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Considerações acerca das CPIs que investigam o governo

CAPÍTULO 03 Estudo comparado dos casos

3.6 Considerações acerca das CPIs que investigam o governo

Como esperado, nos dois Estados, as CPIs que investigam o governo são majoritariamente pedidas por deputados da oposição. Contudo, dadas as regras de proporcionalidade que norteiam a distribuição de cadeiras e o fato de o presidente e relator serem eleitos para estes postos, em São Paulo, 17% das CPIs tiveram deputados da coalizão alocados na presidência das CPIs e 33% na relatoria. No Rio Grande do Sul 40% dos cargos de poder das comissões ficaram com deputados da coalizão.

Uma análise destas comissões mostra que o resultado das CPIs pode ser diferente quando a presidência ou a relatoria ficam a cargo de um deputado governista. Este foi o caso das CPIs do Detran 1 e da Corrupção, na ALRS. No primeiro caso, a conclusão foi a de que existia comprovação de irregularidades capazes de anular o processo licitatório do órgão. A segunda, teve um relatório que procurou acusar a oposição e motivou uma declaração de voto contrário das bancadas do PT, PC do B, PDT e DEM.

O mesmo pode ser observado nas Comissões Parlamentares de Inquérito que aconteceram na ALESP com esta característica. A CPI das Verbas para Educação, por exemplo, que analisava o descumprimento por parte do governo da destinação mínima obrigatória de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, tinha como relator o deputado Roberto Engler (PSDB) e terminou sem ter um relatório final aprovado.

Por outro lado, as comissões nas quais a oposição ocupou os postos de comando dos trabalhos foram mais incisivas em apontar problemas do governo. Exemplo disso foram as CPIs da Ford e da Segurança Pública. Ambas tiveram como conclusão pedidos de responsabilização

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do governador e de funcionários públicos. No primeiro caso, o relatório recomendou que o governador Olívio Dutra se retratasse com a sociedade e com as empresas Ford e General Motors, por ter descumprido acordo para investimentos das montadoras no Estado. Já no segundo, o relatório apontou um suposto esquema de arrecadação de verbas que envolvia sindicatos, empreiteiros, associações e contraventores. A maioria dos deputados da CPI entendeu que o governador teria cometido crime de responsabilidade e improbidade administrativa, e, por conta disto, pediram a abertura de processo contra ele.

Situação semelhante ocorreu na ALESP em 2006 a CPI da Eletropaulo, que foi composta por 66% de deputados oposicionistas e seus trabalhos foram direcionados a analisar as denúncias de fraude na privatização da estatal. Embora a comissão tenha concluído que houve irregularidades no processo de licitação, e que o preço de venda da estatal foi abaixo do valor de mercado, não foi suficiente para anular a licitação. O relatório foi encaminhado aos Ministérios Públicos Federal e Estadual e para a Procuradoria do Estado de São Paulo, entre outros órgãos que teriam a missão de tomar providências jurídicas quanto às denúncias da CPI. Assim, o andamento destes processos fora do âmbito do Legislativo não foi objeto desta dissertação.

Contudo, este debate foi retomado um ano depois em nova CPI da Eletropaulo, que investigou também a concessão de empréstimos do BNDES ao consórcio comprador da empresa e a redução do número de empregados da companhia. O relatório final foi encaminhado ao Ministério Público para que este pudesse tomar as medias cabíveis quanto às demissões promovidas pela empresa após a privatização. Por fim, a CPI da CDHU pediu uma auditoria para aferir a compatibilidade dos preços praticados em licitações feitas pelo órgão.

Assim, a observação da dinâmica governo/oposição no interior das CPIs mostra que ocupar um cargo de presidente ou de relator pode ser decisivo para o sucesso da investigação, uma vez que quem preside os trabalhos pode impor um ritmo diferente aos requerimentos feitos pelos deputados que compõem a comissão, como ocorreu na CPI da Corrupção, na ALRS. Tendo em vista que as CPIs são temporárias, este tipo de comportamento pode, além de atrasar os trabalhos, levar uma comissão a não ser concluída.

De igual modo, tendo em vista que é o relator quem terá a oportunidade de construir o texto final que será levado à aprovação dos demais membros da comissão, estar na relatoria de uma CPI pode ser ainda mais decisivo para os rumos que a comissão tomará.

Esta análise confirma a hipótese levantada por Figueiredo (2001): ter maioria na comissão também pode ser decisivo para o conteúdo final a ser produzido numa CPI, uma vez

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que o relatório é votado pelo conjunto dos deputados que participaram da comissão e estes podem rejeitar o texto ou aprovar um voto em separado como relatório ou mesmo apensar uma manifestação contrária às conclusões da comissão. No entanto, isso não significa que a regra de proporcionalidade torna a CPI inócua como argumentam Figueiredo (2001) e Pereira (2010). Afinal, apenas a abertura da comissão já pode gerar consequências políticas, e mesmo os embates entre governo e oposição durante a vigência da CPI também podem provocar tais efeitos.

Cabe lembrar que mesmo as CPIs que se propuseram a fazer uma investigação mais incisiva parecem não ter sido capazes de provocar o afastamento dos governadores (Ford e Segurança Pública) no Rio Grande do Sul ou a reversão de medidas já adotadas (Eletropaulo 2006 e 2007) em São Paulo. Isso não quer dizer que elas tenham terminado em pizza, pois além dos escândalos e informações negativas que geraram sobre os governadores, ainda produziram outros custos políticos que não foram objeto desta pesquisa.

Neste sentido, compreender a eficácia das CPIs de forma mais ampla demandaria a análise de como estes relatórios são tratados pelas demais instâncias de accountability, como o Ministério Público e a Justiça.

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