• Nenhum resultado encontrado

Análise Econômica Do Direito E Crimes Empresariais: A quantificação das penas e os novos instrumentos de análise do direito penal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Análise Econômica Do Direito E Crimes Empresariais: A quantificação das penas e os novos instrumentos de análise do direito penal"

Copied!
38
0
0

Texto

(1)

40

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

Análise Econômica Do Direito E Crimes Empresariais

A quantificação das penas e os novos instrumentos de

análise do direito penal

Carolina Assis Castilholi

1. INTRODUÇÃO

Em muitos casos é impossível remediar o mal cometido, mas sempre se pode tirar a vontade de fazer mal, porque por maior que seja o proveito de um delito sempre pode ser maior o mal da pena.

Levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça apresentou que, em 2012, os tribunais brasileiros julgaram 1637 processos por corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. Casos recentes tiveram grande repercussão,

O trabalho examina os crimes empresariais à luz da Análise Econômica do Direito (Direito e Economia). Utiliza-se investigação doutrinária e levantamento jurisprudencial pelo método hipotético-dedutivo, bem como análise da perspectiva da Common Law e das teorias econômicas por meio do método comparativo. Examinando as teorias da dissuasão e da escolha racional, analisa o agente criminoso enquanto sujeito que responde racionalmente a incentivos. Demonstra-se que, visto que há indícios de que o criminoso nestes crimes é influenciado por fatores racionais, a Análise Econômica do Direito pode traçar ferramentas mais eficazes em sua prevenção e compensação. Palavras-chave: Crimes Empresariais. Análise Econômica do Direito. Política Criminal.

Resumo

This paper examines corporate crimes under the perspective of Economic Analysis of Law (Law and Economics). It uses doctrinal and jurisprudential investigation by the hypothetical-deductive method, as well as it examines the perspective of Common Law and the economic theories by comparative method. Examining how deterrence and rational choice theories analyze the criminal agent as someone who answers to rational incentives. The study shows that, once there’s evidence of the rational response of the offender, Economic Analysis of Law can trace tools more effective in prevention and compensation of such crimes.

Keywords: Corporate Crimes. Law and Economics. Criminal Policy.

(2)

41

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

chamando novamente a atenção para o tema, como a série de investigações sobre o crime conhecido como formação de pirâmide financeira , do qual foram acusadas as empresas BBom e Telex Free. Além destas, 11 outras empresas foram acusadas em uma ação parte de uma força-tarefa de membros do Ministério Público de diversos estados brasileiros para desmembrar esse tipo de atividade ilegal, entre eles Goiás, Espírito Santo, Acre, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco.

Um dos primeiros casos de destaque com relação à criminalidade com caráter econômico no mundo aconteceu no início da década de 60, com a conspiração para fixação das tarifas de energia elétrica nos Estados Unidos. O prejuízo foi da ordem de 2 bilhões de dólares, montante que supera a soma dos prejuízos relativos a todos os furtos ocorridos no país durante anos. Segundo Ivancevich, em 2001 os prejuízos estimados diretos e indiretos causados pelos denominados crimes de colarinho branco anualmente supera os dos crimes comuns (assaltos, agressão, roubos) numa proporção entre 17 a 32 vezes para 1.

Especialistas afirmam que um dos maiores danos dos crimes “de colarinho branco” é o efeito gerado na população brasileira pela ideia de reforço à impunidade. Em um cenário em que 70% dos mandados de prisão emitidos entre 2011 e o início de 2013 no Brasil não foram cumpridos, uma das grandes questões levantadas é se o Ordenamento Brasileiro está preparado para lidar com este tipo de crimes. Não se trata de simplesmente enrijecer a punição, mas de encontrar o equilíbrio adequado, a pena que seja capaz de preveni-los à medida que confira uma punição proporcional à sua gravidade. Na realidade, muitas das vezes as penas aplicadas atualmente não são capazes de evitar a ocorrência de tais crimes, ainda que sejam cometidos sem a influência de aspectos emocionais. O que agrava ainda mais a situação é o fato de que, cada vez que um crime de colarinho branco é cometido, o prejuízo para a parte lesada (que em grande parte dos casos é a coletividade) é milionário. De acordo com Roberto Testa no Relatório Anual da Norton-Symantec, apenas os crimes eletrônicos geraram perdas de 117,4 bilhões de dólares no mundo todo, nos últimos doze meses .

Fato é que, não raras vezes, o legislador ou mesmo o aplicador do Direito toma decisões sem levar em consideração o impacto que aquela lei ou decisão poderá

(3)

42

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

provocar nos indivíduos a que sua tutela diz respeito, quanto menos os efeitos indiretos que a nova medida pode provocar no grupo ou na sociedade como um todo. Ainda que a intenção legislativa seja a da proteção, o objetivo pode não ser atingido, e ainda gerar um efeito contrário, trazendo danos justamente a quem buscava proteger. Um caso apreciado recentemente pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reacendeu tal discussão. O Tribunal, considerando preponderante o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito constitucional à moradia, decidiu que locatários inadimplentes com idade superior a sessenta e cinco anos não poderiam ser despejados. No entanto, a consequência que adveio de tal decisão foi que os proprietários de imóveis não mais aceitavam celebrar contratos de locação com idosos, temendo a inadimplência impune dos mesmos. A chamada “realocação de recursos no mercado” se deu de forma a desprivilegiar os idosos perfeitamente adimplentes, que agora encontram dificuldades para celebrar contratos de locação em seu próprio nome.

Neste contexto, surge a Análise Econômica do Direito, considerada um dos movimentos mais relevantes na literatura jurídica do século passado. Ela consiste num conjunto teórico baseado na aplicação de teorias e ferramentas econômicas, especialmente aquelas da Microeconomia, às instituições jurídicas e ao sistema jurídico como um todo. As primeiras teorias do Direito com embasamento em conhecimentos da economia são atribuídas a Beccaria, um dos mais tradicionais e importantes doutrinadores do direito penal. No entanto, o segmento, difundido nos Estados Unidos como “Law and Economics”, tomou forma graças aos estudos de Ronald H. Coase, com destaque para sua obra “The Problem of Social Cost”, lançada em 1960, bem como dos estudos de Guido Calabresi, com sua obra “Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts”.

Ao contrário do que afirmam críticas apressadas, o escopo da Análise Econômica do Direito não é defender o não-intervencionismo do sistema jurídico no sistema econômico pura e simplesmente. Uma de suas correntes mais respeitadas, que será adotada neste trabalho, é a que entende a disciplina como uma ferramenta para a tomada de decisões jurídicas (sejam a elaboração de leis ou a interpretação e aplicação das mesmas), usando conceitos e ferramentas da economia para prever as consequências

(4)

43

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

de tais normas. Identificar, assim, possíveis efeitos dos atos jurídicos em questão sobre o comportamento dos atores sociais, retirando as consequências de um plano secundário e trazendo-as para o centro das discussões, a fim de se aproximar do assim chamado “ideal de justiça”. A relação entre o método jurídico e o método jus-econômico deve ser de complementariedade e não de substituição ou oposição.

O constante crescimento da identificação de casos de crimes empresariais, bem como das vultosas somas que compreendem os danos por eles provocados, evidenciam o despreparo dos operadores do direito para lidar com tal sorte de crimes. A tipificação sobre o assunto está dispersa no ordenamento e a doutrina é parca, acarretando a falta de uniformidade no tratamento jurispridencial. Deste modo, as punições que são aplicadas mostram-se desproporcionais aos crimes cometidos e, na maioria das vezes, ineficazes para sua prevenção. O presente estudo se propõe a, a partir da emblemática obra de Beccaria “Dos Delitos e das Penas”, desenvolver uma análise da legislação vigente, das tendências sociais e jurisprudenciais no Brasil e nos sistemas pautados pela Common Law, bem como dos estudos econômicos que permeiam o tema, a fim de constatar se a Análise Econômica do Direito pode ser uma ferramenta para traçar punições mais adequadas para os referidos crimes, com vistas a alcançar a eficácia em sua prevenção.

2. OS CRIMES EMPRESARIAIS NO ORDENAMENTO E NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIROS

Os maiores crimes de hoje implicam mais manchas de tinta do que de sangue.

A disciplina dos crimes empresariais ainda é inconsistente no Direito Brasileiro. A legislação pertinente se encontra dispersa em uma série de diplomas e os tribunais brasileiros dispensam um tratamento heterogêneo ao tema. O ponto que mais se aproxima de um consenso na doutrina é a busca de um perfil do criminoso neste segmento: na maioria dos casos de white collar crimes, o agente ostenta respeitada posição socioeconômica, pratica o delito sem qualquer ato de violência e sua finalidade é um substancial ganho financeiro. De fato, o criador da terminologia white collar

(5)

44

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

crimes, Edwin H. Sutherland, quando publicou o conceito em 1949 também se baseou no perfil do criminoso: “É uma ofensa cometida por uma pessoa de respeitabilidade e alto status social no curso de sua ocupação”. Os crimes empresariais são considerados um segmento específico dos crimes de colarinho branco, em que, além das características mencionadas, uma estrutura empresarial é intrínseca ao cometimento do delito.

Ao estudar o tema é importante, em primeiro lugar, diferenciar os seguintes conceitos: criminalidade na empresa, criminalidade de empresa (criminalidade empresarial) e empresa ilícita. A chamada “criminalidade na empresa” nada mais é do que o cometimento de crimes comuns por colaboradores contra a própria empresa ou terceiros, não sendo o objeto específico deste trabalho. Por sua vez, a “criminalidade de empresa” abrange a “inserção de condutas ilícitas no contexto de uma atividade e de uma política da empresa no restante lícita”, crimes “que se cometem através de uma atuação que se desenvolve no interesse de uma empresa”. Bernd Schünemann conceituou criminalidade de empresa com base em sua definição de delitos econômicos, qual seja “todas as ações puníveis que se cometem no âmbito de participação na vida econômica ou em estreita conexão com ela”. A criminalidade de empresa (Unternehmenskriminalität) seria, assim, a “soma dos delitos econômicos que se cometem a partir de uma empresa”, ou seja, “por meio da atuação para uma empresa”. A empresa ilícita, por fim, é entendida como aquela “heterodirigida por uma estrutura criminal e a ela submetida” , com “clara característica de organização criminal, ou seja, aquela em que a obtenção de lucro se faz por meios ilícitos (crimes)” .

Cada uma das situações enquadradas nos conceitos supracitados recebe um tratamento do Direito Penal. O que se tem visto com frequência, contudo, é a confusão da criminalidade de empresa com a empresa ilícita, implicando a punição inadequada, bem como a subsunção automática no crime de quadrilha ou bando sempre que sejam denunciados mais de três colaboradores da empresa responsáveis pelas irregularidades, o que na verdade não atende à interpretação teleológica do tipo.

(6)

45

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

2.1 Contexto histórico

Embora crimes relativos ao sistema econômico sejam cometidos desde o início das relações econômicas, é perceptível que se desenvolveram simultaneamente à consolidação da indústria moderna, sendo denominados criminalidade de segunda geração. O processo de criminalização dessas condutas surgiu com o aumento da prerrogativa intervencionista do Estado, depois da crise de 1929.

O Direito Penal Econômico é, por natureza, conjuntural e pontual. Assim é que a situação de conjuntura em que se desenvolvem os negócios... guerra, depressão econômica, etc, podem fortalecer os estímulos sociais relativos à tendência para descrever novos delitos.

No Ordenamento Brasileiro, a primeira legislação que demonstrou influência desta tendência internacional, abordando aspectos de criminalidade econômica foi o Decreto-lei nº 22.626 de 7 de abril de 1933, conhecida como Lei da Usura. Editada por influência dos significativos prejuízos à circulação de crédito decorrentes da crise de 29, ela tinha como objetivo reestabelecer sua normalidade, e criminalizava condutas que ocultassem cobranças de juros acima do limite legal. Pouco tempo depois, em 4 de abril de 1935, foi promulgada a Lei de Segurança Nacional, apelidada pela oposição ao regime do presidente Getúlio Vargas de “Lei Monstro”, que tipificava os crimes contra a ordem política e social. Esses diplomas se destacaram, sobretudo, por tipificar práticas que tinham como vítima a coletividade.

Em 1941, a participação do Brasil no 2° Congresso Latino-Americano de Criminologia em Santiago, no Chile, foi determinante para o tratamento da criminalidade econômica no ordenamento pátrio. Apoiando a posição de Eusébio Gomes, assim dispôs o voto brasileiro:

1) devem ser considerados crimes os atentados à economia; 2) Devem ser punidos como crimes econômicos de tal natureza, entre outros: a) os fatos tendentes a produzir a alteração artificial dos preços dos artigos de primeira necessidade; b) a destruição voluntária de riquezas que cause danos sociais; c) a não-exploração de meios de produzir riquezas no mesmo caso; d) a usura, os atos das maiorias nas sociedades por ações e outros tendentes a produzir o lucro pessoal dos indivíduos que as componham em detrimento do interesse do grupo societário; 3) Os delitos econômicos devem ser reprimidos

(7)

46

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

independentemente do resultado pretendido por seus autores; 4) é conveniente que os governos tenham especial cuidado técnico na redação das leis referentes aos delitos econômicos e, particularmente, nas que afetem a “trusts” e monopólios.

O fim do ano de 1951 trouxe importantes contribuições em termos de produção legislativa relacionada ao direito penal econômico. Em 26 de dezembro daquele ano, foi promulgada a lei que disciplinava os crimes contra a economia popular. Foi um dos diplomas mais importantes em tal campo de estudos, com a criminalização da gestão temerária de instituição financeira, da prática de dumpinge da pirâmide financeira, entre diversos outros. Além disso, é considerado um dos primeiros diplomas a proteger criminalmente os direitos e interesses metaindividuais. Vários de seus tipos penais foram revogados por leis posteriores; no entanto, alguns deles permanecem vigentes até os dias de hoje, apesar de pouco efetivos, uma vez que a maioria dos agentes públicos responsáveis pela persecução dessas infrações raramente se utilizam da referida lei.

Passados quinze anos, começaram as alterações para que a lei dos crimes contra a economia popular se adaptasse à evolução social ocorrida nesse intervalo, quando o então presidente General Humberto Castello Branco emitiu ao Congresso o projeto de lei 4.595 de 31 de dezembro de 1964, criando o Conselho Monetário Nacional e reorganizando as instituições monetárias, bancárias e creditícias no Brasil. Sucessivamente,em 14 de julho de 1965 foi sancionada a Lei 4.728, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Seu principal ponto de destaque é a determinação, no artigo 4°, §2º de que se o Banco Central tomar conhecimento de tais crimes, de ação pública, oficiará o Ministério Público para que instaure o inquérito. A medida buscava aumentar a efetividade na persecução das referidas infrações.

Alguns anos mais tarde, apresenta-se um marco no estudo da criminalidade econômica, quando, em 16 de junho de 1986, foi promulgada a Lei 7.492, que dispôs sobre os Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. Sob influência das novas legislações italianas e americanas (primeiros países a disciplinar a lavagem de capitais), a referida lei substituiu quase completamente as disposições da Lei 4.595/64, e trouxe,

(8)

47

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

pela primeira vez no Ordenamento Brasileiro, a alcunha “crimes do colarinho-branco”. Sua elaboração foi motivada pelas lacunas da Lei 6.024, de 13 de março de 1974, com relação especialmente ao regime de liquidação extrajudicial de instituições financeiras, uma vez que esta não responsabilizava penalmente os administradores dessas instituições, que a partir deste momento passaram a contar com a possibilidade de ter seu patrimônio penhorado e seus bens divididos entre os credores de suas dívidas. Segundo Castilho, a Lei veio em repercussão de escândalos nacionais envolvendo o “Grupo Sulbrasileiro”, o “Grupo Habitasul”, entre outros . A referida lei recebeu muitas críticas da doutrina por suas lacunas e falhas; críticos diziam que ela havia sido redigida por economistas, e não juristas, e que o então presidente havia a sancionado sabendo que a revogaria em breve. Mas mesmo tendo surgido com o propósito de ser “provisória”, acabou por se tornar definitiva.

Em 27 de dezembro de 1990, foi promulgada a Lei 8.137, que dispõe sobre os Crimes contra a Ordem Econômica, Financeira e Tributária; embora a primeira lei que tratava sobre os crimes de sonegação datasse de 14 de julho de 1965 (Lei 4.279), aquela é a que atualmente disciplina, em sua maior parte, tais crimes. Algumas alterações legislativas posteriores transferiram os tipos da referida lei para o Código Penal (artigos 168-A §1º, I e 337-A, este introduzido pela Lei 9.983, de 14 de julho de 2000, com o estabelecimento do crime de sonegação de contribuição previdenciária), no intuito sistematizador de retirar a legislação sobre crimes econômicos de sua disciplina esparsa pela legislação extravagante e concentrá-la no Código. Tal esforço ainda encontra defensores e tentativas até os dias atuais, com alguns progressos, embora ainda distantes de alcançar tal situação ideal.

Por fim, cabe destacar que, fruto das pressões internacionais para o endurecimento da persecução ao crime organizado e branqueamento de capitais, o Brasil promulgou a Lei 9.613,de 3 de março de 1998. Ela dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores, e foi alterada em 2012 pela lei 12.683, cujo projeto foi sancionado sem vetos pela presidente Dilma Houssef. A modificação mais determinante certamente foi a de não mais se vincular o crime de lavagem de dinheiro a capitais provenientes de um rol específico de crimes

(9)

48

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

precedentes,ampliando-se assim a gama de condutas puníveis. Além disso, chama a atenção a elevação do teto da multa aplicável (cumulada com a possível privação da liberdade) a R$200.000.000,00, consideravelmente superior ao valor anteriormente disposto.

2.2. Do bem jurídico tutelado nos crimes empresariais

A grande questão que distingue os crimes econômicos dos delitos contra o patrimônio comuns é que aqueles, apesar do mesmo intento de ganho patrimonial, atingem toda a sociedade. Desta forma, apesar das grandes discussões desde a metade do século passado, a maioria da doutrina penal entende que o bem jurídico tutelado na proteção a esses crimes é a ordem econômica supraindividual.

Pode-se diferenciar os crimes econômicos e os patrimoniais tradicionais, como o furto e o roubo, pelo fato de que aqueles ofendem interesses coletivos ou difusos, ou seja, os bens jurídicos são supra-individuais, apesar de em alguns casos afetarem também bens de natureza patrimonial individual. Assim, o sujeito passivo dessas infrações será, em primeiro lugar e na maioria dos casos, a coletividade. Em segundo lugar, os titulares de bens ou interesses ofendidos ou colocados em perigo pela conduta no caso concreto.

É importante ressaltar que o potencial lesivo de tais crimes, apesar de demandar justamente uma punição adequada à sua realidade, não autoriza o Estado a ignorar as garantias jurídicas e puni-los desarrazoadamente, como tem acontecido com frequência no país. Cada vez mais, são editadas leis contendo tipos penais abertos, como o de gestão temerária, previsto no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492 de 1986. Tal equívoco é cometido sob o pretexto de permitir a punibilidade efetiva a uma matiz mais ampla de situações em virtude da constante evolução das relações econômicas. Desta forma, no entanto, ferem-se garantias fundamentais, bem como sustentáculos do Direito Penal, como o princípio da legalidade.

2.3. Dos tipos enquadrados no conceito de crimes empresariais

(10)

49

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

atualmente os crimes considerados empresariais de forma mais pacífica pela doutrina são os seguintes:contra a Fazenda Pública - tributários ou fiscais, entre os quais deve ser incluído o de apropriação indébita das contribuições previdenciárias (Lei 8.137/90);contra as relações trabalhistas;contra as relações de consumo (Lei 8.137/90);contra o meio ambiente (Lei 9.605/98);contra a ordem econômica (Lei 8.984/94);contra o sistema financeiro (Lei 7.492/86);falimentares (Lei 11.101/05);contra a propriedade industrial (Lei 9.279/96);societários .

É relevante destacar que o conceito de crime econômico é mais abrangente do que o de crime empresarial (sendo o Direito Penal Empresarial considerado um sub-ramo do Direito Penal Econômico). O crime econômico compreende todos os chamados crimes de colarinho branco (white collar crimes), assim considerados, além dos crimes empresariais, a criminalidade dos altos funcionários, delitos políticos e a criminalidade dos profissionais altamente especializados (occupational crimes) . Tais modalidades criminosas, embora possam estar associadas aos crimes empresariais em algumas situações, não são imperativamente próprias da atividade empresarial, bem como não necessitam da estrutura empresarial para seu cometimento.

2.4. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes empresariais

Outra questão de extrema importância no âmbito da criminalidade empresarial é a da responsabilidade penal da empresa, tão amplamente discutida, com relação aos crimes contra o meio ambiente, desde a edição da lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (a chamada “Lei de Crimes Ambientais”) . A constituição, em seu artigo 225, §3º já previa, embora brevemente, tal hipótese, mas foi apenas com a edição da referida lei que tal possibilidade ganhou aplicabilidade. Desde então, iniciou-se na doutrina um boom de discussões e manifestações a respeito do tema, com sérias críticas à possibilidade de atribuir culpabilidade a um ente com status de ficção jurídica . Apesar do brocardo latino societas delinquere non potest, adotado pelo Direito brasileiro como princípio, e da crítica de grande parte dos penalistas, a responsabilização foi gradativamente se consolidando na jurisprudência. No entanto, além de a lei de crimes ambientais, ao prever a punibilidade penal da empresa, não ter trazido nenhuma norma processual ou procedimental específica sobre a questão , uma lacuna que restou foi a da

(11)

50

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

responsabilização da empresa com relação a crimes contra outros bens jurídicos.

O próprio STJ passou a reconhecer a possibilidade de responsabilização penal da empresa aos crimes contra a ordem econômica, tributária e contra a economia popular. A comissão que elabora o anteprojeto do novo Código Penal aprovou no dia 11 de maio de 2012 proposta que cria a responsabilização. A possibilidade, embora já fosse mencionada na Constituição, não era identificada pela doutrina como consistentemente embasada no ordenamento. Somente assim seria então possível evitar que, ao punir determinados membros da organização, a atividade ilícita fosse capaz de continuar por meio dos demais colaboradores.

As penas prevêem multa, restrição de direitos, prestação de serviços à comunidade e perda de bens e valores. Entre as penas restritivas de direito, estão previstas a suspensão parcial ou total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; a proibição de contratar com o poder público e de obter subsídios, subvenções ou doações, bem como de contratar com instituições financeiras oficiais . Outra inovação aprovada é a possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica independentemente da responsabilização das pessoas físicas – o que a jurisprudência atual não reconhece. A produção doutrinária, no entanto, ainda é parca, não acompanhando tal tendência e sua necessidade de tutela.

2.5. Tendências jurisprudenciais quanto aos crimes empresariais

Com relação à criminalidade empresarial, a jurisprudência se comporta de forma heterogênea; observam-se, no entanto, algumas tendências. Inegavelmente uma das que desperta maior atenção para tais crimes é a aplicação do princípio da insignificância (ou princípio da bagatela), com o questionamento de qual seria um limite razoável para a aplicação deste princípio, considerando o vulto das quantias movimentadas em tais casos. Entendimentos chegam a valores que ultrapassam 10 mil reais, o que seria inadmissível em crimes “comuns”, como se pode constatar nesta decisão do Supremo Tribunal Federal:

(12)

51

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

tributos suprimidos (v.g., imposto de importação, sobre produtos industrializados) - implicando dizer valor das mercadorias de até R$ 20 mil - é insignificante.(HC 924434/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.08.08, 2ª Turma, Inf. do STF nº 516).

Há, entretanto, aspectos em que a fragmentariedade do entendimento jurisprudencial no assunto se mostra evidente. Em inúmeras sentenças, acusados são condenados por serem sócios ou parte do corpo diretor da empresa, independente de comprovação real de participação no delito. Um caso recente julgado pela Vara da Justiça Estadual de Ribeirão Preto chamou atenção pela condenação de dois sócios de uma pequena empresa a 5 anos de reclusão em virtude do creditamento indevido de ICMS por meio de notas fiscais de empresas inexistentes, muito embora não se tenha provado qual dos sócios havia de fato lançado as referidas notas no livro da empresa.O Superior Tribunal Federal, no entanto, já havia se manifestado contrariamente a essa interpretação, como se observa a seguir:

A circunstância objetiva de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a decretação de uma condenação penal.(STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 73.590-SP, 06.08.96, RTJ 163/268)

Também o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, já havia se manifestado nesse sentido:

EMPRESA FAMILIAR. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA GENÉRICA. Mesmo na empresa familiar, é necessário que a denúncia individualize a conduta de cada sócio, a fim de possibilitar que o denunciado defenda-se. Assim, não havendo a nomeação do autor de cada ato executivo isoladamente, a denúncia é inepta. Daí, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus. (STJ, 6ª Turma, Rel.Min. Nilson Naves, HC 76.611, 06.03.08, Inf. do STJ nº 347).

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ANULAÇÃO. AÇÃO PENAL.Cuida a questão de saber a possibilidade de se instaurar ação penal em desfavor de administradores de pessoas jurídicas inadimplentes perante o Fisco Previdenciário pelo simples fato de serem os denunciados detentores de poderes de gestão administrativa. A jurisprudência deste Superior Tribunal e do STF entende que, nos crimes praticados no âmbito das sociedades, a detenção de poderes de gestão e

(13)

52

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

administração não é suficiente para a instauração da ação penal, devendo a denúncia descrever conduta da qual possa resultar a prática do delito. Esclareceu a Min. Relatora que, em nosso ordenamento jurídico, não é admitida a responsabilidade penal objetiva; para haver a procedência da inicial acusatória deve ficar demonstrado o nexo causal entre a conduta imputada ao denunciado e o tipo penal apresentado. Está-se exigindo apenas que se exponha, na inicial acusatória, qual a conduta perpetrada pelo denunciado que culminou efetivamente no delito, porque o simples fato de deter poderes de gestão não tem capacidade (nexo de causalidade) lógica de se concluir pela prática do delito em questão (art. 168-A do CP), que prescinde de uma ação específica a ser demonstrada na denúncia. Assim, a Turma, ao prosseguir o julgamento,concedeu a ordem para determinar a anulação da ação penal instaurada contra os pacientes sem prejuízo de eventual oferecimento de nova denúncia. (HC 53.305-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,julgado em 24/5/2007.)

No âmbito dos tribunais regionais, algumas súmulas foram editadas. Destaca-se o Tribunal Regional Federal da 4ª região pela edição de súmulas relativas ao crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias. O mesmo tribunal, no entanto, se manifestou de forma contrária ao entendimento supramencionado dos tribunais superiores:

A autoria do delito de sonegação fiscal pode ser comprovada pelo contrato social e respectivas alterações, nos quais resta demonstrado quem exercia a gerência da empresa no período denunciado. A responsabilidade penal dos administradores ou sócios-gerentes está consubstanciada tanto na prática do fato delituoso como na permissão de sua ocorrência, quando presente a obrigação e a possibilidade concreta de evitar o ilícito. (Rel. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrére, Apel. Crim.2002.04.01.052320-8/PR, 26.08.03 - DJU2, 17.09.03, p 977 - Informativo Criminal do TRF/4ª out/2003).

A verdade é que o próprio STJ se manifestou também contrariando o entendimento:

Em tema de crime de sonegação de tributos, a responsabilidade, em tese, é dos dirigentes da empresa, não se exigindo na peça acusatória inicial a precisa individualização da conduta dos agentes, remetendo-se para a instrução criminal a apuração completa da culpa, o que não acarreta ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.(STJ, HC 7.846/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 22.03.99).

O exposto demonstra a falta de uniformidade na jurispudência quanto a um aspecto central da criminalidade empresarial, comprometendo a segurança jurídica exigida pelo direito penal enquanto ultima ratio. Outra tendência que, equivocada, se observa é a aplicação do conceito indeterminado de crime organizado (qualquer um cuja

(14)

53

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

pena ultrapasse 4 anos de privação de liberdade como pena máxima em abstrato, mediante formação quadrilha), com a consequente derrogação da competência.

O que se constata, na realidade, é que ao contrário da criminalidade “comum”, em que os casos se esgotam na segunda instância, quando se trata de criminalidade empresarial os tribunais superiores assumem verdadeiro papel de jurisdição originária, com o exame do mérito especialmente em virtude da deturpação da aplicação do habeas corpus. Não faltam casos de repercussão para exemplificar o constatado, como o caso Daslu e o caso do banqueiro Daniel Dantas .

3. MÍDIA, PERSECUÇÃO CRIMINAL E A INFLUÊNCIA NA DOSIMETRIA DAS PENAS

Em setembro de 2009, a Folha de São Paulo, reproduzindo uma imagem divulgada na imprensa americana, publicou uma fotografia de Allen Stanford, bilionário americano condenado por delito econômico, vestido com o tradicional macacão laranja de presidiário, sendo conduzido algemando ao Tribunal de Houston, no estado do Texas. O prejuízo estimado causado a investidores americanos pelos crimes cometidos por Allen girava em torno de US$ 7 bilhões. A imagem retratava a chamada “perp walk” (perpetrator walk, que em português equivaleria a “caminhada do acusado”). Quando se trata de um criminoso white collar, os americanos costumam usar a expressão “corporate perp walk”; a cena da rápida aparição de um executivo preso antes de sua apresentação em juízo torna-se uma espécie de show para o deleite de fotógrafos, cinegrafistas e curiosos.

A opinião pública, em tais casos, é diretamente influenciada pela mídia. Julian V. Roberts e Loretta J. Stalans destacaram o fenômeno nos Estados Unidos:

Embora haja muitas potenciais fontes de informação relacionadas à justiça criminal, a vasta maioria do público cita os meios de comunicação como sua fonte primária ou exclusiva. A cobertura de justiça criminal da mídia é altamente seletiva, episódica e focada em um número limitado de ofensas. A superestimativa públicasobre a proporção dos crimes violentos pode ser diretamente ligada à superrepresentação do crime violento, particularmente do homicídio, nas notícias de jornal. Ao enfatizar o crime violento e as sentenças lenientes, a mídia encoraja o público a subscrever um falso silogismo envolvendo crime e punição. Na mentalidade pública, as taxas

(15)

54

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

de criminalidade estão em constante crescimento e o sistema é sempre excessivamente leniente. A solução pro crescimento da criminalidade deve passar por políticas de controle da criminalidade mais punitivas. Finalmente, a confusão pública com relação ao sistema de justiça criminal não pode ser inteiramente explicada pela idiossincrática cobertura da mídia.

E assim como a opinião pública é influenciada pela mídia, ela influencia a edição de políticas legislativas enrigecedoras da persecução criminal, como aconteceu com a política dos Three-Strikes nos Estados Unidos. Ainda segundo os mesmos autores:

Leis específicas como a Lei dos “three-strikes”, que determina longos períodos de aprisionamento para criminosos condenados criminalmente pela terceira vez,foram aprovadas em grande medida em nome do crescimento da preocupação pública a respeito de criminosos violentos reincidentes.

O fenômeno também é observado com frequência no Brasil. A edição da “Lei de Crimes Hediondos” foi um exemplo dele. Tal influência determina diretamente a noção de gravidade que a população imputa ao crime:

Conforme o clássico estudo de Sellin e Wolfgang em 1964, pesquisas tem repetidamente descoberto que crimes violentos são percebidos como mais sérios do que crimes contra a propriedade, os quais, por sua vez, são julgados como mais graves do que crimes de colarinho branco, crimes contra a ordem pública e crimes “sem vítimas”. Ao mesmo tempo, algumas mudanças interessantes emergiram dessas comparações históricas. Enquanto estupro era visto como o crime mais sério nos anos 1920, na década de 1960 homicídio era visto como mais grave que estupro. Desde então, estudos geralmente constatam que homicídio é considerado o crime mais grave. Nos Estados Unidos (e em outros países) o público se tornou mais consciente da verdadeira natureza dos crimes de colarinho branco,levando a mudanças de percepção sobre a gravidade desses crimes.

A mesma pesquisa revelou outro ponto interessante: a diferença da gravidade atribuída a cada crime por civis ou policiais. Embora concordem com relação a gravidade de alguns crimes, crimes como os de colarinho branco e fraude são vistos pelos policiais, mais influenciados pela rotina de trabalho do que pela mídia, como menos graves do que os chamados street crimes, ao contrário da população civil, que sopesa a gravidade destes.

Wheeler, em conjunto com outros pesquisadores , estudou o tema na década de 1980 nos Estados Unidos. O que despertou mais a atenção dos estudiosos foi a relação

(16)

55

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

diretamente proporcional entre o poder aquisitivo (ou o status social) e a severidade das penas aplicadas nesses casos. Com isso, desconstruiu-se a expectativa de que a influência decorrente do status social destes criminosos abrandaria a pena que seria cominada. Shapiro complementou as pesquisas ao concluir que tais resultados eram observados porque os casos de repercussão decorrente da posição social do acusado chegaram ao julgamento criminal (com maiores condenações), em virtude de fatores como uma maior divulgação pela imprensa, enquanto criminosos de menor poder aquisitivo eram, muitas das vezes, julgados apenas nas esferas civil e administrativa. É relevante destacar que a condenação criminal é uma consequência jurídica de um ato ilícito, mas acima disso, traz consigo um juízo coletivo de desvalor ético-social que transcende o campo da mera sanção.

A Lei de Execução Penal brasileira , em seu artigo 41, inciso VIII, garante como um direito do preso a proteção ao sensacionalismo. Infelizmente, não é o que se observa diariamente no Brasil, especialmente quando crimes muito violentos estão em evidência. No entanto, independentemente do emprego ou não de violência, qualquer crime cometido por pessoas de alto poder aquisitivo desperta a atenção da imprensa e da população, que clama pelo endurecimento das penas. Não é possível determinar se tal revolta se deve à frustração pela desigualdade social vivida no país, cominada com a impressão de que “o dinheiro é capaz de comprar a impunidade” em tais casos. Ou, ainda, se é a crença em um determinismo do ambiente em que está inserida a grande maioria dos condenados no Brasil, que gera na população a sensação de que a pobreza justifica o crime, mas aqueles que não passam por ela não tem motivo algum para cometê-lo.

O alto potencial lesivo, em termos monetários, também chama a atenção e desperta a revolta. No entanto, tal revolta ou potencial lesivo não dão ao Estado a prerrogativa de ignorar as garantias e empregar punições desproporcionais, como temos observado em vários casos recentes. Estes fatores exigem, sim, uma punição adequada, específica para sua natureza, mas sem perder de vista a proteção mínima conferida ao condenado.

(17)

56

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

A criminalização em excesso, que vai na contramão da moderna tendência da política criminal, nos marcos de um Estado de Direito evoluído e civilizado, mesmo porque todas as formas de punição já se revelaram inúteis e irracionais, no mais das vezes decorre da demagogia e da incapacidade do Estado em resolver os conflitos sociais com os instrumentos apropriados. Aliás, o fenômeno da inflação criminológica, que com muita propriedade o Prof. FERRAJOLI denomina de "elefantíase" do Direito Penal, está no centro das discussões atuais jurídico-penais. Foi justamente essa hipercriminalização ocorrida nos últimos 50 anos que desfigurou e descodificou o Direito Penal, reduzindo sua capacidade de controle da violência e da criminalidade.

O próprio Beccaria, já no Século XVIII, defendia posicionamento semelhante em sua obra:

Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legislador invisível o prêmio e o castigo, a distribuição desigual destes produzirá a contradição, tanto menos evidente quanto mais é comum, de que as penas punem os delitos que fizeram nascer. Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior, se dele resultar uma vantagem maior.

Ademais, há que se considerar a questão da revolta gerada na população pela impunidade decorrente da incapacidade do Poder Público de identificar e condenar todos os criminosos. Nesse sentido, afirmam Shikida e Amaral:

Com efeito, o conceito de seletividade está relacionado à ineficiência do sistema penal (e, sobretudo, das agências formais de controle) de identificar condutas criminosas, processar seus autores e aplicar as penas correspondentes. Essa ineficiência é denominada de “cifra negra” e pode ser definida como a diferença entre a criminalidade real - todos os delitos praticados em um determinado espaço de tempo e em determinado local - e a criminalidade aparente - considerado o número de casos que são efetivamente levados ao conhecimento das agências formais de controle. Inobstante essa ineficiência ser inerente ao sistema penal, os meios de comunicação e a sociedade em geral têm a percepção de que o sistema penal opera de forma que essa ineficiência seja seletiva, privilegiando os autores de crimes econômicos e atuando de forma mais grave e intensa sobre a população sem recursos econômicos. (...) Sutherland explicava que a aplicação diferenciada da lei poderia ser debitada a diversos fatores, como o status (o poder imuniza os “homens de negócio” em relação aos crimes, já que incriminá-los poderá trazer problemas para o incriminador no futuro), a homogeneidade cultural (juizes, administradores, legisladores e homens de negócios possuem a mesma formação cultural, muitas vezes partilham as mesmas origens sociais e essa homogeneidade faz com que não seja uma tarefa fácil caracterizar os criminosos econômicos dentro do estereótipo do criminoso comum), a relativa desorganização na reação aos crimes econômicos (cujas atividades delitivas são de difícil percepção, pois raramente atingem diretamente uma vítima concreta, como ocorre nos delitos contra o meio ambiente) e a baixa

(18)

57

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

reprovação social dessas condutas (pessoas adotam comportamentos semelhantes em suas práticas cotidianas, como não pagar impostos, comprar produtos contrabandeados ou piratas etc). As estatísticas indicam que a seletividade do sistema penal é especialmente atuante nas camadas sociais de maior escolaridade e especialmente alta nos crimes econômicos (situação em que a “cifra negra” se transforma em “cifra dourada”).

A cifra dourada a que se refere o fragmento, nada mais é que a diferença entre o número de delitos econômicos cometidos e o número de delitos econômicos identificados e judicialmente perseguidos. É notório que os crimes empresariais são uma das esferas em que tal cifra atinge patamares mais altos no Brasil.

3.1 Crimes empresariais na Common Law

A definição de crimes do colarinho branco do Departamento de Justiça Americano foca na natureza da atividade criminosa bem como na posição ocupada pelo ofensor. Todavia, ela não se limita aos delitos relacionados ao emprego, mas, de acordo com Matthew Lippman, assim se apresenta: atos ilegais que empregam, em vez da força, engano e ocultação a fim de obter dinheiro, propriedade ou serviços, de evitar o pagamento ou perda de dinheiro ou de assegurar uma vantagem profissional ou decorrente de negócios, cujos criminosos ocupam posições de responsabilidade e confiança no governo, indústria ou em organizações civis.

De acordo com Lippman , no Direito Americano, incluem-se no referido conceito: crimes ambientais; relacionados a Occupational Health and Safety (ofensas e danos aos trabalhadores); Securities Fraud (manipulação de ações e títulos, bem como insider trading); Mail and Wire Fraud (o uso de correio e telefone para cometimento de fraudes); The Travel Act. (cometimento de infrações por meio de viagens interestaduais ou do correio); Health Fraud (obter reembolsos ou pagamentos por tratamentos injustificáveis ou não realizados); lavagem de dinheiro; violação de políticas antitruste e corrupção, entre outros.Michael Tonry menciona ainda como enquadrados nessa definição algumas modalidades de suborno, apropriação indébita bancária, alegações e declarações falsas, fraudes em instituições de crédito e fraudes fiscais, quando cometidos no exercício profissional.

(19)

58

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

no Direito Americano é a ideia de que esses crimes não são tratados como mero prejuízo financeiro, mas envolvem a quebra da confiança que é inerente aos negócios e ao governo. Como tal confiança é uma característica basilar da tradição americana, a quebra de tal expectativa é tratada de forma ainda mais grave e séria, com penas que frequentemente ultrapassam 20 anos de prisão (sem mencionar a cumulação de multas na ordem de milhões de dólares), o que no Brasil raramente aconteceria para delitos cometidos sem emprego de violência. Ao compararmos o sistema americano com o brasileiro, esse é o ponto que mais se destaca, uma vez que no Brasil a punição de muitos dos crimes empresariais não ultrapassa seis anos de pena em abstrato (com grande probabilidade de substituição por penas alternativas). No direito americano, há casos, inclusive, em que se pode chegar à prisão perpétua, como em atos fraudulentos à saude que resultem em morte da vítima(ou de uma das vítimas). Destaca-se o famoso caso Madoff, descoberto em 2008, em que o proeminente corretor de investimentos Bernard L. Madoff criou um esquema Ponzi, também conhecido como pirâmide financeira, de ordem bilionária e alcance internacional, que foi considerado a maior fraude da história americana.Madoff foi condenado a uma pena de 150 anos, além da apreensão de grande parte de seus bens.

É relevante destacar também que a constatação do cometimento de tais delitos é muito mais efetiva (e logo, frequente) nos Estados Unidos. Atribui-se essa efetividade tanto ao fato de os sistemas de controle financeiro serem mais avançados no país, quanto ao fato de os crimes de colarinho branco serem, de acordo com Lippman ,uma das áreas mais ativas da persecução federal americana.

Cabe ainda esclarecer a distinção, também debatida no direito americano, entre crimes ocupacionais (criminosos de colarinho branco agindo individualmente) e crimes organizacionais (cometidos no contexto e na persecução de metas e objetivos da organização). Alguns exemplos de crimes organizacionais incluem a divulgação de falsos relatórios de pesquisa por cientistas corporativos ou de universidades, bem como crimes encorajados ou tolerados por gestores estatais. Ressalta-se ainda que no conceito de crimes organizacionais não se enquadram aqueles praticados no contexto de organizações manifestamente ilícitas, que recebem um tratamento próprio. Não se

(20)

59

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

excluem, no entanto, organizações em que o crime é cometido de forma clara, com aparente indiferença, se não concordância tácita pelos gestores. Na prática, a distinção entre as três formas pode não ser muito clara, mas é indispensável para que se aplique o tratamento legal adequado em cada uma delas.

E é nesse ponto que encontramos a definição de Corporate Crimes, que são a forma americana correspondente aos crimes empresariais do direito brasileiro, e são considerados uma forma de crime organizacional. De acordo com a doutrina americana, o status de uma classificação específica se justifica pelo fato de que o poder das corporações é demasiado importante para que esses crimes sejam tratados meramente como um subtipo dos crimes de colarinho branco. Ainda nesse sentido, destaca-se o entendimento de que não importa se a organização em questão é filantrópica, voluntária, com ou sem fins lucrativos, ou uma organização do setor público, mas sim a natureza e os meios daação criminosa.

4. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NOS CRIMES EMPRESARIAIS

Embora, a princípio, a análise do direito à luz das teorias econômicas pareça distante do direito penal, sendo ela comumente atribuída, de forma apressada e quase sempre equivocada, como prerrogativa exclusiva do direito privado, as primeiras teorias jurídicas com embasamento em conhecimentos da economia são atribuídas a Beccaria, um dos mais tradicionais e importantes doutrinadores do direito penal.

A interpretação deturpada da doutrina kelseniana, no entanto, imperou durante boa parte do Século XX, com vistas a isolar o Direito das demais ciências e tratá-lo sob uma perspectiva de uma teoria pura. Assim, sufocou momentaneamente a difusão de outras técnicas de compreensão do fenômeno jurídico que não fossem aquelas estritamente vinculadas ao positivismo e processo legislativo cabal.

Nesse sentido, Zaffaroni e Batista anotaram:

Um forte movimento de rechaço a toda interdisciplinariedade pretendeu juridicizar ou normativizar todos os dados dos demais saberes (esquizofrenização do saber jurídico penal), sendo depurado metodologicamente pelo neokantismo e favorecendo uma arbitrária atitude de apoderamento seletivo dos dados suprarreferidos.

(21)

60

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

O início da discussão a esse respeito remonta ao Século XIX, quando Von Liszt, um dos mais influentes penalistas da história, afirmava que o Direito Penal era eminentemente jurídico, mas não era completo sem noções “de uma força contrária à qual deveria impor limites, ou seja, a política criminal, baseada no conhecimento das causas do delito e da eficácia da pena” .

Após a derrocada da ficção positivista da teoria pura, a ciência do Direito, especialmente no sistema continental, se viu órfã de uma estrutura que a explicasse. A pretensão sistematizante das codificações parecia ter chegado ao fim de um ciclo, mas ainda faltaria muito até que a ciência jurídica concluísse que não seria mais possível uma existência autopoiética . O Direito regula as relações sociais e a elas deve sempre se voltar e reciclar suas compreensões a cada nova investida. Voltou-se mais à filosofia, à sociologia e até à psicanálise, mas a falta de hábito da interação disciplinar enferrujou a doutrina jurídica. Com a evolução cada vez mais rápida das relações sociais por ele tuteladas, o Direito ficava cada vez mais sem o apoio fundamental do pensamento humanista.

Na década de 1960, a partir dos trabalhos de Ronald Coase (Prêmio Nobel em Economia em 1991 por seus estudos em Microeconomia) e, especialmente, após a onda de valorização da economia comportamental, com a publicação de artigos de Gary Stanley Becker (Prêmio Nobel em Economia em 1992, pela aplicação da Microeconomia no estudo comportamental e de interações humanas) e George Akerlof (Prêmio Nobel em Economia em 2001 por seus estudos sobre o mercado e as relações com informações assimétricas), uma nova possibilidade interativa do Direito surgiu, com nova perspectiva instrumental de análise das relações sociais. A Análise Econômica do Direito, que já existia desde a década de 1920, mas ligada predominantemente ao direito da concorrência, ganhou novo ímpeto nos meios acadêmicos e passou a se difundir. Desse modo, têm surgido cada vez mais estudos com o intuito de determinar o provável comportamento das pessoas em todos os ramos do Direito, inclusive o direito penal. Pesquisas procuraram prever o comportamento criminoso em várias situações, e demonstrar, identificar e quantificar a pena mais justa para uma série de crimes, em especial aqueles com base nos conceitos econômicos.

(22)

61

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

Afirma Claus Roxin:

Também o direito da medida da pena, que só no pós-guerra alcançou status de disciplina autônoma, desenvolve-se não no sentido da discricionariedade de uma valoração individual pelo juiz, mas, muito pelo contrário, esforça-se por alcançar uma ordem sistemática e uma controlabilidade racional dos critérios de medida da pena político-criminalmente motivados.

Embora a economia comportamental tenha criado mecanismos para pressupor o comportamento humano mesmo em situações e crimes de racionalidade reduzida, os crimes empresariais são o campo em que acredita-se que tal teoria pode ter resultados mais prósperos, uma vez que para o cometimento de tais crimes a moral individual ou o impulso emocional são tanto menos fatores determinantes que o benefício econômico. Além disso, nessa modalidade criminosa, não se observa fatores como o prestígio dentro da comunidade criminosa, de modo que a decisão delituosa se aproxima cada vez mais de um modelo de racionalidade.

O sistema jurídico brasileiro atual demonstra uma clara necessidade de retomar a observação de outros sistemas, a fim de evitar os problemas decorrentes da autorreferenciabilidade e isolamento do Direito.Com a difusão da Análise Econômica do Direito, o ponto de vista econômico surge como ferramenta para complementar a visão do Direito Penal e principalmente da Criminologia. Tais ciências distinguem-se nos aspectos metodológicos, mas tem em comum a visão de que o agente criminoso é influenciado pelo ambiente em que está inserido.

4.1 A Teoria da Escolha Racional

Gary Becker trouxe imensas contribuições aos estudos econômicos do crime, introduzindo uma perspectiva inovadora ao traçar a hipótese de o criminoso agir racional e amoralmente. Seu modelo propõe que os indivíduos, sob determinados incentivos, decidem cometer ou não certos crimes com base em ponderações racionais de custo e benefício. É interessante destacar que o modelo não defende que a decisão de cometer o delito seja tomada racionalmente em todas as situações; é cristalino que em alguns delitos a emoção e a paixão são impulsos determinantes para o cometimento, e é quase impossível não presenciar nenhum sinal de moralidade no comportamento do

(23)

62

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

criminoso.

É claro que não se pode desconsiderar que há um grupo de indivíduos cuja reprovação moral jamais permitiria que delinquissem, não importando a medida ou mesmo a existência de sanção. O Direito Penal, assim, não tem razões para se ocupar do estudo de uma pena adequada até mesmo para tais indivíduos, visto que jamais fariam jus a sofrê-la.

Há que se destacar, todavia, que não é prerrogativa exclusiva dos estudiosos da Análise Econômica do Direito entender que a conduta delituosa está permeada de ponderações racionais.Jeremy Bentham já no século XVIII defendia a visão do criminoso como alguém que calcula racionalmente seus atos (e baseou nela algumas de suas propostas para reformas carcerárias). Neste sentido, afirma o respeitado penalista Jesús-María Sánchez:

Na verdade, se o delinquente não é, em medida alguma, racional, então a prevenção mediante a criação de normas carece de sentido (a prevenção, todavia, é o que há de mais característico – e mais liberal – do Direito Penal), restando apenas a prevenção “técnica”, assim como a prevenção especial por tratamento ou inocuização. Em outras palavras, não é razoável cominar sanções inúteis a quem não as leva em conta em sua tomada de decisão. Outro ponto é que a racionalidade do delinquente deve reduzir-se a uma mera racionalidade instrumental ou utilitária, ou deve, ao contrário, ser tida como ampliada a uma racionalidade valorativa.

De todo modo, ainda que não exista o criminoso perfeitamente racional, e ainda que outros fatores sejam determinantes além de uma ponderação de custo benefício, dificilmente eles seriam determinantes o suficiente para que o criminoso o cometesse apesar da dissuasão promovida pela punição. Via de regra, tais fatores influenciariam mais ao dissuadir o cometimento do crime do que incentivá-lo. Assim, entende Jesús-María Sánchez:

Em alguma medida, caberia pois concluir que a acolhida, no repúdio ou, ao menos, o atuar como se os homens fôssemos utilitariamente racionais – ainda que não apenas isso – é uma condição prévia para a busca de um Direito Penal liberal.

Há, de qualquer modo, um conjunto de crimes em que os aspectos racionais de custo e benefício influenciam de maneira ainda mais determinante o comportamento

(24)

63

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

criminoso do que os aspectos morais. A maioria dos crimes objeto de estudo deste trabalho se enquadram nesta situação. Na maioria dos casos se tratam de crimes premeditados, em que há um planejamento e uma ponderação sobre o cometimento daquele delito. Assim, a perspectiva econômica tem muito a dizer sobre tais comportamentos, uma vez que o criminoso é guiado por uma intenção maximizadora de benefícios.

Para ilustrar o entendimento, imagine-se a situação de um crime de apropriação indébita previdenciária. Assim, o agente deixa de repassar à Previdência Social os valores correspondentes à contribuição previdenciária de seus empregados. Não há nenhuma violência envolvida; o sujeito ponderará o quanto ele subtrairá (lucro auferido, representado por “b”) e o prejuízo decorrente da possível constatação do crime cometido por autoridades competentes (“c”), bem como a probabilidade de ser descoberto (“p”). Assim, se “(b – c) x p” resultar num valor negativo (“(b – c) x p < 0”), o crime não é lucrativo o suficiente, não valendo o risco a ser corrido com o seu cometimento. No entanto, se resultar num valor positivo (“(b – c) x p > 0”), o “crime compensa” e o sujeito provavelmente irá cometê-lo. Caso a punição correspondente ao delito seja uma multa no valor exato do que foi indevidamente apropriado (“(b – c) x p = 0”), tem-se uma “restituição perfeita”, de modo que, se descoberto, o criminoso terá apenas de devolver o produto do crime, não sofrendo nenhum prejuízo extra. Assim sendo, nas duas últimas hipóteses, podemos considerar que a pena correspondente é um incentivo ao cometimento do crime.

4.2 Uma abordagem empírica da Teoria da Escolha Racional

Ao longo de 10 anos, o pesquisador Pery Francisco de Assis Shikida e sua equipe (que compreendia alunos de graduação, mestrado e colaboradores), conduziram pesquisas em estabelecimentos carcerários a fim de conseguir informações qualitativas sobre a criminalidade econômica pelo método empírico. As pesquisas de campo partiram da investigação nos seguintes estabelecimentos paranaenses: Cadeia Pública de Cascavel, Cadeia Pública de Foz do Iguaçu, Cadeia Pública de Toledo, Penitenciária Central de Piraquara (PCP), Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu (PEF), Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP), Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP),

(25)

64

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

Penitenciária Industrial de Cascavel (PIC) e Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG).

Um dos pontos de relevância da pesquisa relaciona-se à natureza qualitativa dos dados, uma vez que os mesmos foram obtidos por meio do contato direto do pesquisador com o “objeto de estudo”, qual seja, os condenados por delitos de natureza econômica que cumpriam pena nos estabelecimentos supramencionados. A análise levou em consideração também dados secundários obtidos nos prontuários de cada um dos condenados, fosse para complementar as informações por eles fornecidas ou mesmo para a verificação da confiabilidade das respostas.

Os condenados que se dispuseram a colaborar para a pesquisa responderam um questionário que apontava aspectos como as características socioeconômicas, a análise dos riscos e incertezas concernentes às atividades criminosas lucrativas, o retorno econômico do crime, os motivos que levaram ao cometimento do crime, entre outros. Foram entrevistados mais de 500 condenados de 2000 a 2009.

Seguem, nas palavras do próprio pesquisador, as conclusões retiradas do estudo:

Evidenciou-se o fato de que os criminosos migraram para as atividades ilegais na esperança de que os ganhos esperados superassem os riscos da atividade. Neste sentido, a opção pela prática do crime de natureza econômica foi uma decisão individual tomada racionalmente, com ou sem influências de terceiros, em face da percepção de custos e benefícios, assim como os indivíduos fazem em relação a outras decisões de natureza econômica. A relação risco e benefício esperado foi bem explícita pelos pesquisados, ou seja, para a maioria dos pesquisados os retornos econômicos foram maiores que os riscos de migração para o crime, o que significa dizer que o crime está compensando!

Resta claro que, embora baseadas em um estudo empírico, tais afirmações não devem ser tomadas como verdade absoluta, tendo em consideração tanto o problema de seleção da amostra (que, tendo como base criminosos que já cumpriam pena, não considera aqueles que praticaram tais crimes e que não foram presos – e que é possível que apresentem características próprias diversas das do grupo entrevistado) quanto a possibilidade de os criminosos não terem sido completamente honestos nas respostas. De todo modo, o método empírico traz esclarecimentos não baseados na mera

(26)

65

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

intuição, que confirmam a tese da teoria da escolha racional para os crimes empresariais.

4.3 A Teoria da Dissuasão

É melhor prevenir os delitos que puni-los. É este o escopo principal de toda boa legislação, que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível, conforme todos os cálculos dos bens e dos males da vida. (...) Quereis prevenir os delitos? Fazei com que as leis sejam claras, simples, e que toda a força da nação se concentre em defende-las e nenhuma parte dela seja empregada para destruí-las.

No início da década de 70, Isaac Ehrlich, aluno de Becker, publicou os primeiros estudos a respeito da teoria conhecida como Teoria da Dissuasão (Deterrence Theory, ou ainda Teoria da Prevenção Geral Negativa ou Intimidatória). Seus estudos foram inovadores por tratar do cometimento de crimes como uma alocação de tempo e de recursos entre os crimes e as atividades legítimas. Um dos pontos de destaque de seu modelo é mostrar que um indivíduo pode voltar a cometer crimes mesmo depois de ter sido punido, principalmente pela diminuição das oportunidades de ganhos legais disponíveis para este indivíduo depois do encarceramento, evidenciando assim a ineficiência das punições aplicadas.

Antes de aprofundar o estudo das teorias econômicas das penas, no entanto, faz-se necessário tecer breves comentários sobre as finalidades da pena tradicionalmente abordadas pelo Direito Penal. A teoria da retribuição, primeira delas, não reconhece à pena a busca de nenhuma finalidade socialmente útil;sua finalidade única é punir o criminoso como meio de retribuir, fazer expiar o crime praticado. A teoria da prevenção especial, por sua vez,vislumbra a pena como instrumento para evitar que o indivíduo que praticou um crime volte a delinquir, por meio de seu afastamento temporário da sociedade e da - em tese – consequente recuperação.

Há que se falar ainda na teoria da integração-prevenção, desenvolvida a partir da teoria sistêmica de Luhman, a qual sustenta que a pena nada mais é que uma reação para o restabelecimento da ordem social, perturbada pela ocorrência de um delito; o fundamento da pena, aqui, consiste na confirmação da validade da norma, compreendida

(27)

66

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

como diretiva de orientação social. Por fim, a teoria agnóstica da pena defende que “em toda a sociedade existem relações de poder que interferem na solução de conflitos e que a cultura social tolera que esse poder interfira na solução dos conflitos” ;e que “há diferentes modelos decisórios - reparador, conciliador, corretivo, terapêutico e punitivo - e que este último é o menos capaz de solucionar conflitos” uma vez que encarcerar o indivíduo não traz nenhuma solução real para o conflito, mas apenas o posterga.

A Teoria da Dissuasão defende que é possível evitar o cometimento de crimes por meio de sanções eficientes, que funcionem como incentivos negativos à prática do crime, sendo essas agrupadas em legais (punição adequada elaborada pelo legislador e eficazmente aplicada pela polícia e pela Justiça) e extralegais (cultura, moral, educação, entre outras). A sanção cumprirá sua função, assim, se o conjunto de elementos que a constituem for suficiente para evitar o delito.

Brenner afirma que “a dissuasão é eficaz na medida em que muda ou mantém os cursos de ação dos mais diferentes tipos de pessoas existentes na população na direção de um comportamento comprometido com a legalidade”. Além da prevenção específica do delito, a dissuasão apresenta uma nuance de prevenção geral, mostrando à sociedade o repúdio àquela conduta e a punição que decorrerá de seu cometimento.

A teoria econômica prevê dois possíveis mecanismos para prevenir os delitos, quais sejam elevar os “custos de oportunidade” da prática do delito ou atribuir incentivos à prática alternativa de atividades lícitas. Assim, conforme o primeiro mecanismo, afirma Feuerbach, em sua Teoria da Coação Psicológica:

A ideia central é que cometer o delito representa uma vantagem para o delinquente (é eficiente, a partir dessa perspectiva). Assim, pois, trata-se de onerá-la com custos adicionais, a fim de que estes superem as vantagens esperadas, de modo que o delinquente potencial se contenha. Dado isso, se o delinquente é racional, irá comportar-se como qualquer operador no mercado.

Retomando o exemplo mencionado na sessão anterior, com relação à possibilidade de restituição perfeita no crime de Apropriação Indébita Previdenciária, tece-se algumas considerações. Para que seja possível dissuadir o cometimento do crime, a sanção penal deve ser superior à mera devolução do valor apropriado. Deve-se

(28)

67

Revista da AMDE – ANO: 2014 – VOL. 12

considerar também, todavia, a probabilidade de constatação do crime e consequentemente de sofrer a punição. Como se pode constatar, caso a eficiência policial e judiciária seja baixa, ainda que a pena seja severa, não se dissuadirá o crime.

Na mesma toada, afirma Richard Posner:

O segundo motivo da atual rejeição da ideia de vingança como fundamento da pena é a cisão que se cria entre crime e punição quando a probabilidade de imposição da pena é menor que 1. Essa cisão se funda em considerações econômicas legítimas, mas tem o efeito colateral de tornar a pena por um crime mais severa, ex post, que o próprio crime. Em um sistema cujas penas são frequentemente mais severas que os crimes aos quais se aplicam, aquele que tentar justificá-las pela igualdade ou proporcionalidade entre o sofrimento da vítima e o do criminoso ao ser punido, de fato parecerá sanguinário; pois estará, inadvertidamente, defendendo que o delinquente receba uma pena desproporcional ao crime. É possível justificar a desproporção, mas não segundo critérios retributivos. (...) Quanto mais próxima de 1 for aquela probabilidade, mais próxima a severidade da pena estará da gravidade do crime. Um sistema puramente baseado na vingança muitas vezes não satisfará essa condição.

Partindo desta premissa, suponha-se que o risco de o criminoso ser capturado cresça proporcionalmente à gravidade do delito (tanto em virtude da visibilidade do crime quanto pelo risco na execução). Nota-se, assim, que o produto do crime é maximizado até determinado ponto, a partir do qual não há vantagem em agravar o crime. Pode-se observar as constatações no gráfico abaixo:

Imagem

Figura 1 Punição Esperada e Restituição Perfeita
Figura 2 Gráfico Oferta do crime e a curva de demanda negativa para o combate ao crime

Referências

Documentos relacionados

Proprietário: HARAS CLARK LEITE - Criador: STUD ETERNA Proprietário: HARAS CLARK LEITE - Criador: STUD ETERNA Proprietário: HARAS CLARK LEITE - Criador: STUD ETERNA Proprietário:

arizonae, a Mulleri complex member, by establishing rDNA restriction patterns and cloning representative EcoRI rDNA fragments.. Partial sequencing of these clones made

Manejo de sementes para o cultivo de espécies florestais da Amazônia.. Predicting biomass of hyperdiverse and structurally complex central Amazonian forests – a virtual approach

Porém, de acordo com a Tabela 7 e Figura 17, o valor médio de contração obtido pelo grupo pigmentado com óxido de ferro, após 30 dias, e os valores médios obtidos por todos

Clarice Torres de Lemos (FEPAM) Kátia Helena Lipp Nissinen (FEPAM) Marco Aurélio Azevedo (MCN/FZB) Miriam de Freitas Soares (FEPAM) Vera Maria Ferrão Vargas (FEPAM). Coordenação

O requerente a seguir identificado requer ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Meio Ambiente

mais generalistas. Constatei que, sendo a Medicina Geral e Familiar o pilar da prestação de cuidados primários de saúde, engloba uma enorme abrangência de abordagens, que vão desde

Na elaboração das demonstrações financeiras consolidadas do Conglomerado Prudencial, a administração é responsável pela avaliação da capacidade de o Banco continuar