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Considerações a partir da Doutrina Social da Igreja

Elaborada em distintos âmbitos, a Doutrina Social da Igreja (DSI) nasce da consideração das situações e da realidade à luz do Evangelho e da tradição teológica e magisterial. Indica princípios, valores e orientações. A última encíclica papal que tratou de maneira mais detida da situação socioeconômica, e indiretamente da questão das empresas, é a Centesimus Annus, publicada em 1991. O contexto econômico global e a situação das empresas mudaram bastante nas últimas décadas.

Pode-se resumir a DSI sobre as empresas nos seguintes eixos:

1- A liberdade de iniciativa privada no campo econômico é um valor e um direito:

[...] Cada um tem o direito de iniciativa econômica, cada um usará legitimamente de seus talentos para contribuir para uma abundância que seja de proveito para todos, e para colher os justos frutos de seus esforços (Catecismo da Igreja Católica, n. 2429);

2- A empresa deve ser considerada como uma comunidade de produção orientada para o bem de todos e não de alguns poucos:

A empresa não pode ser considerada apenas como uma "sociedade de capitais"; é simultaneamente uma "sociedade de pessoas" da qual fazem parte [...] quer aqueles que fornecem o capital [...], quer aqueles que colaboram com o seu trabalho (CA, n. 43). 3- O lucro é um importante indicador do bom funcionamento da empresa; mas não é suficiente. Não basta buscar a rentabilidade do capital; importa também o respeito da dignidade dos que trabalham na empresa:

É indispensável que, no interior da empresa, a legítima busca do lucro se harmonize com a irrenunciável tutela da dignidade das pessoas que, a vário título, atuam na mesma empresa (Compêndio, n. 340).

4- A responsabilidade dos empresários é de buscar juntos as soluções mais adequadas:

Os papéis do empresário e do dirigente revestem-se de uma importância central do ponto de vista social, porque se colocam no coração daquela rede de liames técnicos, comerciais, financeiros, culturais, que caracterizam a moderna realidade da empresa (Compêndio, n. 344).

5- Situadas num ambiente mais amplo, diversificado e complexo, as empresas têm um papel determinante na promoção de um desenvolvimento solidário e integral:

A empresa deve caracterizar-se pela capacidade de servir o bem comum da sociedade mediante a produção de bens e serviços úteis (Compêndio, n. 338).

A riqueza e pertinência desses eixos de ética empresarial provêm do seu enraizamento nos princípios fundamentais da DSI:

a dignidade inalienável da pessoa;

a sua liberdade de ter iniciativas nos vários campos da vida da sociedade;

a prioridade do trabalho sobre o capital;

a destinação universal dos bens da terra (hoje uma destinação intra e intergeneracional);

a unidade da família humana na riqueza das suas diversidades;

a construção do desenvolvimento sustentável, solidário e integral;

a preservação do meio ambiente e do futuro do planeta; e

a atenção às necessidades e direitos dos mais pobres.

É a partir desses princípios e valores que Paulo VI e João Paulo II apontam alguns riscos de excessos de poder de parte das grandes empresas:

aparecer novas potências econômicas - as empresas plurinacionais - [ ... ] [que] podem conduzir a uma nova forma abusiva de dominação econômica no campo social, cultural e político (OA, n. 44).

E João Paulo II continua:

Contudo não se pode deixar de denunciar os riscos e os problemas conexos com este tipo de processo [a moderna economia de empresa]. De fato, hoje muitos homens [ ... ] se não são propriamente explorados, vêem-se amplamente marginalizados, e o progresso econômico desenvolve-se, por assim dizer, por cima das suas cabeças [ ... ] (CA, n. 33). Como vimos, novos parâmetros, em transformação rápida, determinam o mundo das empresas. São

situações novas que nos provocam a aprofundar a Doutrina Social e a prosseguir na sua elaboração. Parece, de fato, que vai crescendo a distância entre a análise e as recomendações da Igreja e a realidade

brutal do mundo das empresas. No contexto da globalização, algumas empresas alcançam dimensões desproporcionais, concentrando enorme poder e riqueza, o que lhes permite definir e ditar, até aos Estados os mais poderosos, as regras econômicas, comerciais e financeiras em função dos seus próprios interesses. Tal concentração de poder distorce as finalidades e o funcionamento da economia.

O próprio desenvolvimento tecnológico acelerado reforça, ele também, os riscos de uma iníqua distribuição das suas potencialidades. Os mercados financeiros, sem fronteiras, com os seus "paraísos" para escapar aos controles fiscais, ditam, por sua vez, as futuras políticas econômicas das grandes empresas. O critério definitivo, na realidade, é o lucro maior que deve ser mantido alto. As grandes empresas dificilmente guardam uma certa autonomia com respeito à ditadura do mercado. Na maioria dos casos, a não ser nas empresas cooperativas, associativas ou familiares, a característica comunitária da empresa é uma ficção. Os interesses do capital desconhecem os dos trabalhadores, do conjunto da sociedade ou da natureza. O mercado não combina com a procura do bem de todos.

Diante de tão rápidas e profundas transformações das empresas e do mundo das empresas, a Igreja é chamada a renovar o seu ardor profético para alertar sobre os riscos e perigos humanos, sociais e ambientais aos quais leva o sistema atual. A guerra impiedosa dos mercados fere e mata mais vítimas que as guerras das armas. Com a participação de cristãos em todos os âmbitos (dirigentes, empreendedores, engenheiros, sindicalistas, administradores), a Igreja pode oferecer uma importante e rica participação na busca de caminhos para encarar os imensos desafios do mundo atual. Sua contribuição é antes de tudo moral e ética, fruto de uma reflexão e meditação sobre a realidade à luz do Evangelho. A realidade vai evoluindo muito rapidamente; alguns pontos merecem uma atenção renovada de parte da Igreja.

O lucro é necessário à boa economia, mas como combinar o dinamismo e a eficiência econômica com os cuidados dos problemas sociais e ambientais? É preciso insistir sobre a necessidade e urgência da adoção pelos setores privados, em âmbito internacional, de um código ético de responsabilidade social que poderia orientar os comportamentos específicos das empresas. Não há resposta fácil. As soluções não podem surgir apenas de dentro das empresas. Os efeitos da sua atuação atingem o conjunto da sociedade. Daí a necessidade de uma mobilização do conjunto da sociedade para encarar situações muito complexas. Aos problemas mundiais, soluções mundiais; aos problemas locais, soluções locais: as propostas surgirão tanto da "cabeça" como dos "pés". Pastorais ou movimentos cristãos, tanto de trabalhadores (como a PO - Pastoral Operária) como de empresários ou dirigentes (por ex., a ADCE - Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas), as quais existem em muitos países, podem contribuir ativamente para renovar as visões e as práticas.

Questões para reflexão

1- Como você percebe o papel das empresas na economia e na sociedade? Papel positivo e papel negativo? O que é necessário e possível mudar?

2- Na sua percepção, qual é a responsabilidade social da empresa? 3- Como você considera a iniciativa privada?

PRINCIPAIS DOCUMENTOS (Encíclicas) SOCIAIS

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