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A década de 70 marcou a produção teórica sobre o espaço e a urbanização materializou-se em uma economia política da urbanização e do desenvolvimento. Portanto, interdisciplinaridade epistemológica desencadeou diversas definições do espaço e do urbano e à percepção das mudanças da urbanização conforme o capitalismo se ampliava e avançava, num constante processo de reestruturação e globalização.

Dentro deste contexto, tem-se as contribuições dos estudos de Harvey (2005, p.198), sobre os processos de urbanização onde define que o mesmo “concentra forças produtivas e a força de trabalho no espaço”, isto é, age na transformação de “populações dispersas e sistemas descentralizados de direito de propriedade em massivas concentrações de poder político e econômico”. Neste sentido a urbanização seria uma forma de estruturação do território, onde o peso dos lugares varia historicamente em função dos condicionantes e processos sociais, econômicos, políticos e, algumas vezes, culturais. E a rede urbana seria a expressão cristalizada de diferentes estruturações do espaço em diferentes tempos históricos. Porém, com a “dinâmica desigual da luta de classes e a dotação desigual de recursos, as configurações territoriais não conseguem permanecer estáveis por muito tempo” (HARVEY, 2005, p. 203). Este autor (ibidem, p. 146) explica que os “capitalistas individuais, em virtude de suas decisões localizacionais específicas, moldam a geografia da produção em configurações espaciais distintas”. Nesta

explicação “a forma industrial de urbanização pode ser vista como a resposta capitalista específica à necessidade de minimizar o custo e o tempo de movimentos sob condições de conexão interindústrias (...)”.

O resultado destes processos, Harvey define como “coerência estruturada” em se tratando desde à produção ao consumo de um determinado espaço (idem). Entretanto, ele afirma que há processos em curso que prejudicam essa coerência. Na explicação para isso, o autor revela que:

Em primeiro lugar, a acumulação e a expansão, além da necessidade de produzir e absorver excedentes de força de trabalho e capital, produzem pressão em uma região, que extravasam para o exterior (por exemplo, a exportação de capital), ou que atraem para o interior (por exemplo, a emigração). Em segundo lugar, as revoluções tecnológicas, que liberam tanto a produção como o consumo dos limites espaciais, além do aumento da capacidade de superar barreiras espaciais e anular o espaço pelo tempo, tornam os limites de uma região muito porosos e instáveis. A especialização territorial e as conexões inter-regionais se desenvolvem com crescente facilidade em relação à integração espacial. Em terceiro lugar, a luta de classes em um território talvez force os capitalistas ou os trabalhadores a buscarem outros lugares com condições mais favoráveis para suas respectivas sobrevivências. Em quarto lugar, as revoluções nas formas capitalistas de organização (a ascensão do capital financeiro., das empresas multinacionais, das filiais de manufatura etc.) permitem maior controle sobre os espaços cada vez mais maiores por capitalistas associados (HARVEY, 2005, p.147).

Portanto, entende-se que estas forças tendem a abalar a coerência da estrutura do território. Isso é facilmente identificado no caso das cidades latinas, em especial as brasileiras, as quais atendem à divisão internacional do trabalho, reflexo da solidificação da globalização, em substituição à divisão local integrada, o que tornam a “interdependência inter-regional mais importante do que a coerência regionalmente definida” (HARVEY, 2005, p.147). Essa coerência pode tender a ser arruinada por poderosas forças tanto de “acumulação e superacumulação”, quanto de “transformação tecnológica e de luta de classes” (ibidem, p. 150). Surge aí uma contradição interna ao capitalismo, isto é, a viabilidade das infraestruturas fica em perigo, devido à própria ação da mobilidade geográfica, facilitada por essas infra- estruturas” (idem). A consequência desse fato é a “instabilidade crônica em relação às configurações regionais e espaciais” (idem).

Assim é importante observar que o que define a essência do urbano é essa integração entre espaços, como enfatiza Lefebvre (2000, p. 114) no relato a seguir: “(...) define-se também como justaposições e superposições de redes, acúmulo e reunião dessas redes, constituídas umas em função do território outras em função da indústria, outras ainda em função de outros centros no tecido urbano”. Neste

sentido, analisar a dinâmica espacial de Região Metropolitana em face do perfil de metropolização, torna-se imprescindível, uma vez que se deve considerar a relação dialética que movimenta esses espaços, bem como as relações de produção que os caracterizam. Análises de tal natureza são de extrema importância, pois permitem pensar novas configurações espaciais inseridas no contexto de metropolização dos municípios da RMN, o que ratifica o caráter dinâmico e dialético que deve acompanhar a urbanização e os processos territoriais dos tecidos urbanos.

Sobre a discussão do território urbano enquanto peça-chave nas disputas por apropriação de bens e serviços, Bourdieu (1997), esclarece que:

“ (…) o mercado de terras, como qualquer expediente capitalista, tem na expansão da oferta, entre outros fatores, a dinamização de sua renda. A posse do capital permite a liderança na disputa pela localização, expandindo a fronteira do espaço imobiliário segundo as flutuações do mercado. E aqueles desprovidos de capital se ´assentam` em regiões até então à margem dos interesses especulativos. Assim, a expansão do mercado de terra se relaciona ao processo de crescimento urbano, ambos como forma de dominação das classes dirigentes” (BOURDIEU, 1997 apud SILVA, 2011, p.233-234).

Aproximando para a realidade brasileira, tem-se como determinante a relação existente entre lugar ocupado no espaço por determinado grupo e sua posição social, gerando com isso desigualdades socioespaciais agravadas pela dinâmica imobiliária. O Estado também contribui com este agravamento atuando por meio da legislação urbana e dos investimentos públicos que influem no preço final da moradia e condiciona de que forma as diversas classes sociais poderão se localizar no âmbito de uma configuração espacial. Assim, tem-se que o espaço urbano é a expressão espacial do modo de produção, onde a localização é ditada pela solvência dos providos de capital.

Carlos (2011, p. 68), em seu livro “A produção do espaço urbano – agentes e processos, escalas e desafios”, expõe que “a extensão do capitalismo realizou a generalização do espaço como propriedade privada, criando a contradição entre o espaço produzido enquanto valor de uso e o espaço produzido enquanto valor de troca”. Assim, tem-se a separação radical entre espaço público e privado e, consequentemente, o aprofundamento da desigualdade, bem como a relação entre o Estado que domina o espaço e o modo de apropriação que se quer diferenciar.

Acrescenta Sposito (2007) que as escolhas, de parte das faixas de renda média e alta, pelos habitats urbanos mais distantes das áreas centrais e pericentrais, parte deles murados e/ou monitoradas por sistemas de vigilância modernos, são

parte essencial do mesmo conglomerado de dinâmicas que levam às novas escolhas locacionais, resultando em uma cidade dispersa. Elas se complementam por meio de uma lógica de necessidades de deslocamento, dando nova densidade aos fluxos intraurbanos e/ou interurbanos.

Esta autora esclarece que a lógica da combinação entre densidade elevada em alguns setores com extensão exacerbada do tecido urbano, vem se acentuando nas duas últimas décadas no Brasil, sobretudo, em relação aos interesses de lançamento de novos produtos imobiliários, em um período em que as taxas de crescimento da demanda solvável deixam de ocorrer no mesmo ritmo que cresciam nas décadas de 1960 e 1970. Este fato se explica pela frequente presença dos loteamentos e condomínios horizontais e verticais, associados aos ideais de maior segurança, melhoria na qualidade ambiental e de vida, ampliando, assim, a tendência de uma cidade dispersa, propiciada pela generalização do uso do transporte automotivo individual entre as faixas de renda média e alta.

Ao partir da visão socioeconômica em macroescala de que a cidade se constituiu no locus da reprodução do capital e da compreensão da sua conjuntura histórica, observa-se que o processo de reprodução do espaço, onde antes representava a possibilidade de ocupação de áreas de expansão da mancha urbana (como o parcelamento da terra de antigas fazendas ou chácaras) depara-se com a carência e revela que a existência da propriedade privada do solo urbano – condição de reprodução da cidade sob a égide do capitalismo – passa a ser um limite à expansão econômica capitalista (CARLOS, 2011).

Foi com o surgimento e a intensificação de novas funções econômicas e novos padrões sociais que o processo de urbanização se acelerou no Brasil, atrelado por um conjunto complexo de relações sociais e novas dinâmicas promovidas pelo desenvolvimento capitalista. Reflexo deste desenvolvimento é o crescimento urbano e o desenvolvimento econômico e social do Brasil que sempre ocorreram associados à injusta distribuição de renda e à exclusão13 social de boa parte da população, especialmente a camada de menor renda. Desse modo, a industrialização brasileira, firmada em baixos salários, impossibilitou à classe trabalhadora, em especial a menos especializada, a obtenção de um salário

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De acordo com VASCONCELOS (2013, p.22) “os excluídos seriam as pessoas rejeitadas fisicamente (racismo), geograficamente (gueto) e materialmente (pobreza)”.

minimamente condizente com a sua reprodução, sobretudo com relação à mercadoria habitação, favorecendo, assim, a ocupação dos aglomerados subnormais14 e a informalidade urbana.

A ordem jurídica possui também um papel na produção e reprodução desta informalidade urbana, explicita Fernandes (2002). Porém, no país, a definição doutrinária e a interpretação jurisprudencial dominantes dos direitos de propriedade atuam de maneira individualista, sem se preocupar com a função social da propriedade, prevista na Constituição, e têm como característica inerente um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano que resulta em uma desigualdade socioespacial e degradação ambiental. Este autor afirma ainda que, a ausência de legislações urbanísticas — ou sua existência firmada em critérios técnicos que desconsideram os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de construção — tem desempenhado um papel importante na consolidação da ilegalidade e dessa desigualdade proveniente do capital imobiliário. Além disso, o autor ressalta “a dificuldade de implementação das leis em vigor, devido em parte à falta de informação e educação jurídica e ao difícil acesso ao Poder Judiciário para o reconhecimento dos interesses sociais e ambientais” (FERNANDES, 2002, p.13). A junção desses processos e toda essa ordem jurídica no Brasil não ajudam a combater a produção de uma cidade desigual e isso acaba desencadeando a instalação da população de baixa renda nas áreas periféricas que apresentam falta de infraestrutura urbana, sendo essas, geralmente, inadequadas à ocupação humana ou se constituem em áreas de preservação ambiental.

Diante deste contexto brasileiro tem-se a formação das cidades mais desiguais do mundo, analisa Maricato (2000). Torquato (2006, p. 31) acrescenta que “o planejamento urbano, como instrumento de ordenação do espaço e de dominação ideológica, contribuiu para ocultar a cidade real e para a formação de um mercado imobiliário restritivo e especulativo”. Assim, as dificuldades de acesso ao mercado habitacional formal, a exclusão do direito à cidade para boa parte da população, que se revela, por exemplo, no seu acentuado nível de pobreza, na ocupação e uso ilegal do solo urbano, na ocupação de áreas degradadas ou ambientalmente

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Percebe-se que até mesmo o crescimento econômico apresentado pelo Brasil, no período de 1940 a 1980, não foi capaz de modificar a notória desigualdade social existente e o posterior declínio econômico, ocorrido nas décadas de 1980 e 1990, que contribuiu para aprofundar ainda mais a exclusão social sobre uma sociedade já desigual.

inadequadas, aliados a uma política habitacional incapaz de atender às demandas populacionais, impedem um desenvolvimento urbano adequado e estimula a produção de uma cidade extremamente desigual com relação ao atendimentos aos itens de infraestrutura urbana e o acesso aos bens e serviços. Todos esses problemas trazem como consequências as péssimas condições de habitabilidade e contribuem para a formação de uma acentuada urbanização periférica e uma distribuição injusta de terras que acaba por gerar a “guetificação”15.