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Afirmava Beccaria sobre os delitos patrimoniais:“Os furtos não acompanhados de violência deveriam ser punidos com penas pecuniárias. Quem procura apoderar-se do alheio deveria ser privado do próprio.”

Com a consolidação da ideia da falência do sistema penitenciário brasileiro, e até mais amplamente, da pena privativa de liberdade em si (que acaba por subsistir em virtude da falta de uma solução eficaz para a questão), muito se discute a respeito das outras modalidades de penas. Especialmente com relação a delitos que movimentam quantias milionárias como os crimes empresariais, reacende-se a discussão sobre se a pena pecuniária não seria uma forma mais adequada de punição. Ela, de fato, já é aplicada em vários deles cumulada com a privação de liberdade.

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incapaz de recuperar os criminosos. Ainda mais alarmante se mostra a situação quando considerada a criminalidade em tela, em que o infrator poderá passar um tempo razoável preso e ainda assim o crime terá compensado, em virtude de um grande patrimônio que ficou acumulado e é usufruído por sua família e até pelo próprio criminoso ao deixar o sistema prisional.

Antes de mais nada, cumpre diferenciar as modalidades de pena pecuniária: confisco, indenização ao ofendido e multa. De acordo com Bittencourt , o confisco foi abolido da maioria das legislações penais modernas; no entanto, a Constituição Federal de 1988 previu sua possibilidade, por meio da expressão “perda de bens” A multa indenizatória, por sua vez, é defendida pelos estudiosos da área e tem sua aplicação cada vez mais difundida em substituição às penas de curta duração; a legislação penal brasileira atual, no entanto, ainda não prevê sua cominação de forma consistente. Por fim, tem-se a pena de multa propriamente dita, que é consagrada por quase todas as legislações penais tradicionais. Esta distingue-se das penas civis e administrativas mormente por duas características: sua conversão em privação de liberdade, caso não seja paga e seu caráter personalíssimo (logo, intransmissível).

A possibilidade da pena de multa contenta os estudiosos do custo do crime, uma vez que tanto deixa de dar ao Estado as elevadas expensas concernentes à manutenção de um condenado, quanto ainda traz retornos positivos aos cofres públicos (que podem receber as mais variadas destinações). Sofre críticas, no entanto, por ser considerado amoral o locupletamento do Estado às custas do crime, que deveria lutar para prevenir.

De todo modo, é notório que no sistema penal brasileiro as penas pecuniárias se tornam mais ineficientes a cada dia, seja pela cominação de valores insuficientes para atender às finalidades da pena, ou pela sua inexigibilidade, uma vez que atualmente, caso não seja paga, não é convertida em pena privativa de liberdade. O sistema de dias-multa, adotado pelo Código Penal Brasileiro, hoje ganha maior aplicabilidade nas legislações extravagantes (como a Lei de Mercado de Capitais, Lei 4728/65), que na verdade o aplicam de modo diverso do previsto pelo código. E ainda para corroborar a sua ineficiência, tem-se o fato de que sua execução depende de

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providências processuais e administrativas que podem levar anos, enquanto sua prescrição corre no prazo de dois anos.

Considerado todo o exposto, para que se atenda as finalidades da pena, é indiscutível que a prestação pecuniária deve ser reavaliada, com o consequente estabelecimento de novos critérios. Caberia aqui a intervenção da Análise Econômica do Direito, que com estudos mais aprofundados sobre o instituto, poderia determinar uma dosimetria que atendesse à dissuasão da pena bem como à compensação pelos custos do crime.

5. CONCLUSÃO

Desde os sucessivos escândalos no Sistema Financeiro Nacional a partir da década de 1970, as discussões a respeito da criminalidade empresarial tem ocupado um espaço cada vez mais relevante no meio acadêmico. O aumento da ocorrência (ou da constatação) desses crimes, bem como os grandes prejuízos por eles trazidos evidenciam o despreparo dos operadores do Direito em tratá-los adequadamente, além de outras deficiências no sistema jurídico brasileiro nesse ponto. A legislação se mostra fragmentada, com a disciplina dispersa por uma série de diplomas, o que acaba fazendo com que não sejam devidamente estudados e inclusive com que alguns deles restem esquecidos por uma grande maioria dos profissionais do Direito. A jurisprudência, por sua vez, não demonstra qualquer uniformidade, com tribunais contradizendo seus próprios entendimentos no que concerne ao tema.

Observa-se um paradoxo no tratamento judicial desses crimes; hora restam impunes, hora a punição é excessivamente sopesada pela influência da mídia, pelo poder aquisitivo dos criminosos ou mesmo pela sensação de impunidade gerada na sociedade. A responsabilidade penal da pessoa jurídica permanece, no geral, aplicada apenas aos crimes ambientais, não obstante a lacuna com relação a outros crimes praticados por empresas (enquanto instituições, e não enquanto aparatos para proteger criminosos individuais). As penas pecuniárias, por sua vez, no atual sistema adotado pelo ordenamento brasileiro, se mostram uma alternativa ineficaz.

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Tal quadro evidencia a necessidade de se pesquisar novas ferramentas e alternativas para o Direito Penal, especialmente nessa seara. O presente estudo se pautou no seguinte questionamento: o criminoso é um agente racional, sujeito a incentivos? E assim, é a Análise Econômica do Direito uma ferramenta capaz de traçar propostas mais eficazes na persecução dos crimes empresariais? O objetivo do estudo foi analisar os crimes empresariais à luz da Análise Econômica do Direito e das novas teorias do Direito Penal. Por meio da investigação doutrinária e jurisprudencial utilizando o método hipotético-dedutivo, bem como da análise de outros sistemas jurídicos e das teorias econômicas por meio do método comparativo, foi possível confirmar a hipótese inicialmente traçada. Assim, constata-se que há uma forte indicação de que o criminoso empresarial, ainda que não seja exclusivamente racional, deixa determinar seu intento criminoso por uma análise de custo-benefício; logo, a Análise Econômica do Direito possui ferramentas hábeis a estudar seu comportamento, a fim de traçar formas de dissuasão e compensação eficientes.

A conclusão foi fundamentada após analisar-se a situação atual e a evolução histórica do tratamento legislativo e o levantamento jurisprudencial do tema, que demonstrou a necessidade de proposição de uma nova forma de quantificação das penas. Analisou-se também a discrepância entre os tratamentos da matéria no ordenamento brasileiro e no americano, pautado na Common Law. Não foi possível, por meio dessa análise, identificar qual deles é mais eficiente no combate a esses crimes; é certo que no sistema americano, por ano, ocorre um número muito superior de condenações. Não se pode afirmar, no entanto, se esse número se deve a uma política criminal mais eficaz ou ao fato de que o país apresenta instrumentos de identificação da ocorrência desses delitos mais avançados. Contudo, foi possível constatar que tal diferença no tratamento é fruto do quanto cada um desses sistemas atribui gravidade a esses crimes, em virtude de suas justificativas legislativas diversas.

Também não foi possível, por meio dessa análise, traçar de pronto uma nova proposta de penas que solucionasse o problema em questão. Entretanto, o estudo das abordagens econômicas com relação a esses crimes permitiu que se vislumbrasse a possibilidade de que tal proposta seja traçada, por meio de estudos mais aprofundados

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sobre o tema. Não se trata simplesmente de enrigecer ou aliviar as penas atualmente tipificadas; mas sim de encontrar penas adequadas, hábeis a cumprir com a sua finalidade. Aplicando as teorias econômicas com maior rigor técnico e análise de mais variáveis; conciliando a mensuração dos custos do crime com a sua dissuasão; examinando o resultado obtido à luz dos princípios do direito penal, e, por fim, adaptando-o aos seus fundamentos, é possível chegar a uma proposição mais eficiente para a punição desses crimes. A seguir, adotar o produto deste estudo enquanto uma política legislativa, alterando a dosimetria de uma parcela destes crimes e apurando sua eficácia prática.

Conclui-se, portanto, que o Direito Penal não deve ser estático e se acomodar num paradigma conservador sob o pretexto de proteger os bens juridicamente mais relevantes. É justamente para garantir tal proteção que ele deve acompanhar a evolução social e os novos instrumentos de estudo do direito, alcançando eficácia e efetividade.

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