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Considerações básicas de projeto e dimensionamento do pavimento

O projeto de uma ferrovia pode ser enquadrado como de infraestrutura, medianamente complexo, oneroso e no Brasil tradicionalmente com execução prolongada. A definição de pavimento do ponto de vista funcional, seja rodoviário ou ferroviário é bem apresentada por BERNUCCI et al. (2008):

“pavimento é uma estrutura de múltiplas camadas de espessuras finitas, construída sobre a superfície final de terraplanagem, destinada técnica e economicamente a resistir aos esforços oriundos do tráfego de veículos e do clima, e a proporcionar aos usuários melhoria nas condições de rolamento, com conforto, economia e segurança.”

Essa definição mostra que qualquer que seja o pavimento, este deve ser dimensionado com economia, o que remete ao conhecimento dos materiais disponíveis, dos esforços atuantes e do comportamento da estrutura. Além disso, os materiais sofrem

8 influência do clima e dos carregamentos, portanto trata-se de uma estrutura complexa, com forte influência de variáveis regionais.

Tradicionamente, na etapa de exploração do terreno, recomenda-se a realização de sondagens e a caracterização dos materiais a cada 200 m, seguindo o traçado preliminar, realizando também ensaios de compactação, Índice de Suporte Califórnia (ISC/CBR), limites de consistência, granulometria e se possível triaxiais e cisalhamento direto. O solo é então classificado como de primeira, segunda, terceira categoria ou mole, este último quase sempre removido e substituído até uma profundidade de 5 m (as vezes mais) por material pétreo (rachão). Regiões com solo mole a profundidades maiores que 5 m geralmente requerem obras especiais, consequentemente ensaios especiais.

Com o conhecimento dos materiais, solicitações, fatores ambientais e das técnicas construtivas disponíveis, o pavimento ferroviário pode então ser dimensionamento. Recomenda-se o esquema da Figura 1.3, levando em conta que “dimensionar o pavimento não é só determinar as espessuras necessárias, é também adequar as características das diversas camadas” ( MEDINA e MOTTA, 2015).

Figura 1.3 – Esquema de dimensionamento mecanístico do pavimento ferroviário Fonte: modificado de MOTTA, 1991

Os quatro itens primários: materiais, solicitações, fatores ambientais e técnicas construtivas devem ser conhecidos para o dimensionamento do pavimento ferroviário, cada um com sua respectiva confiabilidade. Tais itens são interligados de tal maneira que a mudança em um poderá influenciar o outro, como por exemplo os materiais, que, frente a diferentes solicitações ou mudanças climáticas mudam seu comportamento.

Dos materiais obtém-se as características relevantes ao dimensionamento, como o módulo de resiliência, a granulometria, resistências mecânicas, índices físicos, etc. Tais

9 propriedades devem então ser confrontadas com os parâmetros de projeto e especificações técnicas, aceitando-se ou recusando-se determinado material.

O tipo de solicitação tem caráter direto com as deformações que ocorrerão nas camadas. A grande vantagem da ferrovia em relação à rodovia é o conhecimento e controle dos carregamentos e velocidades que irão atuar na via. Geralmente a mesma empresa que opera a ferrovia também realiza a manutenção do pavimento, o que também é outra vantagem, pois o mantenedor não vai querer ter problemas com o pavimento em operação, que deve estar em condições para transportar o máximo de TKU (tonelada quilômetro útil). O número de solicitações do eixo padrão é um fator importante, visto que os materiais que compõem o pavimento têm comportamentos distintos entre carregamentos monotônicos e repetitivos.

Os fatores climáticos têm grande influência em praticamente todas as camadas do pavimento ferroviário e devem ser levados em consideração no dimensionamento da estrutura. Conforme alertado por MEDINA e MOTTA (2015), deve-se tomar cuidado para as diferenças climáticas entre o Brasil e outras partes do mundo quando da utilização de bibliografias estrangeiras. Apesar da grande variação climática encontrada no Brasil, apenas a região sul e parte do sudeste apresentam temperaturas abaixo de 0 ºC, geralmente não mais que 15 dias ao ano. Já nos Estados Unidos, cerca de 60 % do território é submetido a invernos rigorosos, inclusive com congelamento do subleito, o que geralmente leva à especificação de materiais granulares com menos de 3 % de finos passantes na peneira de 75 µm, em virtude da expansão da água e de minerais expansivos. Nesse aspecto, a utilização de normas não adequadas à realidade brasileira pode acarretar descarte de bons materiais ou utilização de materiais inadequados em determinadas regiões.

A técnica construtiva tem impacto direto no cronograma da obra, assim como influencia a qualidade dos materiais produzidos ou camadas construídas. Um exemplo é a maneira de lançar os dormentes de concreto na via permanente durante a construção do pavimento, que conforme demonstrado por RANGEL et al. (2016) poderá resultar em unidades com qualidades distintas ou até mesmo a perda dos elementos.

Em dimensionamentos clássicos da via férrea o primeiro passo é a previsão do carregamento crítico que irá atuar no pavimento. A carga do eixo padrão é majorada pelo coeficiente dinâmico (ver seção 3.1), resultando no carregamento máximo estático que será considerado. Com determinado método de cálculo, define-se a espessura de cada camada, conforme os materiais disponíveis. Nesse aspecto é importante relembrar que as

10 camadas do pavimento sofrem influência das cargas dinâmicas e das variações climáticas, portanto, suas propriedades devem ser obtidas preferencialmente em ensaios dinâmicos com condições de temperatura e umidade equivalentes reais, como o módulo de resiliência (MR), o que geralmente não é contemplado nos métodos tradicionais.

Quase sempre a resolução do problema de dimensionamento é iterativa. A gama de soluções disponíveis é grande, principalmente considerando a variabilidade dos materiais envolvidos, tornando a análise combinatória significativa. Conhecendo os materiais disponíveis e o comportamento de cada um deles no conjunto do pavimento, o problema pode ser resumido a calcular por tentativas deformações e tensões admissíveis a partir de espessuras propostas. De preferência, o método de cálculo deve ser capaz de estimar a vida útil do pavimento, que pode ser determinado a partir de valores limites de deflexões ou deformações permanentes do pavimento ferroviário, principalmente nas camadas de lastro e subleito, dado N repetições do carregamento padrão ou conjunto de carregamentos.

Deve-se então realizar a avaliação do desempenho do pavimento ferroviário construído. Um parâmetro de qualidade é a deflexão vertical, que pode ser obtida utilizando a Viga Benkleman, conforme explicado por SILVA (2002) e COSTA (2016), assunto abordado na seção 2.3.1.

A deflexão é dependente do carregamento e das propriedades das camadas do pavimento. Qualquer camada mal dimensionada ou problemática refletirá em uma deflexão anormal, que por retroanálise, poderá resultar em um módulo de resiliência diferente daquele esperado.

Os trilhos são dimensionados a partir do material rodante e do momento fletor atuante. Os dormentes são escolhidos considerando aspectos econômicos, técnicos e ambientais dos materiais disponíveis, sendo as dimensões definidas considerando a bitola, o carregamento imposto e a tensão admissível no material constituinte, além daquela repassada ao topo da camada de lastro.

O conjunto de fixação é determinado principalmente em virtude do tipo de dormente, atualmente com preferência para os grampos elásticos, que apresentam melhor desempenho ao movimento natural da via. A mudança do tipo de fixação, considerando o mesmo dormente, geralmente fica atrelada a estudos de eficiência, aumento da capacidade de carga da via ou histórico de problemas com determinado sistema de fixação.

11 Conhecida a tensão na interface dormente-lastro, pode-se determinar a distribuição das tensões nas camadas inferiores, que serão comparadas com as tensões admissíveis de cada material. Os materiais não poderão apresentar rupturas plásticas nem deformações excessivas, tanto permanentes como elásticas, devendo permanecer dentro de limites aceitáveis.

Em uma análise mecânica do pavimento ferroviário, as espessuras necessárias das camadas mudam de acordo com as propriedades dos materiais utilizados na via permanente, sistema que apresenta sinergia considerável. Por facilidade construtiva e de projeto, usualmente os pavimentos ferroviários são projetados para uma seção transversal tipo, onde as espessuras das camadas e a distância entre os dormentes permanecem as mesmas ao longo da estrada. Um exemplo é a estatal brasileira VALEC, responsável pela construção de novas ferrovias no Brasil, que considera o mesmo espaçamento entre dormentes em todos seus projetos no país, mesmo com variações significativas entre os materiais geotécnicos ao longo do território nacional.

Em uma pesquisa interna na VALEC, até meados do ano de 2017 a prática era a definição de um pavimento tipo que suporte as imposições externas convencionais, simplesmente mantendo o espaçamento entre os dormentes, a espessura do lastro e a do sublastro ao longo de todo o trecho, seja qual for o material do lastro, sublastro ou subleito. O projeto tipo da superestrutura ferroviária era o mesmo para os estados da Bahia, Goiás, Tocantins, São Paulo e Minas Gerais, regiões que claramente têm litologias diferentes.

Esse tipo de técnica pode resultar em maior custo construtivo, não atendendo aos requisitos reais do pavimento local, deixando-o superdimensionado ou subdimensionado para a vida útil estimada. O correto do ponto de vista da mecânica dos pavimentos seria a obtenção das propriedades relevantes ao dimensionamento do pavimento em segmentos pré-determinados ou em horizontes geotécnicos diferentes, mantendo-se inalterados aqueles elementos mais complicados de serem modificados a cada momento, como o tipo de dormente, trilhos e acessórios de fixação, mas alterando-se a espessura do lastro, sublastro ou o espaçamento entre os dormentes.

Convencionalmente a espessura do lastro gira em torno de 30 cm, mas a experiência do autor desta pesquisa demonstra a possibilidade de variações na espessura entre 20 e 50 cm, devendo cada caso ser analisado individualmente. Acima de 50 cm a geometria da via pode se tornar instável e abaixo de 20 cm não haverá distribuição efetiva das tensões, que na prática é traduzida em agulhamento dos fragmentos do lastro nas

12 camadas inferiores, aceleração da quebra dos fragmentos do lastro ou deformações excessivas nas camadas de sublastro e subleito.

Pode parecer complicado, mas durante a construção da ferrovia, os segmentos de terraplanagem (panos) são da ordem de 200 a 500 m e as modificações nas cotas ou espessuras entre segmentos diferentes não seriam grandes, facilmente executadas com os equipamentos modernos e passíveis de controle topográfico rigoroso.

No intuito de manter o trilho na mesma cota, por exemplo, uma maneira é deixar o subleito em uma cota mais alta na região onde haveria a possibilidade de uma espessura inferior de lastro, ou executar uma camada de sublastro com espessura variável. Logicamente, aspectos de drenagem devem ser verificados.

Outro exemplo seria a variação do espaçamento entre dormentes entre segmentos, o que também altera as tensões exercidas nas camadas inferiores. Compatibilizando as tensões admissíveis do terreno com as atuantes é possível estimar a deformação permanente e adequá-la a valores aceitáveis.

Nesse sentido, deve-se conhecer o comportamento e as propriedades relevantes das camadas do pavimento ferroviário, aspectos necessários para uma análise mecânica adequada. Parametrizando diversas variáveis é possível determinar com maior confiabilidade diversas seções tipo para diferentes segmentos da estrada.