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ÍNDICE. UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

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UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

ÍNDICE

CAPÍTULO I – DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ 1- O que é Doutrina Social da Igreja?

2- DSI segundo o Sínodo dos Bispos 3- Fundamentos ou fontes da DSI

4- Características da Doutrina Social da Igreja 5- Quando e em que contexto nasceu a DSI? 6- A Revolução Industrial e a Rerum Novarum 7- A Rerum Novarum e a fundação de obras sociais

CAPÍTULO II ORDEM SOCIAL: COMUNIDADE, SOCIEDADE E BEM COMUM. Introdução

1. Desafios à ordem social 2. O porquê dessa situação

3- Princípios que a Igreja nos propõe no campo social a) A pessoa humana é um ser social

b) A sociedade deve fundar-se na verdade c) Justiça e amor se integram e completam

d) A solidariedade constitui a base da organização da sociedade e)A busca do bem comum é a meta maior da sociedade

f) O princípio da subsidiariedade deve ser respeitado g) A participação é um direito e um dever

h) O desenvolvimento humano genuíno é integral e inclui a todos i) O exercício da cidadania se expressa na responsabilidade social 4- Como podemos organizar-nos para enfrentar esses desafios? 5. Conclusão: um convite à participação

CAPÍTULO III - ENSINO SOCIAL DA IGREJA UM TESOURO A VALORIZAR Introdução

1. De Leão XIII ao Concílio Vaticano II 2. Depois do Vaticano II

3. Uma nova visão da questão social 3.1- Mudança de atitudes

3.2- Mudança na metodologia

4- Lições mais importantes do Ensino Social da Igreja 5- O Ensino Social aplicado às situações históricas concretas Conclusão

CAPÍTULO IV LINHAS MESTRAS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 1- Centralidade e dignidade da pessoa humana

2- O primado do trabalho sobre o capital 3- O bem comum

4- O desenvolvimento integral 5- O papel do Estado

6- Propriedade privada 7- Evangelização inculturada

8- Conceito de pessoa humana na DSI: fundamentos 9- A pessoa humana nas tradições mais recentes

CAPÍTULO V - A EMPRESA NA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE Introdução: a empresa, um ator central

1- Diversidade das empresas no contexto da globalização 2- A responsabilidade social das empresas (RSE) 3- Considerações a partir da Doutrina Social da Igreja PRINCIPAIS DOCUMENTOS (ENCÍCLICAS) SOCIAIS SIGLAS USADAS NESTA APOSTILA

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Introdução à Doutrina Social da Igreja1 Pe.Alfredo j. Gonçalves, cs Capítulo I

1- o que é Doutrina Social da Igreja?

De início é preciso definir o que se entende por Doutrina Social da Igreja (DSI). Esta expressão designa o conjunto de escritos e mensagens - cartas, encíclicas, exortações, pronunciamentos, declarações - que compõem o pensamento do Magistério católico a respeito da chamada "questão social". Os principais documentos da Doutrina Social da Igreja são as "Encíclicas Sociais" dos Papas, desde Leão XIII, em 1891. Mas temos também um documento do Concílio Vaticano II e um texto do Sínodo dos Bispos, realizado em Roma em 1971. A seguir, a lista dos principais documentos da DSI.

Rerum Novarum2 (A Condição dos Operários), Leão XIII, 1891

Quadragesimo Anno (A Restauração e Aperfeiçoamento da Ordem Social), Pio XI, 1931 Mater et Magistra (A Recente Evolução da Questão Social), João XXIII,1961

Pacem in Terris (Paz na Terra), João XXIII, 1963

Gaudium et Spes (A Igreja no Mundo de Hoje), Concílio Vaticano II, 1965 Populorum Progressio (O Desenvolvimento dos Povos), Paulo VI, 1967

Octogesima Adveniens (Necessidades de um Mundo em Transformação), Paulo VI, 1971 Justiça no Mundo, Sínodo dos Bispos, 1971

Evangelii Nuntiandi (A Evangelização no Mundo Contemporâneo), PauloVI,1975 Laborem Exercens (O Trabalho Humano),joão Paulo II, 1981

Soliicitudo Rei Socialis (Solicitude Social da Igreja),João Paulo II, 1987 CentesimusAnnus (Centenário da Rerum Novarum),João Paulo II, 1991 Novo Millennio Ineunte (No Início do Novo Milênio),João Paulo II, 2001

No decorrer de nossa reflexão, teremos oportunidade de ver como e por que grande parte dos estudiosos deste tema prefere o termo ensino ou ensinamento, em lugar de doutrina.

Por agora vamos começar nossa busca resgatando dois textos que se tomarão referências básicas para a tarefa de estabelecer os contornos do que é a DSI. Ambos serão como que o mapa por onde iniciaremos nosso estudo da doutrina social. Claro que os dois documentos, por sua vez, fundamentam-se nas fontes originais da Palavra de Deus.

O primeiro texto refere-se a um documento publicado em dezembro de 1998 pela Congregação para a Educação Católica, com o título Orientações para o estudo e o ensino da Doutrina Social da Igreja na formação dos sacerdotes. Ao discorrer sobre os elementos constitutivos da DSI, o documento assim a define:

O ensinamento origina-se do encontro da mensagem evangélica, e de suas exigências éticas, com os problemas que surgem na vida da sociedade. As questões que daí emergem passam a ser matéria para a reflexão moral que amadurece na Igreja por meio da pesquisa científica, e inclusive mediante a experiência da comunidade cristã. Esta doutrina projeta-se sobre os aspectos éticos da vida, sem descuidar dos aspectos técnicos do problema, para julgá-Ios com critério moral. Baseando-se em "princípios sempre válidos", leva consigo "julgamentos contingentes", já que se desenvolve em função das circunstâncias dinâmicas da história e se orienta essencialmente para a "ação ou práxis cristã" (n. 3).

Um olhar atento a essa definição da DSI permitirá desdobrar seus elementos constitutivos, como faz Ildefonso Camacho Laraña.3 Quatro componentes se destacam:

1 Doutrina Social Cristã é uma disciplina ministrada pelo prof. Luiz Alberto Asato no Unisalesiano Lins luizasato@ig.com.br 2

As encíclicas (cartas coletivas) dos Papas costumam ser citadas pelas palavras iniciais, em latim. Damos a tradução usada no Brasil pelas coleções publicadas por editoras católicas (por ex.,Vozes. Paulinas. Loyola e Paulus).

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a) exigências éticas derivadas da dimensão social do Evangelho;

b) imperativos da realidade socioeconômica e político-cultural do mundo em que vivemos; c) reflexão moral que confronta a mensagem evangélica com a situação histórica; e

d) ação ou práxis sociotransformadora.

Evidente que estes quatro elementos agem em constante interação e procuram adaptar-se aos mais diferentes contextos históricos.

Reflexão:

1- Explique o significado de Doutrina Social da Igreja 2- Qual a relação entre ética e Doutrina Social?

2- DSI segundo o Sínodo dos Bispos

O segundo documento em que vamos nos apoiar para identificar o que vem a ser a DSI nos remete ao enfoque da doutrina social a partir do Vaticano II. Paradoxalmente, o texto onde encontraremos tal enfoque de forma mais elaborada e contundente não pertence aos documentos do Concílio, nem costuma figurar sequer entre os principais textos que formam a bibliografia da DSI. Trata-se do documento sobre A Justiça no Mundo, resultado do Sínodo dos Bispos de 1971.

Vale a pena determo-nos um pouco nessa síntese sinodal, reproduzindo trechos de sua introdução: Ao perscrutarmos4 os "sinais dos tempos" e ao procurarmos descobrir o sentido do curso da história, e compartilhando ao mesmo tempo as aspirações e as interrogações de todos os homens desejosos de construírem um mundo mais humano, queremos escutar a Palavra de Deus, para nos convertermos para a atuação do plano divino acerca da salvação no mundo (JM, Introd., n. 2).

Ao ouvirmos o clamor daqueles que sofrem violência e se vêem oprimidos pelos sistemas e mecanismos injustos, bem como a interpelação de um mundo que, com a sua perversidade, contradiz os desígnios do Criador, chegamos à unanimidade de consciência sobre a vocação da Igreja para estar presente no coração do mundo e pregar a Boa-Nova aos pobres, a libertação aos oprimidos e a alegria aos aflitos. A esperança e o impulso que animam profundamente o mundo não são alheios ao dinamismo do Evangelho que, pela virtude do Espírito Santo, liberta os homens do pecado pessoal e das conseqüências do mesmo na vida social (JM, Introd., n. 5).

A ação pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer da missão da Igreja, em prol da redenção e da libertação do gênero humano de todas as situações opressivas (JM, Introd., n. 6. Grifo nosso).

O último parágrafo citado, no dizer de Camacho, "constitui uma espécie de coluna vertebral de todo o documento". De fato, por dimensão constitutiva entende-se que a ação sociotransformadora é parte inerente do Evangelho. Não se trata, portanto, de mero desdobramento da fé cristã e menos ainda de simples apêndice de uma vida segundo o Evangelho. Nada disso! A ação social é elemento integrante da mensagem evangélica. Numa palavra, não haverá verdadeira evangelização sem um correspondente compromisso de ordem social e política.

Na história do magistério da Igreja é certamente uma das expressões que melhor estabelecem o vínculo indissolúvel entre a justiça e a evangelização. Não há como escapar: o seguimento de Jesus Cristo, para ser genuíno e autêntico, exige participação ativa no trabalho de transformação da sociedade. Essa ação, vale insistir, não é uma excrescência da doutrina - como lembra Hemi Bazire -, mas parte essencial dos dogmas da tradição católica.

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Perscruta: do Lat. *perscrutare, por perscrutari

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Convém voltar ainda ao mesmo documento para dar-nos conta da força e da novidade dessa perspectiva na história da Igreja. Diz o texto:

A situação atual do mundo, vista à luz da fé, faz-nos um apelo no sentido de um retomo ao núcleo mesmo da mensagem cristã, que cria em nós a consciência profunda do seu verdadeiro sentido e das suas urgentes exigências. A missão de pregar o Evangelho requer, nos tempos que correm que nos comprometamos em ordem à libertação integral do homem, já desde agora na sua existência terrena. Se, efetivamente, a mensagem cristã sobre o amor e a justiça não mostra a sua eficácia na ação pela justiça no mundo, muito dificilmente ela será aceitável para os homens do nosso tempo (JM, II, n. 35).

Ou seja, retomar ao núcleo da mensagem cristã é, também, resgatar sua dimensão social. Sem esta, o próprio Evangelho perde credibilidade, perde seu fermento mais fecundo, mais vital e mais eficaz.

De resto, o Vaticano II, como fonte de elementos da DSI, transpira em todos os seus documentos essa nova sensibilidade diante das reais condições do gênero humano. É fácil perceber isso na frase de abertura da Gaudium et Spes, a qual reflete e sintetiza o espírito de todo o Concílio:

"As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo" (GS, n. 1).

Em síntese, a DSI procura atualizar a dimensão social do Evangelho para os distintos contextos da vida cotidiana, levando sempre em conta que "o gênero humano encontra-se em uma fase nova de sua história, na qual mudanças profundas e rápidas estendem-se progressivamente ao universo inteiro" (GS, n. 4). Em poucas palavras, é o Evangelho tornado vivo e atual nos diferentes desafios da realidade social, política, econômica e cultural. Inspirado pelo Espírito Santo, o magistério da Igreja procura interpretar a mensagem evangélica diante das situações mais diversas. Assim nasce uma palavra, uma reflexão, um ensinamento, uma doutrina de caráter social - isto é, escrita para iluminar os problemas relacionados à condição social do gênero humano e conduzir as pessoas à busca de soluções. Resumindo, é a atualização da Palavra de Deus para os dias de hoje, traduzida na sensibilidade e na solicitude da Igreja para com aquelas situações em que a vida encontra-se mais ameaçada.

Reflexão:

1- Quais são os “sinais dos tempos” citado no documento Justiça no Mundo (Sínodo dos Bispos, 1971)? 2- Qual o apelo que a situação atual do mundo nos faz, à luz da fé?

3- Fundamentos ou fontes da DSI

Nos embates com os desafios sociohistóricos, a Doutrina Social da Igreja acumula uma série de orientações em que convergem várias fontes distintas, mas complementares. É de tais fontes que ela retira sua seiva, sua força e seu vigor. Seus fundamentos mergulham aí as raízes mais profundas. Vejamos resumidamente as principais delas:

a) O clamor dos oprimidos, como as vítimas de uma história que produz, simultaneamente, concentração de renda e exclusão social. Dessa solicitude histórica da Igreja para com os "caídos" à beira da estrada, os excluídos ou "condenados da terra", vai consolidar-se, especialmente a partir do Concílio Vaticano II, a opção preferencial pelos pobres.

b) A Palavra de Deus, Antigo e Novo Testamento, como luz que ilumina a realidade e desnuda as contradições da organização social e política em confronto com o plano da criação. Neste caso, é evidente que a prática de Jesus ganha particular relevo.

c) A sabedoria e a experiência multissecular do Magistério da Igreja, em que se desenvolvem uma série de orientações fundamentais quanto ao seguimento de Jesus Cristo no cumprimento do seu mandamento

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novo, do amor ao próximo.

d) A prática cotidiana dos cristãos e das comunidades eclesiais junto aos setores mais marginalizados e empobrecidos da população. Através de ações desse tipo surgem soluções criativas e novas organizações.

e) A produção teológica, como uma reflexão a partir da fé que acompanha a práxis dos cristãos, com especial atenção para a teologia da libertação, da teologia negra, da teologia política e da teologia feminina - além de outras reflexões na linha sociotransformadora.

f) A contribuição da ciência em suas mais variadas disciplinas, como aproximação aos dados de uma realidade sempre cambiante. É inegável hoje o suporte teórico das ciências sociais e humanas para um conhecimento mais profundo do relacionamento entre as pessoas e as sociedades, como também da história da humanidade.

g) A abertura à riqueza inesgotável de pessoas, culturas e povos distintos; processo em que prevalece o ecumenismo e o diálogo inter-religioso e em que aquilo que nos une é bem mais do que aquilo que nos separa. O pluralismo cultural e religioso faz do planeta um grande mosaico de experiências humanas, o que exige um intercâmbio contínuo e reciprocamente enriquecedor.

h) Uma mística ou espiritualidade que, diante das tensões e conflitos sociais, possa ser ao mesmo tempo encarnada, libertadora e inculturada. Está em jogo, neste caso, a busca permanente das motivações mais fundas para a existência humana. Como diria Dostoievski, "o segredo da existência humana não está somente em viver, mas sobretudo em saber por que se vive".

Veremos mais adiante como tais princípios, longe de aparecer como dogmas hermeticamente fechados e imutáveis, são antes orientações que procuram se renovar de acordo com os desafios constantes do progresso histórico.

4- Características da Doutrina Social da Igreja

A encíclica Centesimus Annus (CA), de João Paulo II, publicada em 1991, faz um retrospecto da DSI ao longo de um século de sua existência. No capítulo VI dessa Encíc1ica, segundo o estudo já citado de Camacho, iremos identificar as características mais marcantes da visão da DSI. Como podemos notar, tais características reúnem elementos de todas as fontes assinaladas. Citamos a síntese feita por Camacho:

"A Doutrina Social da Igreja justifica-se a partir da atenção ao homem real e concreto, entendido como ser social (CA, n. 53).

A Doutrina Social da Igreja é um instrumento de evangelização: com os olhos voltados para o anúncio da salvação, preocupa-se com todos os demais problemas que afetam o homem (CA, n. 54).

A Doutrina Social da Igreja é uma parte da teologia: para conhecer o homem de hoje, é preciso conhecer a Deus; anunciar a salvação enriquece a dignidade do homem (CA, n. 55).

A Doutrina Social da Igreja supõe a colaboração das igrejas locais para aplicá-Ia às diversas situações (CA, n. 56).

A Doutrina Social da Igreja é, antes de mais nada, fundamento e estímulo para a ação; hoje, mais do que nunca, tornar-se-á digna de crédito pelo testemunho das obras: é aí que encontra sentido a opção preferencial pelos pobres (CA, n. 57).

A Doutrina Social da Igreja exige a promoção da justiça: não só dando do supérfluo, mas ajudando os povos a entrar no círculo do desenvolvimento, transformando as estruturas, criando órgãos internacionais de controle e orientação (CA, n. 58).

A Doutrina Social da Igreja tem uma dimensão interdisciplinar e uma dimensão prática e experimental (CA, n. 59).

A Doutrina Social da Igreja exige a colaboração de todos para ser posta em prática: das Igrejas cristãs, das religiões, de todos os homens de boa vontade (CA, n. 60).

A Doutrina Social da Igreja vem mantendo uma constante ao longo destes cem anos: a defesa do homem (CA, n, 61)",

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A Igreja está consciente hoje, mais do que nunca, de que sua mensagem social encontrará credibilidade primeiro no testemunho das obras e só depois na sua coerência e lógica interna. Desta sua convicção provém também a sua opção preferencial pelos pobres, que nunca será exclusiva nem discriminatória, relativamente aos outros grupos (CA, n. 57).

O amor ao homem - em primeiro lugar ao pobre, no qual a Igreja vê Cristo - concretiza-se na promoção da justiça [...] Não se trata apenas de "dar do supérfluo", mas de ajudar povos inteiros que dele estão excluídos ou marginalizados, a entrarem no círculo do desenvolvimento econômico e humano. Isso será possível não só fazendo uso do supérfluo, que o nosso mundo produz em abundância, mas sobretudo alterando os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades (CA, no 58)

[A doutrina social] situa-se no cruzamento da vida e da consciência cristã com as situações do mundo e exprime-se nos esforços que indivíduos, famílias, agentes culturais e sociais, políticos e homens de Estado realizam para lhe dar forma e aplicação na história (CA, n. 59).

O mundo de hoje está sempre mais consciente de que a solução dos graves problemas nacionais e internacionais não é apenas uma questão de produção econômica ou de uma organização jurídica ou social, mas requer valores ético-religiosos específicos, bem como mudanças de mentalidade, de comportamento e de estruturas (CA, n. 60).

Reflexão:

1- Explique uma das fontes da Doutrina Social Cristã 2- Fale sobre uma das características da Doutrina Social

5- Quando e em que contexto nasceu a DSI?

O documento inaugural daquilo que se convencionou denominar Doutrina Social da Igreja é a encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, publicada em 15 de maio de 1891. De fato, é a primeira vez em que um documento do magistério católico dedica-se integralmente à chamada "questão social". No decorrer do texto, o Papa propõe-se abordar a "condição dos operários".

Isso não quer dizer que os problemas sociais estivessem ausentes das publicações anteriores na história da Igreja. São inúmeras as referências à situação real e concreta dos pobres desde os primeiros séculos do cristianismo e da tradição católica. O próprio Leão XIII, na introdução da Rerum Novarum, refere-se à abordagem do tema em encíclicas precedentes sobre soberania política, liberdade humana e constituição cristã dos Estados, publicadas respectivamente nos anos de 1831, 1885 e 1888. Mas, enquanto anteriormente essas questões apareciam de forma secundária, à margem de outros assuntos de maior relevância, agora o Papa faz da condição social dos operários o tema central de sua carta.

De pronto, nota-se aí uma mudança de enfoque ou de perspectiva: a Igreja, na pessoa do Papa, deixa em segundo plano os assuntos internos e volta-se para os problemas que afligem os trabalhadores da época. O olhar da Igreja dirige-se ao mundo exterior, identificando nele os principais desafios sociais à fé cristã e buscando alternativas às contradições da sociedade em que VIve.

6- A Revolução Industrial e a Rerum Novarum

O contexto da Rerum Novarum é uma sociedade profundamente transformada pela Revolução Industrial. Uma sociedade formada de pessoas que vivem na alma e no corpo os efeitos de um salto gigantesco em termos científico-tecnológicos. Tal Revolução trouxe avanços inegáveis, em especial através da imensa capacidade de produção por meio da máquina. Na verdade, representou uma revolução em quatro dimensões: uma de ordem socioeconômica, com surgimento e consolidação da indústria; outra de ordem política, pelo fortalecimento dos Estados-nação a partir da Revolução Francesa; outra, ainda, de ordem científica, que se afirma pelo aprofundamento e sistematização do conhecimento e do método

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experimental; outra, enfim, de ordem filosófica, fundada no pensamento da razão ilustrada e na emergência da subjetividade.

Mas esse conjunto de transformações trouxe também efeitos negativos. Se é verdade que o poder das máquinas multiplicou em muito a capacidade de produzir bens, alimentos e equipamentos, também é verdade que os benefícios de semelhante progresso não foram distribuídos de maneira equânime. Os "tempos modernos" ou a "era da máquina" vieram acompanhados, simultaneamente, de um enorme potencial produtivo e de uma crescente desigualdade social.

É importante dar-se conta de que o pano de fundo da encíclica é constituído por graves distorções sociais. A indústria nasce sob o domínio do sistema capitalista de produção e sob a orientação da filosofia liberal. O lucro é o motor da economia. No mesmo campo, como forças desiguais, patrões e operários lutam por seus interesses. Uns detêm o capital e os meios de produção; outros, apenas a força de trabalho. Em tais condições assimétricas, instala-se a lei do mais forte. Na verdade, o liberalismo econômico é um jogo de cartas marcadas, em que os mais fortes vão devorando os mais fracos, numa espécie de "seleção natural".

Em tais condições, a realidade apresenta-se sob um duplo aspecto: por um lado, as fábricas crescem, multiplicam-se por toda parte; a Revolução, que tem seu epicentro na Inglaterra, chega de modo rápido ao continente europeu e não demora em cruzar o Atlântico com suas chaminés e parques gigantescos. Por outro lado, os trabalhadores, primeiramente expropriados de suas terras, veem-se depois submetidos a condições de trabalho e de vida muito precárias e desumanas. A riqueza de poucos é a contraface da pobreza de muitos.

Outra consequência da Revolução Industrial constitui a intensificação das migrações de um continente a outro. O êxodo rural foi tão intenso que as fábricas não conseguiam absorver toda a mão de obra dispensada pelo campo. Enquanto muitos se empregam na indústria nascente, outros, aos milhões, veem-se forçados a emigrarem para as Américas e a outros continentes.

É nesse cenário que nasce a Rerum Novarum. O Papa está preocupado com a forma de vida dos operários. Procura uma melhor distribuição de uma riqueza que dobra com a velocidade do tempo medido agora em segundos.

7- A Rerum Novarum e a fundação de obras sociais

Durante o século XIX, principalmente em sua segunda metade (de 1850 a 1900), no auge da Revolução Industrial, surgiram os chamados "Santos Sociais". Entre eles, destacam-se por exemplo, são João Bosco, Madre Cabrini, bem-aventurado João Batista Scalabrini, Adolf Kolping, o bispo von Ketteler, Frederico Ozanan e tantos outros. No Brasil, pertencem a esse ciclo, por exemplo, as Casas de Caridade criadas no Nordeste pelo pe. José Antônio Maria Ibiapina (1808-1883), ou os Círculos Operários, criadas no Rio Grande do Sul por iniciativa do pe. Leopoldo Brentano (1884-1964). Preocupados com o clima e as conseqüências da Revolução Industrial e com a condição dos operários, esses "Santos Sociais" do século XIX imprimem na Igreja um novo ardor pela dimensão sociotransformadora. Por isso, nessa época, surgem várias Congregações Religiosas (masculinas e femininas), preocupadas com as várias dimensões da chamada "questão social". No fundo, elas ajudam a Igreja a avançar em direção ao Concílio Vaticano II. Nesse sentido, seus fundadores são precursores da abertura que o Concílio representa para o mundo moderno.

Nesse período, estabeleceu-se um paralelo entre as preocupações específicas de cada Congregação (os jovens, os migrantes, os pobres etc.) e a preocupação do papa Leão XIII. A Rerum Novarum, como sabemos, surge nesse mesmo clima das conseqüências da Revolução Industrial, em que os problemas sociais ganham particular relevância. Não é por acaso que o subtítulo da encíclica é justamente "a condição dos operários". Resumindo, os (as) fundadores(as) e suas respectivas Congregações exemplificam em termos concretos aquilo que a Doutrina Social da Igreja considera como questão social.

Ao mesmo tempo que o papa Leão XIII concentra sua solicitude pastoral sobre a situação concreta dos operários, procurando a defesa dos trabalhadores da indústria, o bispo Scalabrini atravessa o oceano e se volta para os emigrados de além-mar e suas famílias. Procura levar-lhes "o sorriso da pátria e o conforto da fé", como ele mesmo afirma. Ambos sinais proféticos de uma determinada época, filhos do seu tempo.

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Duas respostas diferentes, mas igualmente evangélicas, aos desafios de um mundo conturbado por rápidas e profundas transformações socioeconômicas e políticas, palco para enormes e desenfreados deslocamentos humanos.

Outro pioneiro foi Adolf Kolping (1813 -1865), criador das Uniões ou Círculos Operários para jovens trabalhadores e suas famílias, na Alemanha. O padre Kolping, de origem humilde, entendeu que para elevar a classe operária e transformá-Ia em protagonista de uma nova sociedade, não bastava ensinar-lhes os princípios da fé, mas que era preciso dar-lhes oportunidade de aperfeiçoamento técnico e profissional e oferecer-lhes chances de lazer e cultura. A obra Kolping está hoje presente em dezenas de países, inclusive no Brasil, mantendo cooperativas, escolas e cursos profissionalizantes. Kolping foi beatificado por João Paulo II em 1991.

Frederico Ozanam (1813-1853), cristão fervoroso, escritor e democrata convicto, exerceu intensa atividade de reforma social e política. É o criador das Conferências de São Vicente de Paulo ou Vicentinos, de larga difusão no mundo católico e com forte presença no Brasil. Citamos uma frase de seus escritos:

"Há exploração quando o patrão considera o operário não como um associado, um colaborador, mas como um instrumento do qual é preciso extrair o maior serviço possível pelo menor preço. Mas a exploração do homem é a escravidão"5

Não custa perguntar, por fim, a quem se refere o texto da Rerum Novarum, quando aconselha "fugir dos homens perversos". Certamente o alvo é a organização socialista, que então ganhava terreno e se consolidava em termos internacionais. Desde logo a Igreja, tentando proteger suas "ovelhas" do "lobo mau", coloca-se numa postura de combate frontal aos princípios do socialismo.

Como se pode ver, o contexto é marcado pelo início dos conflitos entre capital e trabalho. Temendo perder os fiéis para a "religião do comunismo", a Rerum Novarum adota do começo ao fim um tom conciliatório entre patrões e operários e combativo ante a "onda vermelha". Não podemos nos esquecer de que o Manifesto Comunista tinha vindo à luz quatro décadas antes, em 1848.

Entretanto, se é certo que o ano de 1891 é considerado o início da Doutrina Social da Igreja, seus fundamentos mergulham as raízes nos primórdios da tradição judaico-cristã.

Reflexão:

1- Qual o contexto histórico em que se fez necessário o nascimento da Doutrina Social da Igreja? 2- Qual relação entre Revolução Industrial e a encíclica Rerum Novarum?

3- Relacionar o contexto em que nasceu a DSI com os tempos atuais.

CAPÍTULO II

Ordem social: comunidade, sociedade e bem comum

Pe. Matias Martinho Lenz, sj Introdução

Neste capítulo estaremos enfocando temas específicos. Cada problemática é discutida à luz dos princípios do ensino social da Igreja e busca-se discernir desafios e linhas de ação. Enfocaremos a ordem social e a participação dos cidadãos na promoção do bem comum.

Para encaminhar bem a discussão, é importante colocar algumas premissas.

1- A primeira premissa: nossa fé não é assunto privado, nem se resume a práticas de devoção ou a "ir à Igreja". A verdadeira religião tem a ver com cidadania, com a vida profissional e engajamentos políticos. A separação entre fé e vida é um dos piores erros em que muitos cristãos incidem, como nos lembrou o Concílio Vaticano II: "O divórcio entre a fé que professam e o comportamento cotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo" (GS, n. 43).

2- Segunda premissa: somos chamados a conviver em paz, no respeito mútuo, na colaboração entre sociedade e Estado. Deveríamos poder sair à rua sem medo de sermos assaltados, poder confiar na

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honestidade de quem exerce um cargo público e no respeito aos direitos constitucionais das pessoas. Mas não é isso que acontece. Surge a pergunta: de onde vêm as infrações à ordem social? Desconhecimento das normas básicas? Falta de cumprimento delas? Como podemos, enquanto cidadãos e cidadãs, contribuir para a observância das normas éticas básicas do convívio social?

1. Desafios à ordem social

Comecemos com o desafio mais grave à ordem social, que é o desrespeito à vida. No mapa da violência, divulgado pela Unesco em junho de 2004, o Brasil é o quinto em mortes de jovens e o quarto na classificação geral. Só fica atrás da Colômbia, de El Salvador e da Rússia. O número anual de homicídios de jovens (entre 15 e 24 anos) aumentou nos últimos vinte e quatro anos, passando de 30 a 54,5 para cada grupo de 100 mil habitantes, segundo a mesma fonte. Entre as vítimas, há 65,3% mais negros que brancos. A maioria morre nos fins de semana, atingida por armas de fogo. A pesquisa revela um outro dado assustador: depois de 1999, a violência passou a crescer mais no interior que nas capitais e regiões metropolitanas. Autoridade ligada à Secretaria de Direitos Humanos comentou assim esses dados: "Vamos ter que decidir se queremos uma sociedade da paz ou se vamos alimentar essa cultura da violência". Uma das medidas que estão sendo implantadas é o desarmamento da população e a restrição ao porte de armas de fogo. Mas sabemos que isso não basta. A Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP está engajada na luta por uma nova cultura de paz, através do Projeto "Por uma Cultura de Paz no Brasil: Superando as Violências", comemorativo dos 40 anos da Encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra), do papa João XXIII, publicada em 1963.

Outro enorme desafio no Brasil é a pobreza e a fome de considerável parcela da população. Essa pobreza é, em grande medida, resultado da desigualdade social e de uma política macroeconômica que gera desemprego. Hoje o Brasil tem potencial de riqueza, renda e tecnologia suficientes para saciar a fome de todo o seu povo, a fome de pão, de justiça, de saber e de beleza. Mas somos um país tremendamente desigual, com poucos ricos e muitos pobres. O terceiro Atlas da Exclusão Social no Brasil, organizado por Márcio Pochmann e outros, publicado em abril de 2004, mostra que o Brasil possui 1.162.164 famílias ricas, 2,4% das famílias existentes no País. Essas famílias tinham renda mensal acima de R$ 10.982, em setembro de 2003. Essa renda era 14 vezes maior do que a renda familiar mensal média do País e cerca de 80 vezes superior à linha de pobreza, abaixo da qual se situam os 20% mais pobres do País. As famílias mais ricas respondiam por mais de 1/3 de toda a massa de renda familiar do Brasil. No outro extremo da pirâmide estão as famílias pobres, em tomo de 11 milhões, num total de 46 milhões de pessoas que sobrevivem com renda igual ou inferior a seis reais por dia; 22 milhões destas têm menos de três reais por dia para viver (linha da miséria).

A pobreza tem muitas causas. Uma das mais graves é, certamente, o desemprego, que em maio de 2004 atingia um em cada cinco trabalhadores nas metrópoles brasileiras. As altas taxas de juros, a implantação de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e uma política restritiva de investimentos não permitem a expansão da economia e a criação dos empregos tão necessários.

Para sobreviver, nove milhões de trabalhadores brasileiros enfrentam a batalha da sobrevivência por conta própria, na informalidade. Aproveitando-se da existência de um exército de desocupados, muitos setores empregam sem assinar a carteira dos trabalhadores. Em meados de 2004, 72,8% dos empregados na construção civil no Brasil não tinham vínculo empregatício e, assim, viviam sem previdência nem direitos trabalhistas.

Completando esse quadro, registremos outra chaga social: o trabalho infantil. Não só no trabalho doméstico, muitas vezes pesado (559 mil em todo o Brasil, segundo relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), publicado em 11/6/2004), mas em situação de exploração por empresas, em trabalhos semelhantes à de escravos, por exemplo: em carvoarias e em lixões. Nesses casos, as crianças em geral estão fora da escola e fazem trabalho de adultos por pagamento ínfimo. O trágico é que para muitas famílias pobres o trabalho de crianças ou adolescentes é uma alternativa à fome. Na verdade, são infâncias roubadas pela ganância ou pela miséria.

Há tantos outros problemas que nos desafiam: a corrupção em todos os níveis e de todos os tipos, a ponto de se falar em uma cultura da corrupção, difusa e que nos contamina; seqüestros, narcotráfico, violência policial, um sistema penitenciário à beira do colapso, a discriminação contra minorias. E ainda a

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lentidão ou omissão do Estado em cumprir sua função: o sistema de segurança precário; a justiça morosa e nem sempre isenta; um Legislativo distante dos sofrimentos do povo e, por fim, as freqüentes situações de descaso da própria população em cobrar direitos e em cumprir deveres.

2. O porquê dessa situação

Quais as causas dos nossos males sociais? Algumas têm origem histórica, derivando de um passado de trezentos anos de latifundismo, de escravidão e de governos oligárquicos. Há também causas mais próximas. Fatores freqüentemente citados são a crise da família, as graves deficiências do nosso sistema educativo, a exaltação dos valores materiais acima de qualquer outro valor, a influência nociva de muitas programações da mídia e, de maneira geral, a desagregação de valores.

Mas podemos ir mais fundo em nosso diagnóstico. Vamos então descobrir que na raiz de muitos desses males está o vírus do egoísmo, a tendência do egocentrismo erigido em sistema, a "violência institucionalizada"(Medellín), o desamor que leva ao desprezo dos direitos e da própria vida do próximo.

Pecado é o mal praticado, ou não evitado, a indiferença diante da injustiça e do sofrimento do próximo. O pecado, como nos ensina a Igreja, tem sempre uma dupla dimensão: pessoal e social. O pecado é "social" não só por prejudicar os demais, mas por contribuir na difusão do mal, na criação de "estruturas de pecado", como as chamou o papa João Paulo lI. O materialismo se introduz como uma forma de idolatria: os deuses do dinheiro, da busca do poder e do prazer tomam o lugar que é devido só a Deus. O mesmo Papa identifica, basicamente, duas atitudes pecaminosas como as mais características de nosso tempo: "a avidez exclusiva do lucro e a sede de poder", cada um delas "a qualquer preço" (SRS, n. 37). Outra fonte que alimenta a relativização de valores é a tendência pós-moderna do subjetivismo exacerbado, pelo qual as pessoas tendem a criar sua própria moral, seus próprios códigos de conduta, sem referência a uma lei natural nem divina, sem referência à consciência do bem e do mal que nos é dada pela natureza racional e completada pela revelação cristã.

A superação do pecado, individual e social, exige uma dupla transformação, que se apóia na graça de Deus: a conversão pessoal e a conversão social. A conversão implica uma profunda mudança de mentalidade, uma adesão firme aos valores perenes da verdade e do bem, ao qual Deus nos atrai. Esses valores se transformam em princípios e atitudes, colocadas em prática na vida pessoal e na construção de estruturas sociais condizentes. Vejamos alguns princípios básicos, segundo o ensino social da Igreja.

3- Princípios que a Igreja nos propõe no campo social a) A pessoa humana é um ser social

O ser humano, na visão da Igreja, é um ser pessoal e social, ao mesmo tempo. As pessoas se realizam na tensão dialética entre essas duas dimensões. Quem age sob o impulso do egoísmo está em contradição com sua própria natureza e não vai encontrar sua realização e sua felicidade por esse caminho. Ademais, as coisas, os bens materiais, as estruturas sociais, as próprias leis existem em função do bem das pessoas. O fim da sociedade é a realização de todos os seres humanos, colaborando uns com os outros. A pessoa humana, assim entendida, é "autor, centro e fim" de toda vida econômica, social e política. Nas palavras do Concílio Vaticano II:

Uma vez que a pessoa humana, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social, é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Não sendo, portanto, a vida social algo acrescentado ao homem, este cresce segundo todas as suas qualidades e torna-se capaz de responder à própria vocação, graças à interação com os demais, ao mútuo torna-serviço e ao diálogo com seus irmãos (OS, n. 25).

Cada um é chamado a ser autor de seu desenvolvimento, colaborando na realização dos demais. No centro da economia e da sociedade não pode estar o interesse do capital, nem o prestígio político da nação, mas o bem-estar das pessoas. O fim não pode ser o crescimento material sempre maior, mas a vida cada vez mais plena e feliz de todos os cidadãos. Na visão cristã, o caráter social das pessoas tem semelhança com a vida íntima da Trindade e a precedência da pessoa sobre as coisas deriva, em última análise, do fato de ela ter sido criada à imagem e semelhança de Deus. Dessa condição deriva também sua liberdade e insuperável dignidade.

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b) A sociedade deve fundar-se na verdade

As relações entre as pessoas, organizações e estados devem ter seu fundamento na verdade, não na mentira nem no engano. A verdade fundamenta a confiança nas pessoas e o bom relacionamento entre elas. A verdade é fonte de liberdade, pois livra do temor de ser enganado (e de ser induzido a enganar os outros como forma de sobrevivência ou de busca de vantagens). "A verdade vos libertará", é palavra de Cristo (Jo 8,32). A verdade, em sentido bíblico, tem tudo a ver com firmeza, autenticidade, veracidade, fidelidade. Essa veracidade é fundamento da vida social bem ordenada e feliz.

c) Justiça e amor se integram e completam

A justiça e o amor são as duas colunas sobre as quais se apóia a convivência humana. Sem a prática da justiça, a caridade se toma ilusória. Caridade sem justiça é hipocrisia. Sem amor, a justiça é incompleta e pode transformar-se no seu contrário, por exemplo, em casos em que se aplica a lei ao pé da letra, sem considerar as circunstâncias. Falamos aqui de urna forma especial de justiça, a chamada "justiça social". Essa é urna virtude moral que "dispõe a respeitar os direitos da cada um e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a equidade a respeito das pessoas e do bem comum" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1807). A Constituição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), do Concílio Vaticano II, em muitas passagens, recomenda a prática da justiça e da caridade, ambas necessárias para a realização do bem comum (cf. GS, n. 30). João Paulo II explica assim a relação entre ambas:

A justiça por si só não é suficiente e, por si só, pode conduzir ao aniquilamento de si mesma, se não se permite a essa forma mais profunda que é o amor plasmar a vida humana nas suas diversas dimensões. Foi essa a experiência da história, que levou a formular a afirmação: "summum ius, summa iniuria" (máxima justiça, máxima injúria). Tal afirmação não diminui o valor da justiça nem atenua o significado da ordem instaurada por ela; indica somente o outro aspecto, a necessidade de recorrer às forças do espírito, muito mais profundas, que condicionam a própria ordem da justiça (DM, n. 12).

A conexão íntima entre justiça e amor não anula a diferença entre elas: a justiça é uma virtude moral, que se refere aos meios para alcançar o fim da reta ordem. O amor é uma virtude teologal, ou divina, que nos orienta totalmente para Deus como fim último, e que deve informar todas as nossas ações, não só os atos de justiça. A virtude do amor ou da caridade transfigura o homem completo. Ela nos leva a amar a Deus e a amar o próximo assim como Deus o ama, isto é, desinteressadamente. O amor ao próximo e a vontade de justiça não admitem distâncias nem oposições. A virtude da caridade exige a realização da justiça como condição necessária de sua verdade. O amor é identificação comunicativa e é inseparável do respeito à alteridade e à singularidade de cada pessoa. A justiça considera o próximo como um outro; a caridade cristã o percebe como um outro eu, identifica-se com seus sofrimentos e alegrias. Não se deve confundir a virtude teológica da caridade com "fazer caridade", isto é, dar esmola. A verdadeira caridade cristã ultrapassa infinitamente qualquer gesto de benemerência. Importante é acentuar que amor e justiça são inseparáveis. "O amor implica, de fato, uma absoluta exigência de justiça, que consiste no reconhecimento da dignidade e dos direitos do próximo. A justiça, por sua vez, alcança a sua plenitude interior somente no amor" (JN, n. 34).

d)A solidariedade constitui a base da organização da sociedade

Esse princípio se refere ao conjunto de vínculos que une as pessoas entre si e as impulsiona à ajuda recíproca. Sem negar os conflitos, esse princípio afirma que o que marca a sociedade humana é uma crescente interdependência, tanto em nível pessoal quanto associativo, organizativo e político. A solidariedade não é só um fato, mas uma conduta desejável. Neste sentido, a solidariedade é vista por Paulo VI como "um fim e um critério maior do valor e da organização social" (OA, n. 26). Aprofundando esse princípio, João Paulo II acentua que não se trata de vago sentimento de compaixão pelos males sofridos por outros, mas "determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum" (OA, n. 38). As atitudes e estruturas de pecado, diz ainda o Papa, só serão vencidas por atitudes diametralmente opostas: "a aplicação em favor do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, de “perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar e para servi-Io em vez de o oprimir para

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proveito próprio" (cf. Mt 10,40-42; 20,25; Mc 10,42-45; Lc 22,25-27; SRS, n. 38). A solidariedade se aplica não só em nível nacional, mas também internacionalmente:

A interdependência deve transformar-se em solidariedade, fundada sobre o principio de que os bens da criação são destinados a todos: aquilo que a atividade humana produz, com a transformação das matérias-primas e com a contribuição do trabalho, deve servir igualmente para o bem comum de todos (SRS, n. 39).

A organização da sociedade em nível mundial leva ao desafio da "globalização da solidariedade" (Ecclesia in America, n. 55), que ultrapassa fronteiras nacionais e que se deve consolidar por uma nova ordem mundial.

e)A busca do bem comum é a meta maior da sociedade

o bem comum é um conceito básico do ensino social. Em sentido geral, significa o bem de todos e para todos, a ser buscado e construí do com a colaboração de todos. Deve ser a meta da sociedade e da ação dos governos. Nas condições atuais de interdependência entre as nações, esse bem não se restringe às condições internas de cada país, mas adquire dimensão mundial, como nos adverte o Concílio Vaticano II:

A interdependência cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição - se tome hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo gênero humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda família humana (GS, n. 26).

As pessoas, famílias ou comunidades menores não são capazes, por si sós, de chegarem ao pleno desenvolvimento. Daí a necessidade da organização política da sociedade, cuja meta é cuidar que as pessoas consigam os bens necessários - bens materiais, culturais, morais e espirituais - para viver uma vida autenticamente humana. O bem comum guarda uma referência ao bem comum universal e a toda nossa história, que começa, insere-se e culmina em Cristo. As encíclicas têm muitas indicações sobre o conteúdo do bem comum. Por exemplo: a moralidade pública, a educação e a cultura, o empenho para preservar e fomentar a paz interna e no exterior; a organização correta dos poderes do Estado, a preservação do ambiente e do território nacional, os serviços essenciais de saúde, transporte, habitação e comunicações.

O bem comum tem uma dimensão essencialmente ética.

Por isso, ele ultrapassa a busca de bens materiais, pois seu fim é contribuir à maturação e aperfeiçoamento das pessoas em todas as suas dimensões. A responsabilidade de promover o bem comum é de todos: "é necessário que todos participem, cada um segundo o lugar que ocupa e o papel que desempenha na promoção do bem comum" (CIC, n. 1913). A meta do bem comum é estabelecer uma "civilização do amor".

f) O princípio da subsidiariedade deve ser respeitado

Consiste na promoção dos diversos âmbitos de liberdade e responsabilidade, no estímulo ao dinamismo e à criatividade de cada grupo ou instância, evitando as interferências de níveis superiores em assuntos que os níveis inferiores podem muito bem resolver. Pio XI, já em 1931, nos deu uma definição precisa desse princípio:

Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e empenho, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que as sociedades menores e inferiores podem conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social (QA, n. 79).

A ajuda solidária que se presta a pessoas, grupos ou países deve ter como finalidade principal apoiá-los na sua capacidade de se desenvolver por si mesmos e a contribuir para o bem comum. A experiência mostra que, quanto mais as pessoas interessadas se envolvem na tomada de decisões, maior é a chance de elas também se envolverem e empenharem na execução.

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Constitui um direito e um dever e consiste não só em "ser parte", mas em "fazer parte" e "ter parte". Significa ser sujeito ativo na tomada de decisões, na gestão, nas ações comuns e na partilha dos resultados. Na convivência humana, devido ao modo de as pessoas se conhecerem, de trabalhar e se relacionar, "exprime-se cada vez mais nítida, nesses novos contextos, uma dupla aspiração, mais viva à medida em que se desenvolvem a sua informação e educação: a aspiração à igualdade e a aspiração à participação; trata-se de dois aspectos da dignidade do homem e da sua liberdade" (OA, n. 22). Na mesma encíclica, João Paulo II constata que "a dupla aspiração à igualdade e à participação procura promover um tipo de sociedade democrática" (OA, n. 24). Há diversos modelos de democracia, mas nenhum deles plenamente satisfatório. O cristão tem a obrigação de participar na busca pela melhor organização da sociedade, no estabelecimento das leis e na gestão dos negócios públicos, bem como na eleição dos governantes e na participação em eleições. "A Igreja considera digno de louvor e consideração o trabalho daqueles que se dedicam ao bem da coisa pública e ao serviço dos homens e assumem as responsabilidades desse cargo" (GS, n. 75).

Entretanto, não basta eleger governantes; é preciso acompanhar suas ações e cobrar que prestem contas dos seus mandatos. É preciso prevenir e combater toda forma de corrupção eleitoral e de captação ilícita de votos. O direito à participação perde eficácia "por causa de favoritismos e de fenômenos da corrupção, que não só impedem a legítima participação na gestão do poder, mas dificultam o acesso eqüitativo de todos aos bens e serviços comuns" (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 1999, n. 6). Na busca de uma justa igualdade, é preciso prestar atenção especial às pessoas que não têm atendidas as suas necessidades humanas fundamentais (cf. CA, n. 34).

Enfim, é fundamental lembrar que participação cidadã implica o reconhecimento e gozo de direitos e o cumprimento de deveres: "Reconheçam-se, conservem-se e promovam-se os direitos de todas as pessoas, famílias e grupos, assim como o seu exercício, juntamente com os deveres, aos quais estão obrigados todos os cristãos" (GS, n. 75). É importante lembrar que a cada direito corresponde um dever. Quem não cumpre com seus deveres, tem pouca moral para cobrar os próprios direitos. Além disso, respeitar e promover o direito do próximo constitui dever de cada cidadão. Nisso se realiza um princípio básico da convivência humana, isto é, a reciprocidade, ligada ao dever de justiça.

h)O desenvolvimento humano genuíno é integral e inclui a todos

Constitui o objetivo da vida social. O desenvolvimento não pode ser reduzido ao crescimento econômico. A visão economicista entrou em crise, por que "hoje, compreende-se melhor que a mera acumulação de bens e serviços, mesmo em beneficio da maioria, não basta para realizar a felicidade humana" (SRS, n. 28). A experiência mostrou que, se o crescimento econômico não for regido por uma intenção moral, esse pode voltar-se contra o homem para o oprimir. O enriquecimento sem o crescimento espiritual pode levar a pessoa a afastar-se dos outros, toma-a prisioneira de si e pode causar divisões, como afirma Paulo VI:

Tanto para os povos como para as pessoas, possuir mais não é o fim último. Qualquer crescimento é ambivalente. Embora necessário para o homem ser mais homem, toma-se contudo prisioneiro no momento em que se transforma no bem supremo que impede ver mais além. Então os corações se endurecem, os espíritos fecham-se, os homens já não se reúnem pela amizade mas pelo interesse, que bem depressa os opõe e os desune. A busca exclusiva do ter forma, então, um obstáculo ao crescimento do ser e se opõe à sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente do subdesenvolvimento moral (PP, n. 19).

O desenvolvimento genuíno é integral. Refere-se ao homem todo e a todos os homens, especialmente aos pobres e excluídos, resgatados em sua dignidade de filhos de Deus. Dessa forma, "entre evangelização e promoção humana, desenvolvimento e libertação, existem, de fato, laços profundos" (Ecclesia in Africa, n. 68). O desenvolvimento humano não exige apenas o concurso de técnicos, mas a contribuição de pessoas que proponham um humanismo novo,

que permita ao homem moderno o encontro com si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da amizade, da oração e da contemplação. Assim, poderá realizar-se em plenitude o verdadeiro desenvolvimento que é, para todos e para cada um, a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas (PP, n. 20).

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i)O exercício da cidadania se expressa na responsabilidade social

Uma referência importante ao tema da cidadania no magistério da Igreja diz respeito à colaboração entre os cidadãos e as autoridades públicas na promoção do bem comum.

A busca do bem comum deve reger as ações dos cidadãos nas diversas esferas. A ligação dinâmica e criativa entre os empreendimentos da iniciativa privada e a busca do bem comum ou do interesse público não é fácil de estabelecer, sobretudo no sistema capitalista, em que a dinâmica no setor privado é regida pela busca do lucro. A participação cidadã, que ultrapassa o interesse privado, deve ser aprendida, debatida publicamente e expressa em ações concretas. Ela se realiza tanto na dimensão da vida pessoal de cada cidadão como no âmbito da ética empresarial e da responsabilidade social das empresas. Tendo em conta as limitações impostas às empresas dentro do sistema capitalista, e as críticas que a Igreja faz ao sistema do capitalismo liberal, os cidadãos conscientes se empenham por buscar alternativas de organização social da produção. As experiências de empresas de economia solidária e o sistema cooperativista são formas alternativas de organização, que buscam conferir prioridade ao processo de trabalho e não ao capital, privilegiando o atendimento das necessidades humanas, "num processo de livre auto-organização da sociedade, com a criação de instrumentos eficazes de solidariedade, capazes de sustentar um crescimento econômico mais respeitador dos valores da pessoa" (CA, n. 16).

4.Como podemos organizar-nos para enfrentar esses desafios?

Os desafios apontados no início deste estudo poderiam ser enfrentados com sucesso, se houvesse vontade política e ações estruturadas que encaminhassem soluções eficazes, levando em conta os princípios antes apontados. O que falta para que isso aconteça? Podemos citar duas exigências, que estão em íntima correlação. A primeira é uma profunda conversão, pessoal e social. A segunda consiste na organização de forças e na geração de processos que possam produzir e sustentar as mudanças necessárias.

Há necessidade de transformação profunda nas pessoas para que façam a experiência de uma vida mais sóbria, de partilha de bens e de empenho solidário em projetos a serviço do bem comum. Pessoas e grupos assim renovados passarão a organizar-se e a acreditar na mudança.

Uma questão fundamental é a mudança de mentalidade, isto é, mudança do inteiro modo de pensar e de agir, e ponto de partida para urna mudança na ordem social. Escrevem os bispos do Brasil:

O resgate da dignidade dos pobres não pode limitar-se à assistência emergencial, mas exige a transformação da sociedade e da economia, numa nova ordem voltada para o bem comum. Apresenta-se aqui um impasse de difícil superação, uma vez que as transformações estruturais exigem, para serem empreendidas com eficácia, alteração nas leis que não pode ser concretizada sem mudança profunda de mentalidade. Estamos dispostos a reconhecer a nossa conivência com o apego aos bens materiais? Percebemos que toda convocação para uma ação conjunta por parte da Igreja, em colaboração com as demais entidades da sociedade, requer como pressuposto o testemunho evangélico e ético? Como implantar na própria Igreja uma economia de solidariedade? (CNBB, Doc. 69, n. 21).

Uma segunda exigência é a formação de organizações e movimentos sociais, com a participação cada vez mais ampla dos cidadãos. Sem essa mobilização, as mudanças não saem. E quando saem, ou chegam tarde ou são tímidas, parciais e não abrangentes. O problema maior, como lembram os bispos, muitas vezes, não é a falta de boas leis, mas a falta de cumprimento das leis existentes. Como reverter essa situação? No mesmo texto, podemos ler o seguinte:

A principal lição desse processo no qual os direitos são reconhecidos, mas pouco implementados, é que só prevalecem, na agenda da política social, os direitos respaldados pela consciência de cidadania e pela participação política de entidades e movimentos sociais organizados. São eles que, em última instância, resgatam as conquistas jurídicas para a vida prática (CNBB, Doc. 69, n. 52).

5. Conclusão: um convite à participação

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um dos objetivos da ação evangelizadora da Igreja no Brasil" (DG, 2003-2006, n. 156). Entre as práticas e iniciativas solidárias citam-se as Campanhas da Fraternidade anuais e o Mutirão Nacional para a Superação da Miséria e da Fome. Incentiva-se também o engajamento no voluntariado, tanto em ações da Igreja Católica, tais como a Pastoral da Criança e as Conferências Vicentinas, quanto em Organizações Não-Governamentais (cf. DG, nn. 157 e 160). Propõe ainda a reivindicação de políticas públicas para as diversas áreas sociais e a participação política, na busca de uma democracia autêntica, e não apenas formal.

Nas pistas de ação, os bispos pedem às comunidades cristãs que "empenhem-se em formar uma consciência moral e uma prática social de inspiração cristã e incentivem o diálogo e a reflexão de teólogos, pastoralistas, cientistas e outros profissionais acerca dos novos problemas de ordem ética que o avanço das ciências suscita em campos do saber e do agir humanos" (DG, n. 185). Além das questões de bioética, cita-se a preservação do meio ambiente e outros problemas que tocam um desenvolvimento humano genuíno.

Sistematizando o debate sobre as questões sociais, a Igreja no Brasil vem realizando, desde 1991, as chamadas "Semanas Sociais Brasileiras". Centradas em tomo de eixos temáticos, as Semanas Sociais buscam envolver todas as camadas sociais em diversas iniciativas de análise, debate e busca de soluções.

Fica o convite à participação na Semana Social da sua cidade ou região e em outros debates que envolvam nossa participação na construção de um Brasil mais justo, mais fraterno e menos desigual.

Questões para reflexão e debate

1. Quais os desafios mais graves à ordem social em sua comunidade (cidade, bairro, vizinhança)?

2. Entre os princípios apontados no texto, quais são os que fazem mais falta no contexto em que você vive ou trabalha?

3. Você tem alguma experiência de militância social ou política? Partilhe-a com seu grupo. CAPÍTULO III

Ensino Social da Igreja Um tesouro a valorizar

Pe. Martinho Lenz, sj Introdução

O que é o Ensino Social da Igreja e quais as suas grandes lições? Qual a força atual dessa doutrina e a quem cabe colocá-Ia em prática? Essas perguntas vão ocupar-nos nesta breve síntese introdutória.

A Igreja se entende como "perita em humanidade" (PP, n. 70). Ela tem algo importante a dizer no campo econômico e social, a partir de sua história e de sua experiência. Ao fazê-Io, ela cumpre a missão de

evangelizar. Buscando entender os grandes problemas da atualidade e os desafios que eles significam para uma convivência justa e pacífica e para a própria sobrevivência da espécie humana, a Igreja constrói uma doutrina social, isto é, "um conjunto de princípios de reflexão, critérios de julgamento e diretrizes de ação" (OA, n. 4) no campo das questões políticas e socioeconômicas.

A Igreja trata dessas questões sob o ponto de vista ético e moral, não do ponto de vista técnico ou ideológico. Por isso, a Doutrina Social da Igreja constitui um corpo próprio de conhecimentos, superando visão ideológica, um ensino que tem suas raízes na ética filosófica e na teologia moral. Escreve João Paulo II, na encíclica Solicitude Social:

A Doutrina Social da Igreja não é uma "terceira via" entre o capitalismo liberalista e o coletivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos

radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesmo uma categoria. Não é tampouco uma ideologia [...]. A sua finalidade principal é interpretar as realidades, examinando sua

conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho [...]. Visa, pois, orientar o comportamento cristão (SRS, n. 41).

A Doutrina Social da Igreja constitui assim, ao mesmo tempo, uma reflexão e uma proposta ética e moral para o agir cristão nas realidades socioeconômicas, políticas e culturais do nosso tempo.

Neste capítulo, far-se-á uma breve síntese do ensino social da Igreja, de suas etapas de formulação e das principais lições desse ensino, retomando aquilo que já estudamos.

Neste esforço, servirá de modelo o texto preparado pela equipe do Center of Concern, dos jesuítas de Washington, Nosso grande segredo: Ensino Social da Igreja - herança e compromisso (ESI), aparecido nos

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EUA em 1988 e publicado no Brasil pela Vozes, em 1993, com tradução de Dom Orlando Octacílio Dotti. No último tópico deste capítulo, procura-se trazer essa doutrina para mais perto de nós, respondendo à pergunta sobre os sujeitos chamados a pôr em prática essa doutrina.

1. De Leão XIII ao Concílio Vaticano II

Podemos distinguir duas grandes etapas na formulação da Doutrina Social da Igreja: a primeira, o período de Leão XIII até o Vaticano lI; e a segunda etapa, o período que se seguiu a esse Concílio até os nossos dias.

Desde o lançamento da primeira encíclica social por Leão XIII em 1891 até o Concílio Vaticano II temos quatro grandes encíclicas sociais, além de algumas alocuções importantes de Pio XII, culminando com a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, uma espécie da carta magna do ensino social da Igreja:

Rerum Novarum (Leão XIII, 1891), "sobre a condição dos operários". Para Leão XIII, os três fatores básicos da vida econômica são os trabalhadores, a propriedade produtiva e o Estado. O justo e adequado inter-relacionamento entre esses fatores é assunto crucial para o bem-estar da sociedade, segundo essa encíclica. Ela defende o direito dos operários de ter acesso à propriedade, como fruto de um trabalho remunerado com justiça, e de se associarem em sindicatos; mostra as obrigações e limites da intervenção do Estado.

Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931), a encíclica "sobre a restauração e o aperfeiçoamento da Ordem Social": trata da "reconstrução da ordem social". Critica tanto o capitalismo como o comunismo e discute a questão do justo salário e de uma reta ordem política. Formulou o princípio de subsidiariedade. Como diz o texto do Center of Concern, a encíclica apontou a responsabilidade da propriedade privada, para o direito dos trabalhadores ao emprego e ao justo salário e à organização para reivindicar seus direitos. Insiste no papel dos governos na promoção do bem comum de toda a sociedade. Qualquer empreendimento econômico está sujeito à justiça e à caridade, como leis básicas da vida social (p. 22).

Mater et Magistra (João XXIII, 1961), "sobre a recente evolução da questão social à luz da doutrina cristã", usa o método ver-julgar-agir; afirma a função social da propriedade e advoga uma política de apoio à agricultura familiar e ao cooperativismo; define o bem comum como "o conjunto de condições que permitem e favorecem nos seres humanos o desenvolvimento integral da personalidade" (n. 62); expõe as exigências da justiça nas relações entre setores produtivos e no campo da cooperação entre nações.

Pacem in Terris (João XXIII, 1963), sobre "A Paz dos Povos", apresenta duas questões centrais: a brecha entre ricos e pobres e as ameaças à paz mundial. Os cristãos e todas as pessoas de boa vontade são chamados a colaborar na criação de estruturas locais, nacionais e internacionais, com vistas à promoção da dignidade humana, da justiça e da paz. Pacem in Terris enfatiza os direitos econômicos e sociais e a necessidade de que se analisem os sinais dos tempos (PT, n. 39); faz a distinção entre ideologias e movimentos históricos concretos (PT, n. 159); propõe critérios para uma verdadeira paz entre comunidades políticas e para as relações na comunidade mundial; vê a consolidação da paz como fruto de uma "ordem fundada na verdade, construída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade" (PT, n. 167).

O Concílio Vaticano II marca o fim de uma era e o começo de outra. A Gaudium et Spes (GS), Constituição Pastoral "sobre a Igreja no mundo de hoje", constitui a grande referência para uma nova visão de Igreja e um novo relacionamento da Igreja com o mundo moderno. Da missão especificamente religiosa da Igreja, segundo o Concílio, "deriva um encargo, uma luz e uma energia que podem servir para a organização e o fortalecimento da comunidade humana segundo a lei de Deus" (GS, n. 42). Consolidando todo o ensinamento da Igreja no campo social, o Concílio trata nesse documento da condição e vocação humana e da dignidade da pessoa humana; dos fundamentos éticos da comunidade humana e da atividade

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humana no mundo; aborda ainda os problemas mais urgentes nos campos do matrimônio e da família; trata da promoção do progresso cultural, da vida econômico-social, da comunidade política e da promoção da paz na comunidade internacional.

2. Depois do Vaticano II

Novos horizontes ampliam os temas e os lugares do discurso social: pronunciamentos dos Papas (Paulo VI e João Paulo II), os Sínodos dos Bispos e as Conferências Episcopais. "Os papas e os bispos foram tomando consciência de que a escuta da Palavra de Deus nos acontecimentos da história não é tarefa simples. Reconheceram que a Igreja não tem, nem imediata nem universalmente, soluções válidas para todos os complexos e prementes problemas da sociedade" (ESI, n. 24).

Ensinamentos sociais de Paulo VI, em três encíclicas:

A Populorum Progressio (1967), "sobre o desenvolvimento dos povos", aponta para a dimensão estrutural da injustiça no mundo e para o direito de todos de se tomarem participantes do desenvolvimento integral, em espírito de colaboração solidária, e declara que "o desenvolvimento é o novo nome da paz". Afirma que "os leigos devem assumir como tarefa própria a renovação da ordem temporal" (esse apelo deu origem às Comissões Justiça e Paz).

Em Octogesima Adveniens (1971), Paulo VI faz um chamado à ação e aponta para a missão e as responsabilidades das comunidades eclesiais. "É às comunidades cristãs que cabe analisar, com objetividade, a situação própria de seu país, procurando iluminá-Ia, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho; a elas cumpre haurir princípios de reflexão, normas de julgar e diretrizes para a ação, na Doutrina Social da Igreja, tal como ela tem sido elaborada, no decurso da história [...]" (OA, no 4). Os cristãos são chamados a discernir, em comunhão com os seus bispos e em diálogo com os outros irmãos cristãos, as opções e os compromissos que convêm tomar, para se operarem as transformações sociais, políticas e econômicas que se apresentam como necessárias, com urgência em não poucos casos (OA, n. 4).

Em Evangelii Nuntiandi (1975), sobre a evangelização do mundo contemporâneo, Paulo VI lembra que há uma profunda e necessária ligação entre evangelização e promoção humana, laços de ordem antropológica, teológica e evangélica: não é possível aceitar que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, pelo que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso porventura acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre ou se encontra em necessidade.

O Sínodo adverte ainda que é preciso evitar a confusão e a ambigüidade, resistindo à tentação de reduzir a missão libertadora "às dimensões de um projeto simplesmente temporal, [...] a uma visão antropocêntrica e [...] ao bem-estar material" (EN, n. 32) Isso porque a libertação evangélica "deve ter em vista o homem todo, integralmente, em todas as suas dimensões, incluindo sua abertura para o absoluto, mesmo o absoluto de Deus" (EN, n. 33)

João Paulo II também publicou três grandes encíclicas Sociais:

Laborem Exercens (1981), sobre o trabalho humano, que vê o trabalho como a chave essencial de compreensão da questão social e proclama como exigência central de uma sociedade justa a prioridade do trabalho sobre o capital; aprofunda as críticas ao liberalismo econômico e ao socialismo coletivista; analisa o conflito entre trabalho e capital e os caminhos de superação desse conflito; proclama os direitos dos homens e das mulheres que trabalham, e propõe elementos para uma espiritualidade do trabalho.

Sollicitudo Rei Socialis (1987), Solicitude Social da Igreja, enfoca o elo estreito entre justiça e paz e a necessidade de o Terceiro Mundo trilhar um caminho próprio de desenvolvimento, não determinado pelo confronto entre as grandes potências; critica as "estruturas de pecado" ("conjunto de fatores negativos que agem em sentido contrário a uma verdadeira consciência do bem comum universal e à exigência de o favorecer"), que têm sua raiz em atitudes que se opõem à vontade de Deus, sobressaindo hoje a "avidez

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