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1.2 CAXIAS E A EDUCAÇÃO

1.2.1 Considerações acerca da formação de professores

Há uma profusão de estudos já realizados acerca da formação de professores, sobretudo no Brasil.69 Porém, cumpre ressaltar que a

institucionalização da formação acontece na escola normal, e que essa necessidade e preocupação são anteriores ao período da criação e instalação das escolas normais70 no Brasil, em 1835. Conforme Saviani,

A formação docente já fora preconizada por Comenius, no século XVII; e o primeiro estabelecimento de ensino destinado à formação de professores teria sido instituído por São João Batista de La Salle, em 1684, em Reims [...], mas a questão da formação de professores irá exigir uma resposta institucional apenas após a Revolução Francesa. [...] A primeira instituição com o nome de Escola Normal foi proposta pela Convenção, em 1794, e instalada em Paris, em 1795 (SAVIANI, 2005, p. 1).

No entanto, não há um consenso na apresentação de marcos temporais para o início da institucionalização e da formação docente em escolas normais.

A formação do professor, embora reclamada desde os albores da modernidade, foi somente institucionalizada, na Europa, a partir dos fins do século XVII. Alguns exemplos podem ser aqui lembrados. O primeiro é de Lutero, que sustenta, num texto publicado em 1524, de que para ensinar e educar bem as crianças é necessário gente especializada. [...] A primeira experiência de formação docente que se tem notícia é de responsabilidade de Charles Démia, um abade francês que viveu entre 1636 e 1689. Em 1678, funda uma Escola Normal que não sobrevive à sua morte. Também é dos finais do século XVII, a iniciativa de Jean Baptiste de La Salle (1651- 1719), francês fundador da Congregação dos Lassalistas, que estabelece, em 1688, uma escola de formação de professores (ARAUJO, 2008, p. 14).

69 Ver, por exemplo, Tanuri (2000).

70 [...] O primeiro ministro francês Lakanal as designou com o nome de Escolas Normais porque eram

escolas que davam a ‘ norma’ docente, ou seja, escolas como as demais primárias, porém modelos em que o outro nível se estudava a norma didática que haviam de seguir os que queriam dedicar-se ao ensino das crianças. Ou seja, escola dedicada total e unicamente ao estudo da norma e procedimentos mais adequados para, prévio conhecimento da criança e da escola, saber instruir e educar as crianças da melhor maneira (GUZMÁN apud WERLE, 2005, p. 617), outra denominação nos é apresentada por (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 33) “a denominação Escola Normal foi utilizada pela primeira vez pelo abade La Salle, na França, no ano de 1685. Naquele momento, significava ensino coletivo, dado a grupo de crianças na forma aproximada de uma conversa. No início do século XIX, essa mesma expressão passou a significar “escola modelo”. Na concepção francesa, a Escola Normal seria aquela na qual os futuros professores aprenderiam o modo correto de ensinar (a norma), por meio de salas de aula modelo, nas quais observariam docentes ensinarem crianças de acordo com as formas exemplares, Por essa razão, a criação das escolas normais sempre era acompanhada da criação da escola-modelo anexa, onde os futuros professores poderiam se aproximar das práticas de ensino desenvolvidas com alunos reais” (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 33).

Os primeiros professores que atuaram no Brasil eram religiosos, ligados à Companhia de Jesus.71 Com a expulsão desses religiosos pelo Marquês de Pombal, em 1759,72 tem início um processo de ensino laico com a vinda de professores régios portugueses, “[...] no século XVIII e início do século XIX, ainda sob o regime colonial, e avança sob o reinado de D. João com algumas iniciativas de organização e normatização do exercício da profissão docente [...]” (VILLELA, 2000, p. 100).

Todavia, é no Primeiro Império, com a outorga, em 15 de outubro de 1827, da Lei Geral do Ensino que, dentre outras obrigatoriedades, “manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império”. Preconizava a Lei, inclusive, exames de seleção para mestres e mestras. Teoricamente, o caminho legal estava trilhado. Porém, “pouco resultou das providências do Governo central referente ao ensino de primeiras letras e preparo de seus docentes de conformidade com a Lei Geral de 1827” (TANURI, 2000, p.63).

Corroborando com afirmação acima, “a intensa agitação dos acontecimentos políticos que marcaram os anos no Primeiro Império não possibilitaram a real implantação da lei da Instrução Primária” (VILLELA, 2008, p, 30), que previa as primeiras letras a todas as crianças da nação, além de consagrar o ensino mútuo ou método Lancaster,73 no Brasil.

As primeiras iniciativas efetivas relacionadas à profissionalização docente aconteceram após o Ato Adicional de 1834,74 que, além de outras, atribuía às

Assembléias Provinciais a competência de legislar sobre a instrução. No artigo 10, item dois, a “instrução pública e estabelecimentos próprios para promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias

71 Historicamente o primeiro mestre- escola a atuar no Brasil chegou com a frota de Tomé de Sousa

em 1549. Fundou, em Salvador, uma escola e chamava-se Vicente, era irmão de Jorge Rijo, ministro do colégio de Coimbra. De acordo com o Padre Manoel da Nóbrega, “o irmão Vicente Rijo ensina a doutrina aos meninos cada dia e também tem escola de ler e escrever (NISKIER, 1989, p. 44).

72 Através do Alvará Régio, de 3 de setembro de 1759, e da Carta Régia, de 4 de outubro de 1759, o

Rei de Portugal, D. José I, incentivado pelo Marquês de Pombal, determinou a expulsão dos jesuítas de todos os domínios portugueses, tendo seus bens confiscados para posteriormente serem incorporados ao erário real.

73 No Brasil a implantação do Método Lancaster, também conhecido como ensino mútuo, se deu

oficialmente pela lei de 15 de outubro de 1827, primeira e única lei geral para instrução pública elementar entre 1822 e 1946. O nome do Método nos remete a Joseph Lancaster, inglês, defensor da nobreza e Quaker, estabeleceu em 1798, uma escola para filhos de trabalhadores em um subúrbio londrino, durante a Revolução Industrial. Ver NEVES, Fátima Maria. O Método Lancasteriano e o Projeto de Formação disciplinar do povo (São Paulo, 1808-1889). 2003, 293f. Tese (Doutorado em História) - UNESP, Assis, 2003.

74 A primeira Constituição brasileira de 1824 teve apenas uma emenda, e esta ficou conhecida como

atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que, para o futuro, forem criados por lei geral”.75

Apesar de haver uma forte centralização política neste período da história brasileira, a descentralização administrativa aconteceu a partir do momento em que o poder central transferia para as províncias a incumbência de consolidar os sistemas de ensino e de preparar professores.

A primeira província brasileira a criar uma escola normal foi a Província do Rio de Janeiro em 1835. Entretanto, “teve uma duração efêmera, sendo suprimida em 1849.”76 Após a instalação da primeira escola normal, muitas províncias também

criaram escolas normais.

As primeiras escolas seguiam o modelo francês “resultante de nossa tradição colonial e do fato de que o projeto nacional era emprestado às elites, de formação cultural européia”.77

Um certo número de escolas normais eram destinadas exclusivamente ao sexo masculino. Porém, data “de 1830 um projeto de lei determinando que, no magistério primário das escolas públicas, se dará preferência as mulheres”.78

Na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a Escola Normal de Porto Alegre foi instalada em 1869. De acordo com Schneider (1993, p. 229), a Assembléia Legislativa Provincial autorizava, já em 1860, a Presidência da Província a estabelecer na capital uma Escola Normal de instrução primária. Após a autorização para a criação, em 1860, a lei não foi executada, e a referida escola só foi criada em 5 de abril de 1869. Entretanto, muitos foram os descaminhos até a sua implantação, como podemos observar no relatório apresentado à Assembléia Provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul pelo então conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão:

Se me devo felicitar por haver obtido a autorização que destes a esta Presidência para estabelecer a escola normal, sinto informar-vos de que ainda não me foi possível dar-lhe execução. Dependendo o bom êxito de tão útil instituição do pessoal que a dirija, tem-me sido difícil encontrar quem se ache nas devidas condições. Aguardo, entretanto, que um professor

75 Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm>, ou em ANDRADE,

Paulo Bonavides Paes de. História Constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 593- 600.

76 TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação. São

Paulo, n. 14, p. 64, 2000.

77 Ibidem, p.63.

78 CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza. Formação do corpo docente e valores na sociedade

brasileira: a feminização da profissão. In: CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza; SILVA, Vera Lúcia Gaspar. Feminização do magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: EDUSF, 2002, p. 13-37.

distinto, que tem dado exuberante provas de sua aptidão magistral, e que na corte dirige um estabelecimento de educação aceda ao convite que se lhe fez para vir criar e dirigir a nossa escola normal.79

A primeira Escola Normal da Província entrou em funcionamento no dia primeiro de maio de 1869, sendo seu primeiro diretor um padre baiano chamado Joaquim Cacique de Barros, ou simplesmente Padre Cacique. Foram os primeiros professores: Diogo Francisco Cardozo, Ângelo Francisco Ther e Affonso Luis Marques. O próprio Padre Cacique, além de diretor, também ministrava aulas de Pedagogia, Religião e Gramática, além de, havendo necessidade, História e Geografia. Quanto à constituição e funcionamento, informa que “[...] tendo 12 alunos matriculados, sendo oito do sexo masculino e quatro do feminino, [...] com aulas pela manhã para os alunos, e à tarde para as alunas, ocupava duas peças do prédio do Liceu” (SCHNEIDER, 1993, p. 238).

As discussões acerca da institucionalização docente formal em nível superior no Brasil iniciaram na década de 1910, tomaram força na década de 1920, e são efetivadas na década de 1930. “A primeira experiência de formação do professor em nível universitário no Brasil ocorreu entre 1934 e 1938, no Instituto de Educação da Universidade de São Paulo” (EVANGELISTA, 2002, p. 22). Em 1935, no Rio de Janeiro, foi criada a Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal.

No entanto, existem estudos80 apontando para a Escola Normal da Praça como sendo a primeira iniciativa em 1927. “Ao diferençar o currículo da Escola Normal da Praça do das outras escolas normais do Estado, deu-lhe posição de superioridade, atribuindo-lhe na prática o caráter simbólico de Escola Normal Superior” (EVANGELISTA, 2002, p. 46).

Um aspecto importante a ser lembrado e que será retomado posteriormente é o que diz respeito à formação de professores, nas décadas de 1920 e 1930, e a circularidade das idéias sobre a nova “pedagogia científica”, ou seja, o movimento escolanovista, cujo “[...] espírito norteador desse movimento foi a intenção de modernizar a sociedade brasileira por intermédio da educação” (CUNHA, 2003, p. 455).

79 Apud SCHNEIDER, 1993, p.229.

80 TANURI, Leonor, Maria. A escola normal no Estado de São Paulo - 1890-1930. São Paulo: FEUSP,

Nesse período em que a sociedade brasileira e, de certo modo, a mundial passavam por transformações devido, sobretudo, à política e à economia,81 nada mais adequado do que um novo modelo de educação para uma nova sociedade, objetivando mudar os velhos padrões com vistas à modernização, em consonância com outros países economicamente mais desenvolvidos. Importante considerar que a década de 1930 é vista como marco referencial da modernização brasileira no que tange à industrialização e à urbanização.