brasileiro tem admitido efeitos de família

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ao concubinato, com alguma resistência nos tribunais superiores. (LÔBO, p. 59, 2011).

O Código Civil (2002) proíbe uma pessoa, ligada pelos votos do matrimônio, de constituir família com outra pessoa simultaneamente; ainda que todos concordem, não poderiam casar-se civilmente. Para estas relações, bem como para as relações em que mais de duas pessoas convivem em um relacionamento amoroso, no mesmo lar, atualmente chamadas de poliafetivas ou poliamor, não há nenhum amparo legal. Esse novo modelo familiar ainda não encontrou uma forma de tornar público e oficial seu desejo de conviver e constituir uma família.

O Código Penal também proíbe a bigamia, tornando nulo o casamento. Por vezes, no passado, foi usado como argumento para a separação o adultério, quando um dos cônjuges descumpria seu dever de fidelidade para com o outro; com a implementação do divórcio, a separação extinguiu-se.

Quanto ao concubinato, previsto no art. 1.727 do Código Civil, conforme o entendimento de Dias (2016, p. 70) “[...] se esforça o legislador em não emprestar efeitos jurídicos às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar, chamando-as de concubinato.” Neste sentido, se pode afirmar que há de certa forma a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Conrado Paulino da Rosa (2016, p. 89) entende que

Sob a ótica do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que a integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade da pessoa humana.

A monogamia, portanto, não é considerada um princípio constitucional e contemporaneamente sua aplicação, como regra jurídica, fere direitos constitucionais. No que se refere aos princípios constitucionais relacionados ao direito de família, é importante lembrar que não há na doutrina um consenso sobre o número exato de princípios constitucionais explícitos ou implícitos ligados ao direito de família, cabendo apenas retratarmos alguns deles, considerados por Dias (2016) como norteadores de todo o direito das famílias.

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O primeiro princípio que merece destaque é o da dignidade da pessoa humana. Sobre ele Dias (2016, p. 73) afirma que “É o princípio maior, o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.”

O princípio da dignidade da pessoa humana sem sombra de dúvidas é o centro de todos os princípios, é a partir da ampliação de sua interpretação que nasce a proteção a direitos essenciais para o convívio em sociedade. No espectro familiar, este princípio significa que

A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. (DIAS, 2016, p. 74 e 75)

Dessa forma, é possível perceber que é no núcleo familiar que a pessoa desenvolve seus primeiros laços de afeto e de relacionamento com outras pessoas. Aí reside a importância de manter este espaço digno e apto a realizar sua finalidade maior, que é justamente a de criar cidadãos capazes de respeitar e de se solidarizar uns com os outros.

Do respeito à dignidade da pessoa humana emanam os direitos a liberdade e a igualdade, sempre considerando que um depende do outro para existir de forma plena. Isso significa, no dialeto popular, que “minha liberdade se limita onde começa a do outro”, ou seja, para sermos de fato livres individualmente é preciso que nesse mesmo diapasão de liberdade exista a igualdade entre as pessoas. Nesse sentido,

A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a liberdade de escolher o seu par ou pares, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais,

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homem e mulher, em relação ao papel que desempenham na sociedade conjugal. (Dias, 2016, p. 75).

O direito à liberdade, no âmbito familiar, redimensionou alguns pontos das relações, como por exemplo, a autoridade parental que os pais exerciam sobre os filhos, a igualdade entre os cônjuges ou companheiros no exercício do poder familiar sobre a prole, a liberdade de poder escolher a forma como se constituirá a família, seja pelo matrimonio ou pela união estável, bem como se este relacionamento será, hétero, homossexual ou poliafetivo. Destarte, vale mencionar a igualdade sucessória entre cônjuges e companheiros advinda pela declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 pelo STF (BRASIL, 2015).

Sobre o princípio da igualdade e respeito às diferenças, Rui Barbosa (apud DIAS, 2016, p. 76) assegura que “[...] tratar iguais com desigualdade ou desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade”; portanto, igualdade como direito está fortemente ligada ao conceito de justiça, os quais são mutáveis e podem ser aplicados aos casos concretos de forma diferente com o intuito, no entanto, de se obter o mesmo resultado.

Este princípio encontra-se elencado no preâmbulo, no caput do art. 5º da Constituição Federal e no inciso I do mesmo artigo, o qual baniu a desigualdade de gênero, quando afirmou que “todos são iguais perante a lei” e “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”; esta igualdade vem sendo conquistada cada vez mais pelas mulheres, respeitando sempre as singularidades de cada gênero.

Nenhum princípio da Constituição provocou tão profunda

transformação do direito de família quanto o da igualdade entre homem e mulher, entre filhos e entre entidades familiares. Todos os fundamentos jurídicos da família tradicional restaram destroçados, principalmente os da legitimidade, verdadeira summa divisio entre sujeitos e subsujeitos de direito, segundo os interesses patrimoniais subjacentes que protegiam, ainda que razões éticas e religiosas fossem as justificativas ostensivas. O princípio geral da igualdade de gêneros foi igualmente elevado ao status de direito fundamental oponível aos poderes políticos e privados (art. 5º, I, da Constituição). (LÔBO, p. 65, 2011)

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O princípio da igualdade está expresso de forma clara no ordenamento jurídico, principalmente dentro do direito de família com o viés de proteger seus membros.

Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no âmbito do direito das famílias, que não deve ser pautado pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros. A organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (CC 1.511), tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (CC 1.567). São atribuídos deveres recíprocos igualitariamente tanto ao marido quanto à mulher (CC 1.566). Em nome da igualdade é permitido a qualquer dos nubentes adotar o sobrenome do outro (CC 1.565 § 1.º). São paritários os direitos e os deveres do pai e da mãe no respeitante à pessoa (CC 1.631) e aos bens dos filhos (CC 1.690). Não havendo acordo, não prevalece a vontade de nenhum deles. Devem socorrer-se do juiz em caso de desacordos. Com relação à guarda dos filhos, nenhum dos genitores tem preferência (CC 1.583 e 1.584). A guarda compartilhada é a regra, sem a necessidade de consenso dos pais, dividindo-se o tempo de convívio de forma equilibrada entre os genitores. (DIAS, 2016, p. 78).

Nesta lógica, o princípio de igualdade deve ser utilizado de forma a auxiliar os julgadores, podendo ser ampliado seu entendimento a partir de interpretação e aplicação a um caso concreto. Mais do que o legislador, cabe também aos magistrados refletirem sobre este princípio, pois grandes mudanças no ordenamento pátrio têm ocorrido através de entendimentos jurisprudenciais.

O princípio da solidariedade familiar é citado por Lôbo e também pela autora Dias como princípio constitucional, e tem como finalidade garantir que haja sempre cooperação e reciprocidade entre os membros da família. São exemplos práticos desse princípio a assistência aos filhos como dever dos pais, o amparo a pessoa idosa, a comunhão de vida estabelecida pelo casamento, entre outros.

O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade. Na evolução dos direitos humanos, aos direitos individuais vieram concorrer os direitos sociais, nos quais se enquadra o direito de família, e os direitos econômicos. No mundo antigo, o indivíduo era concebido apenas como parte do todo social; daí ser impensável a ideia de direito subjetivo. No mundo moderno liberal, o indivíduo era o centro de emanação e destinação do direito;

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daí ter o direito subjetivo assumido a centralidade jurídica. No mundo contemporâneo, busca-se o equilíbrio entre os espaços privados e públicos e a interação necessária entre os sujeitos, despontando a solidariedade como elemento conformador dos direitos subjetivos. (LÔBO, p. 63, 2011)

Outro distinto princípio constitucional que rege o direito das famílias, é o pluralismo das entidades familiares, o qual determina que, apesar de a Constituição fazer menção apenas três tipos de arranjos familiares, esse rol não pode ser considerado taxativo, merecendo igual proteção do Estado os novos tipos ou as diferentes formas de família. Anteriormente à Constituição de 1988 considerava-se família somente aquelas constituídas pelo matrimônio; após sua promulgação é que se reconheceu a União Estável como entidade familiar. As uniões homoafetivas, ainda que não conste expressamente no texto legal, já foram reconhecidas como família pelo Judiciário.

A proteção integral a crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos é um princípio no qual visa-se garantir a efetivação dos direitos fundamentais. Tem enfoque justamente as crianças, adolescentes e jovens pois encontram-se em sua fase de desenvolvimento, sendo nesta fase que adquirem valores, os quais os acompanharam ao longo de suas vidas, tornando-os melhores cidadãos para a sociedade. Direitos essenciais como saúde, educação, lazer, cultura, dignidade, convívio familiar, respeito, igualdade, entre outros, estão determinados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual normatiza as formas como deverão ser efetivados os direitos acima mencionados.

Grande passo foi dado ao se estabelecer a igualdade entre pais e filhos e entre os próprios filhos, não havendo mais distinções entre a prole, ao ser proibida qualquer descriminação. Nesse sentido Dias (2016, p. 81) afirma, que “Agora a palavra ‘filho’ não comporta nenhum adjetivo. Não mais cabe falar em filhos legítimos, ilegítimos, naturais, incestuosos, espúrios ou adotivos. Filho é simplesmente filho”.

Todos esses princípios supracitados, bem como os demais que serão abordados, são marcos trazidos pela Constituição Federal e por estarem lá normatizados, mesmo que implicitamente, não pode ser criada nenhum tipo de lei

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que os contraponha ou que configure um retrocesso social. O princípio da proibição do retrocesso social dispõe que não pode ser estabelecido nenhum tipo de restrição ou limitação dos princípios consagrados na Carta Magna.

E por fim, o princípio da afetividade, como norteador do direito das famílias, tem como base o afeto e todos os sentimentos que enlaçam as entidades familiares e que dá sentido à palavra família. Nas palavras de Dias (2016, p. 84), “O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família.”

Lôbo também coloca a afetividade como princípio implícito na Constituição, o qual é responsável por recuperar a principal função das famílias, que é justamente atender aos desejos e laços afetivos proporcionando a seus membros uma comunhão de vida. Desta forma, prevalece sobre os interesses patrimoniais as relações familiares.

Demarcando seu conceito, é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais. O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. A evolução da família “expressa a passagem do fato natural da

consanguinidade para o fato cultural da afinidade” (este no sentido

de afetividade). (LÔBO, 2011, p. 70-71).

Para a Dias o direito ao afeto está intimamente ligado ao princípio da felicidade. O Estado impôs para si muitas obrigações, entre elas está a de auxiliar as pessoas a conviverem de maneira harmônica e solidaria, e também, de ajudar a realizar os projetos e desejos de cada indivíduo. Neste liame, entende-se que mesmo que não esteja expresso na Constituição ou no restante do ordenamento jurídico a palavra afeto, existem algumas normas que refletem o direito à afetividade, ainda que de modo implícito.

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O reconhecimento das uniões estáveis e homoafetivas é um exemplo de que a afetividade entre as pessoas faz com que surjam novas formas e instituições familiares a partir da progressividade da família. Muitas vezes caberá aos juristas interpretarem os dispositivos legais considerando aspectos como afetividade entre os membros integrantes do módulo familiar, mas isso decorre da evolução das relações humanas, e é uma das funções dos juristas.

Sobre o princípio da afetividade é importante mencionar ainda, que

As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. (VILLELA apud DIAS, 2016, p. 86)

O direito à afetividade é, portanto, essencial para o real desenvolvimento das pessoas, das entidades familiares e, consequentemente, da sociedade. Juntamente com os outros princípios constitucionais citados, estão ligados ao direito das famílias, sendo todos de suma importância. Por isso merecem ser entendidos em sua integralidade e efetivados no seio da família e da sociedade.

O próximo capítulo tem o intuito de analisar a união estável, seu surgimento como fato social, seu reconhecimento dentro da sociedade, bem como sua posterior regulamentação dentro do mundo jurídico. A pesquisa faz um breve estudo sobre a normatização da união estável a partir da Constituição Federal de 1988 e da criação de leis infraconstitucionais até o Código Civil de 2002.

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2 A UNIÃO ESTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A partir da análise histórica sobre a origem da família é possível perceber a importância desse instituto na vida das pessoas. O conceito de família sofreu inúmeras mutações com o tempo e com o desenvolvimento da sociedade, porém ainda abriga em sua essência a qualidade de ser a base na qual as pessoas têm o primeiro contato com sentimentos como o amor, afetividade, respeito, confiança, solidariedade, entre outros, o centro familiar é onde o indivíduo aprende a conviver em sociedade.

O direito possui o dever de regulamentar a vida em sociedade, o que inclui normatizar alguns aspectos da vida familiar. Para isso, precisa ser dinâmico a ponto de conseguir abarcar todos os aspectos das instituições familiares que demandam sua atenção, como por exemplo, a forma como será instituída a família, seu regime sucessório, bem como uma possível extinção da sociedade conjugal. É dessa necessidade que surgiu a introdução da instituição familiar dentro do ordenamento jurídico.

Ao criar direitos e deveres para as famílias e seus membros, instituiu-se também uma série de princípios constitucionais que formam a base para o direito das famílias. Portanto, o legislador ao versar sobre matéria de direito familiar, tem o dever de primeiramente analisar se a norma segue as diretrizes de tais princípios elencados implícita e explicitamente em nossa Constituição Federal.

Com a introdução das instituições familiares em nossa Constituição Federal de 1988, o legislador incluiu dentre os tipos de família, a união estável e a família monoparental, como já visto anteriormente, chamadas de famílias constitucionais, uma vez que previstas no rol do art. 226 § 3º da Carta Magna. É com o foco de estudar e analisar o instituto da união estável, seu surgimento no seio da sociedade, sua introdução no ordenamento jurídico através da Constituição Federal e sua posterior regulamentação pelo Código Civil de 2002 que trataremos nesse capítulo, sem pretensão de esgotar o assunto, mas sim de fomentar a pesquisa sobre o tema.

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2.1 A origem da união estável como fato social

De acordo com Rolf Madaleno (2018, p. 1425), a convivência entre duas pessoas com a intenção de constituir uma família, que atualmente chamamos de união estável, já existia no seio da sociedade antes mesmo do casamento. Ocorre que, a vida natural do ser humano o faz desejar viver em comunidade e foi a partir desse desejo, da busca por sobrevivência e do intuito de conservação da prole que nasceram as instituições familiares e, consequentemente, o casamento.

Com o surgimento do casamento na sociedade e posteriormente sendo positivado no ordenamento jurídico, todos aqueles que não podiam casar-se segundo a lei ou os costumes da época, viviam de forma extramatrimonial denominado concubinato. O concubinato era visto “com maus olhos” pela sociedade e os casais que conviviam dessa forma eram tratados de forma preconceituosa, inclusive pela legislação.

O Código Civil de 1916, proibia que fossem feitas doações para a concubina ou que esta tivesse seu nome inscrito como beneficiária de plano de saúde ou seguro de vida, os filhos havidos nesses relacionamentos não eram “legítimos” sendo tratados com menor ou nenhuma proteção pelo Estado. Importante destacar que nesse período o casamento era indissolúvel, pois a dissolução apenas passou a ser possível com a promulgação da Lei nº 6.515/1977, a Lei do Divórcio. Os casais que por qualquer motivo não desejassem mais viver juntos, podiam apenas desquitar-se, contudo a prática era vista como uma desonra para o nome da família.

O matrimônio era literalmente “até que a morte os separe” e isso fez com que muitas pessoas, não podendo dissolver a sociedade conjugal, e por estarem com o

status de desquitadas, ou seja, apenas separadas de fato, perdessem o direito de

casar novamente. Portanto, sem outra alternativa uniam-se com novos parceiros através do concubinato, o qual, mais tarde mudou a sua denominação para união estável.

Para Coelho (2012, p. 278) a união estável como decorrência do antigo concubinato, passou a ser reconhecida como fato social na década de 1960, com a

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revolução de costumes em que a classe burguesa da época, não mais via no matrimônio civil ou religioso a melhor forma de iniciar uma família. Para aqueles jovens o casamento não passava de uma simples “folha de papel” e que exigia muitas formalidades, a união estável se apresentou então como meio para realizar o que almejavam, uma maneira simples de constituir uma família com base no respeito, confiança, companheirismo e amor.

Com o tempo a sociedade aceitou que as pessoas tivessem livre arbítrio para escolher a forma como gostariam de constituir seu núcleo familiar, mesmo quando podendo casar-se, optassem por viver seu amor de modo informal. Com a Constituição de 1988 a união estável foi finalmente reconhecida como entidade familiar, posta ao lado do casamento e da família monoparental, sendo desta forma, protegida constitucionalmente, não havendo nenhuma hierarquia entre os institutos familiares dispostos no art. 226, § 3º da CF/1988.

Conforme relata Madaleno (2018, p. 1428), o reconhecimento da união estável mesmo após inserida na Constituição Federal, gerou diversas divergências sobre o tema. Na doutrina e jurisprudência nasceram discussões sobre ser ou não a união estável distinta do casamento e ainda sobre a conversão da união extramatrimonial em casamento. O autor afirma que houve uma forte resistência entre os doutrinadores em admitir que a união estável está sob a mesma égide de proteção que o casamento e que por isso, não mais existe distinção quanto ao grau de amparo do Estado para com essas famílias. Afirma Madaleno que

[...] não foi uma trajetória fácil, porque não foram poucas as vozes levantadas na intransigente defesa do inafastável distanciamento dos dois institutos, todas sustentando que a proteção constitucional às famílias de fato não significava, em hipótese alguma, a equiparação da união estável ao casamento [...] E não foram poucas as discussões jurisprudenciais surgidas desse entrechoque doutrinário em oposição à súbita proteção estatal da união estável, tratando diversos tribunais brasileiros de sequer admitir a competência das varas de família para as divergências surgidas das uniões estáveis, cujos processos deveriam ser distribuídos às varas cíveis, sendo reservados os juízos familistas para a solução dos conflitos gerados do casamento e da família dela decorrente.

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Mas o ocorrido não causa estranheza, uma vez que até então se tinha apenas o casamento como única forma legítima de núcleo familiar. E ainda que houvesse aceitação social sobre a prática, quando um costume social é trazido para dentro do universo jurídico há que se analisar também as consequências jurídicas advindas através dessa normatização.

A união livre sempre esteve presente em nossa sociedade – inclusive quando ainda não havia um conceito de sociedade – o que faz dessa instituição familiar a mais antiga na história da humanidade. Contudo com a formalização e normatização dos relacionamentos afetivos, a união livre denominada concubinato sofria restrições de direitos e muito preconceito. Com o decorrer do tempo as mudanças na sociedade permitiram que esse instituto, agora chamado de união estável, pudesse ser reconhecido como entidade familiar com direitos e deveres assegurados constitucionalmente. A partir desse momento, surge a necessidade de regularização através de normas infraconstitucionais da forma como seriam instituídas, dissolvidas entre outros aspectos as uniões extramatrimoniais, ponto que será abordado e discutido no próximo subitem.

2.2 A normatização da união estável

Após análise inicial de como surgiu a união estável como fato social, faz-se necessário também entender como ocorreu sua normatização e quais as consequências jurídicas daí advindas. Não serão mencionadas todas as leis que já versaram sobre a união estável, mas é certo que serão abordadas as principais normas que trataram do tema.

O grande marco para o positivismo do instituto da união estável no ordenamento jurídico, como já dito anteriormente, foi sem dúvida o art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988, que prescreve: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988). Antes da Constituição Federal de 1988, houveram algumas esparsas leis que mencionavam direitos às concubinas, porém tratando do tema sempre de modo vago. É o que menciona Rolf Madaleno:

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Com o tempo foram editadas leis concedendo tímidos direitos às companheiras viúvas, como sucedeu com o Decreto n. 2.681, de 07 de dezembro de 1912, ao regular a responsabilidade civil nas estradas de ferro e reconhecer direitos à concubina na indenização decorrente da morte do companheiro em acidente ferroviário e estabelecer, no artigo 22, que no caso de morte, a estrada de ferro responderá por todas as despesas e indenizará, a arbítrio do juiz, todos aqueles aos quais a morte do viajante privar de alimento, auxílio ou educação. O Decreto-Lei n. 4.737, de 24 de setembro de 1942, dispôs sobre o reconhecimento de filhos naturais, mas só após o desquite do ascendente casado, sendo mais tarde estendidas as hipóteses de reconhecimento de filhos extraconjugais, embora em um primeiro estágio o reconhecimento fosse somente para fins

alimentares quando o investigado era casado. [...] A Lei dos

Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973) admitiu o uso pela concubina do patronímico de seu companheiro, contanto já vivessem em concubinato pelo menos há cinco anos, ou em menor tempo se deste

relacionamento houvesse filhos e não existisse qualquer

impedimento legal para o casamento. A Lei n. 6.195, de 19 de dezembro de 1974, atribuiu ao Funrural a concessão de prestações por acidente do trabalho, e o Decreto n. 76.022, de 24 de julho de 1975, aprovou o Regulamento do Seguro de Acidentes do Trabalho Rural, para, igualmente, incluir a companheira mantida há mais de cinco anos como beneficiária do seguro de acidente do trabalho rural. Posteriormente, a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/1977) permitiu o reconhecimento de filho extraconjugal por meio de testamento cerrado e, neste aspecto, irrevogável, ao alterar o artigo 1° da Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949. (MADALENO, 2018, p. 1426-1427).

Com a ascensão social das uniões extramatrimoniais em 1960, e os diferentes julgados que apareciam diariamente na jurisprudência causando insegurança jurídica, os legisladores viam-se diante da obrigação de regulamentar as uniões estáveis, a fim de pacificar os entendimentos jurisprudenciais acerca da matéria. Essa pacificação, de fato, só aconteceu anos após a promulgação da Carta Magna de 88.

A jurisprudência brasileira, tangenciando os óbices legais, procurou construir soluções de justiça para essas situações existenciais, configurando verdadeiro uso alternativo do direito, ante a pressão incontornável da realidade social. (LÔBO, p. 169, 2011)

A doutrina, nesta época, teve importante destaque a respeito da discussão do tema, e apesar das constantes divergências, todos os doutrinadores concordavam em pelo menos um ponto: a união estável é antes de qualquer coisa um fato social. É algo natural, que mesmo constando no mundo jurídico, só pode ser normatizado quando já existente no plano social e natural da sociedade.

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Agora dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é o fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isto? O acidente convencional não tem força para apagar o fato natural”; (...) “A família é um fato natural, o casamento é uma convenção social. A convenção social é estreita para o fato, e este então se produz fora da convenção. O homem quer obedecer ao legislador, mas não pode desobedecer à natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro da lei se é possível, fora da lei se é necessário. (PEREIRA apud MADALENO, 2018, p. 1432).

Como bem expressa o autor supracitado, a normatização das instituições extramatrimoniais existe apenas para assegurar aos seus membros direitos iguais as pessoas casadas, mas não altera no plano real a escolha que uma ou outra pessoa faria sobre o modo de sua constituição familiar. Porém, era necessário regularizar a situação das pessoas que não podendo ou não querendo casar-se civilmente conviviam com vontade de constituir família.

Com a Constituição Federal de 1988, já se tinha avançado grandemente ao reconhecer a união estável como entidade familiar constitucional, ocorre que era necessário ainda regulamentar essa questão através de leis infraconstitucionais. Foi então publicada a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, a qual regulava direitos dos companheiros relativos a alimentos e a sucessão.

Dita lei possui apenas cinco artigos: em seu artigo 1º previa quem eram os companheiros: as pessoas solteiras, as separadas judicialmente, as divorciadas ou as viúvas. Em seus artigos 2º e 3º versava sobre a sucessão patrimonial. É possível perceber que, ao elaborar essa lei, o legislador não considerou como conviventes as pessoas que estivessem separadas de fato, e impôs ainda que a união para ser reconhecida deveria ser comprovada com cinco anos de convivência ou através do nascimento de filhos.

De má técnica legislativa, ambígua, gerou mais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, quando, por exemplo, excluiu da sua atuação as uniões de pessoas separadas de fato, e também retrocedeu quando estabeleceu um tempo mínimo de cinco anos de convivência para a efetiva configuração da união estável, isto quando ausente prole, como se a estabilidade do relacionamento fosse

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contada pelos dias e noites de coabitação e não pela qualidade e pela intensidade da relação afetiva. (MADALENO, 2018, p. 1430).

A lei foi omissa em mais de um ponto: versou sobre a sucessão patrimonial dos conviventes, mas não abordou como seria feita a partilha de bens em caso de separação. Os tribunais por meio da jurisprudência, ao analisarem o caso em concreto, decidiam, cada um ao seu modo, como solucionar questões fundamentais que não foram dispostas no ordenamento jurídico. A jurisprudência divergia e os magistrados, mais uma vez, ocupavam o lugar do legislador.

Prevaleceu nessa fase unicamente a pioneira e audaciosa jurisprudência, tratando os tribunais e não o legislador de acertar os passos da livre e estável convivência, sendo aplicada a fórmula da presunção da comunhão dos aquestos, a partir do pressuposto de que a mulher, mesmo não colaborando diretamente com seu trabalho para a formação do patrimônio do seu companheiro, contribui com seu trabalho doméstico na administração do lar e na educação e formação dos filhos e desse modo propicia a estabilidade e a tranquilidade necessárias para a aquisição dos bens. (MADALENO, 2018, p. 1430-1431).

Quanto ao regime de bens que deveria ser adotado pelos companheiros, prevalecia entre os juristas o entendimento de que deveria ser aplicado um regime legal de comunhão de bens em comparação ao casamento. Madaleno (2018, p. 1430) assevera: “[...] era para esses jurisconsultos a consequência lógica da isonomia que a Constituição Federal estabelecera entre a união estável e o casamento”.

Apesar dos seis anos de atraso e das falhas vislumbradas em seu texto, a Lei nº 8.971/1994 positivou importantes direitos para as pessoas que viviam uma relação extramatrimonial e ansiavam regulamentar essa situação. Dois anos depois, foi publicada a Lei nº 9.278/1996, a qual vinha para regulamentar o art. 226, § 3º da Constituição Federal.

Com o advento da Lei nº 9.278/1996 deu-se nova roupagem não só aos direitos concedidos aos companheiros, mas ao próprio conceito de união estável. O artigo 1º afirma: “[...] é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de

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constituição de família”. Embora a nova lei não tenha resolvido todas as lacunas deixadas pela anterior, pode ser considerada um marco, principalmente por incluir como união estável os relacionamentos entre pessoas separadas de fato e por retirar o tempo mínimo para o reconhecimento das relações extramatrimoniais.

A lei, ao tratar do regime de bens que deve ser aplicado, regularizou o que a jurisprudência já externava, que nestes casos o regime de bens é o de comunhão de aquestos. Com certeza o artigo 5º da Lei nº 9.278/1996 pode ser considerado de suma importância quanto a implantação da união estável no ordenamento jurídico.

A Lei n. 9.278/1996, ao regular a comunhão de bens na união estável coroou uma longa história doutrinária e jurisprudencial de paulatino reconhecimento da comunhão dos aquestos e da divisão por igual, dos bens adquiridos durante a constância da união estável, independentemente de contribuição pecuniária efetiva para a aquisição onerosa dos bens, ressalvada a possibilidade de convencionarem diferente, por contrato particular ou por escritura pública. (MADALENO, 2018, p. 1431).

Cabe ainda citar que o art. 9º incumbiu as varas de família do processamento e julgamento de litígios referentes a relações informais. Antes do supracitado artigo indicar a competência da vara de família, alguns juristas entendiam equivocadamente que as ações correspondentes a união estável deveriam ser direcionadas às varas comuns.

A Lei 9.278/96 teve maior campo de abrangência. Não quantificou prazo de convivência e admitiu como estáveis as relações entre pessoas separadas de fato. Além de fixar a competência das

varas de família para o julgamento dos litígios, reconheceu o

direito real de habitação. Gerou a presunção juris et de jure de que os bens adquiridos a título oneroso na constância da convivência são fruto do esforço comum, afastando questionamentos sobre a efetiva participação de cada parceiro para a partilha igualitária. (DIAS, 2016, p. 410, grifo nosso).

E por fim, a lei que é de suma relevância ao versar sobre união estável é a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002), que institui o Código Civil e regulamenta as questões atinentes a união estável a partir dos art.1.723 até 1.727. O projeto de lei que deu origem ao Código teve início dentro do período militar e por isso já nasceu ultrapassado, uma vez que deixou de observar questões significativas como inseminação artificial e união/casamento entre pessoas do mesmo sexo,

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situações presentes na realidade brasileira da época e que não foram pautadas pelo legislador.

No entanto, o Código Civil ao tratar sobre a formação da união estável, de acordo com a redação do caput do art. 1.723 do Código Civil (BRASIL, 2002) texto também presente na Lei nº 9.278/1996, tornou-se pré-requisito para o reconhecimento da relação e dos direitos dos conviventes a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Das quatro exigências legais mencionadas, pode-se dizer que a mais importante atualmente para se identificar uma relação com a mesma estabilidade de uma família estável é a intenção de constituí-la. Esse entendimento é possível porque

A lei não define nem imprime à união estável contornos precisos, limitando-se a elencar suas características (CC 1.723): convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. Preocupa-se em identificar a relação pela presença de elementos de ordem objetiva, ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de constituir família. (DIAS, 2016, p. 415).

O Código Civil (BRASIL, 2002) determina que o relacionamento dos companheiros deve ser público, em outras palavras, ser conhecido no âmbito da sociedade. A união de fato deve ser também duradoura, não sendo estipulado prazo temporal para seu reconhecimento, o que importa dizer que a duração será apreciada pelo juiz que deverá analisar as peculiaridades de cada caso. A relação deve ser contínua o que pressupõem que não deve haver interrupções ou lapsos temporais extensos e significativos na vivência da união estável.

E por último, deve existir no casal o desejo de constituir uma família. Esse requisito, apesar de subjetivo, é primordial, pois distingue a união estável do contrato de namoro. Tendo em vista que, ainda que duas pessoas convivam sob o mesmo teto, de forma pública e contínua, se não há para o casal o intuito de constituir uma família, não se pode falar em união estável e sim em um namoro, já que a união de fato enseja um comprometimento maior entre as partes.

A união estável não se confunde com o namoro (Cahali, 2004:268/273). Enquanto na primeira é indispensável, a vontade

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comum de fundar uma família (relação horizontal), no último, esse elemento anímico não está presente. Os namorados ainda não têm claramente definida a vontade de constituir família ou têm claramente a de não a constituir: estão se conhecendo melhor ou simplesmente se divertindo. Se homem e mulher namoram há muitos anos, viajam juntos sempre que podem, frequentam os eventos sociais das respectivas famílias, devotam mútua exclusividade sexual e chegam até mesmo a viver sob o mesmo teto (“namorados que moram juntos”), não se configura a união estável quando inexistente a intenção de constituir família. (COELHO, 2012, p. 284).

Quanto ao meio probatório nessa modalidade de relacionamento, verifica-se como é difícil para os companheiros provar que existia de fato um comprometimento recíproco. Em outras palavras, é possível através de testemunhas, fotografias, entre outros, provar que havia na convivência notoriedade, continuidade e durabilidade, mas como demonstrar que o casal desejava formar uma família?

A jurisprudência ao observar as exigências legais do Código Civil, permite que os conviventes provem de todas as formas em direito admitidos que havia ânimo de constituir família entre o casal. Atualmente, para protegerem-se e para gerar certa formalidade ao relacionamento as pessoas ao adotarem a união estável, celebram um contrato por escrito que pode ser particular ou através de escritura pública. Tal contrato confere a relação um marco de início que pode ser contado a partir da assinatura ou ainda retroagir a uma data declarada pelas partes, além de convencionar, entre outros aspectos, acerca do regime de bens escolhido pelo casal.

Verifica-se que com o advento do Código Civil, restou evidente as características da união de fato, bem como, que existe para essa modalidade um meio contratual de proteger a relação e foi conferido aos companheiros liberdade para que deliberem sobre questões patrimoniais e pessoais. Porém, o contrato de convivência deve ser estipulado em comum acordo por ambas as partes, frisa-se que o mesmo não cria ou modifica o relacionamento, apenas regulamenta os reflexos desta relação. Dias assegura que

O contrato de convivência não cria a união estável, pois sua constituição decorre do atendimento dos requisitos legais (CC 1.723), mas é um forte indício da sua existência. Já a manifestação unilateral

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de um dos conviventes não tem o condão de provar nada: nem o começo nem o fim da união estável. (DIAS, 2016, p. 429).

Ao versar sobre regime de bens, o art. 1.725 do CC, estabelece que “[...] na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”, ou seja, quando não houverem pactuado através de contrato escrito o regime de bens que vigora entre os companheiros, será adotado o regime da comunhão parcial de bens, como regra geral.

Quanto as causas de impedimento abordadas pelo Código Civil, Coelho (2012) entende que foram aplicadas as mesmas regras do casamento. Isso significa dizer que pessoas que já possuam um relacionamento - matrimonial ou sob união estável - não podem unir-se a outra pessoa, preservando dessa forma, a ideia da monogamia.

Em outros termos, no direito brasileiro, assim como ninguém pode ser casado duas vezes (bígamo), também não pode manter simultaneamente um casamento (convivendo com o cônjuge) e uma união estável, nem duas uniões estáveis. Para que a relação monogâmica seja preservada, a pessoa casada só pode envolver-se numa união estável depois de sua separação de fato ou judicial (CC, art. 1.723, § 1º). Aquele que já se encontra vinculado a uma união estável, igualmente não pode ligar-se a outro convivente enquanto não desfizer a primeira. (COELHO, 2012, p. 289).

Nas causas suspensivas, o Código Civil não seguiu a mesma lógica, sendo diferentes as regras aplicadas aos cônjuges e aos companheiros. O art. 1.723, § 2º. Prevê que “[...] as causas suspensivas do art.1.523 não impedirão a caracterização da união estável”.

As causas suspensivas do casamento não obstam a caracterização da união estável (CC, art. 1.723, § 2º). Assim, poderá ter início uma união estável quando o viúvo une-se a outra mulher logo em seguida ao falecimento da esposa, sem esperar a conclusão do inventário. (COELHO, 2012, p. 290).

E por fim, ao tratar sobre a conversão da união estável em casamento, o Código Civil equivocadamente alterou a forma de pleitear tal pedido. Em 1996, bastava que as partes fizessem um requerimento ao Oficial dos Registros Públicos solicitando a conversão, porém com a redação do art. 1.726 do CC, as partes devem dirigir o pedido de conversão ao juiz que, após decidir, encaminhará o pedido para ser assentado no Registro Civil.

Referências

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