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5. ENSAIO ENERGIA NO CARNAVAL

5.2 C ARNAVAL E SUAS TECNOLOGIAS

5.2.2 Considerações Brincantes

É difícil estabelecer o quanto há de pessoal ou coletivo neste ensaio sobre o carnaval. Se por um lado, condenso nele os 40 anos de carnaval em Olinda e Recife, por outro, o acompanhamento dos Brincantes das Ladeiras é definidor de vários pontos de vista ou de interesse. Além disso, a percepção de renovação psicofísica não chamou a atenção de muitos brincantes naquele ano. Apenas de

Wilson Aguiar que iniciou o carnaval com um quadro de Chicongonha grave (não conseguia levar a mão ao peito) e terminou dançando com toda sua habilidade restaurada, demonstrou nas conversas pós carnaval alguma relação com o tema renovação psicofísica. Isso me levou à clareza de que meu relato não poderia ser simplesmente estendido a todo o grupo nem assumir os diferentes lugares de fala que ocupam.

Mesmo assim, não poderia apagar a importância dos mesmos nas considerações que desenvolvi. Por isso, após a qualificação da tese, propus incorporar a este ensaio suas visões da perspectiva aqui apresentada.

Os integrantes do Grupo Brincantes das Ladeiras76 receberam com alegria a

possibilidade de ler o Ensaio sobre o Carnaval para contribuir com suas considerações e experiências próprias. Combinamos no ensaio de um novo trabalho do grupo, assim eu poderia fazer sugestões sobre o trabalho deles e eles sobre o meu. Todos receberam o ensaio, alguns leram todo, outros apenas uma parte, mas discutiríamos as questões a partir da experiência de cada um para que eu pudesse colocar ponderações à minha visão, quando necessário.

Na visão de Francis, o fato de eu ter escolhido o grupo revela que “o grupo inconscientemente tem esta vitamina” que eu procurava entender. Portanto, para ela, minha leitura do carnaval é diretamente ligada ao modo como o Grupo brinca.

Valéria sentia que o modo dos Brincantes brincar era diferente. Os brincantes são essa mistura: a gente tem o filosofo, o mecânico, o poeta, a atriz. Nós brincamos frevo e brincar é essa energia. Que é interrelação.

Wilson Aguiar concorda com a minha visão de que o frevo promove uma renovação da pessoa, com uma ressalva:

o frevo realmente é impressionante, agora quando ele é utilizado também como melhoria de qualidade de vida. Você não consegue fazer isso se a coisa não tiver sabor. Você tem que consumir aquilo gostando. Quando você está cem por cento no frevo significa que você tem condições de usar toda energia que você tem, sair no carnaval e brincar no Bacalhau do Batata e depois, às 6 horas da noite brincar nos Coveiros e no Boizinho.

76 Participaram do encontro Cláudio Ramos, Dani, Duardo, Ferreirinha, Francis Souza, Mainee Ingrid,

Aponta, portanto, que a brincadeira do carnaval com frevo é bem mais extensa do que apresentado neste ensaio. Mainée Ingrid e Maria Flor trazem considerações sobre a questão da observação. Mari aponta que depois de ler a primeira parte do ensaio passou a observar essa questão de energia e concluiu que “se você vem observar vai perceber muita coisa que não percebe se você vem só brincar.”

E observei que você pode ser contaminado pelas energias do que acontece. Você é contaminado pelas energias dos grupos. Não é sobre ser feliz e triste. São as sensações vindas. Se você não reage, termina ficando pesado. E cabe a cada um lidar através do movimento para que tente reverter a energia que está tomando.

Maria Flor traz para a conversa a “relação de ver e ser vista”:

Eu me sinto mais livre em Olinda, e sei que estou sendo vista. Fisicamente, a minha energia se gasta mais em Olinda, eu me jogo mais. Se eu tiver triste, eu prefiro ir para Olinda, que vai ter aquela coisa de enlouquecer, o sol vai queimar o juízo. Mas se tiver mais cansada, é melhor ir pra Recife. Aqui em Olinda, por mais que você observe, se você dança você vai ser visto. E quando você recebe um elogio, vem uma energia que você não sabe de onde.

Um ponto interessante de discussão junto ao grupo foi o termo catalizador, citado na epígrafe do ensaio. Para Wilson a imagem de um catalizador, vindo da indústria automobilística, não parece uma metáfora adequada pois o catalizador retém as impurezas, portanto, estas ficam no catalizador. “No frevo não há essa retenção que o catalizador é”.

Já Ferreirinha entende que “o carnaval é um catalizador que separa a intenção de controle de uma sociedade para fazer fluir o sujeito sem essa moral. Quando eu me torno criança (no sentido Nietzchiniano) eu sou eu mesmo, para viver o inconsciente guardado em mim”. Assim, o corpo como catalizador seria metáfora do próprio carnaval. Mas também da fantasia/performance Saia da Toca77:

a Saia da toca é um catalizador. Ela aponta a busca por sua individuação. Catalisa, joga na toca o eu social para que assuma seu eu individual. Esse momento que a pessoa pode ser aquilo que ela é no cerne, deixando a disciplina fora.

77 Saia da Toca foi uma performance, primeira criação a partir da imersão no carnaval e que também

Ferreirinha tem refletido sobre a filosofia de Nieztsche e o Passo. Transcrevo as relações que faz com a minha investigação:

Aumento dos impulsos vitais ou intensificação dos impulsos vitais, é isso com que nietzsche se referem com o conceito: "a vida é vontade de poder" e nesse caso para sua tese poderia ser a afirmação de que o sistema frevo (o carnaval de um modo geral) é um instrumento de intensificação dos impulsos vitais que os pernambucanos sem ter consciência inventaram para viver melhor sua existência com força, apesar dos pesares.

Neste assunto é que nietzsche também tem o conceito de um de seus aforismos: "o que não me mata me fortalece". É duro e dolorido o exercício de preparação para o frevo, mas fortalece e deixa a pessoa leve. Quem não quer enfrentar esse sacrifício jamais terá a leveza de um ser dançante. Quem também não se permite enfrentar a multidão das ladeiras com todas as contradições (a violência dos arrastões, os esfregões dos ruge-ruges) perde também o frevo rasgado, o frevo povão, o frevo de rua não domesticado. É aí que você intensifica sua força vital.

Wanderson Francisco apresenta a dúvida sobre o que seria o elemento catalizador, quando enuncia a pergunta elaborada em sua leitura: “Existe um ponto em comum que estabeleça essa relação de percepção energética?” Na sua compreensão, filtrar o ambiente significa “perceber que energia quer para si.”

Esclareço na discussão que a percepção do corpo como catalisador do ambiente não se referiu diretamente ao frevo, mas à Frequência Tremor, do trabalho Ebulição, mas que a partir dela propus ler o carnaval com frevo a partir de uma noção energética. Duardo questiona se não seria melhor pensar com uma outra noção de “catalisador” que não a da mecânica. Na química orgânica “o catalisador é acelerador de partículas. Ele acelera a reação, não é um filtro.”

Essa percepção é bem interessante porque retira o ponto de dúvida de Mestre Wilson, já que não há retenção “de impurezas”. O catalisador é “uma

substância que altera a velocidade de uma reação sem ser consumido, durante o processo”.

Um elemento adicionado que provoca transformação e que se mistura temporariamente com os elementos em reação, reduzindo esforço e tornando a combinação de elementos mais rápida. Ao fim do processo, o catalisador se mantém íntegro e uma nova substância está criada.

Um catalisador diminui a energia necessária para início de reações químicas entre duas substâncias, podendo promover um mecanismo molecular diferente para

a reação, sem afetar a energia livre, ou seja, a energia interna do sistema somada a energia potencial de ser absolvida do ambiente.

Nesse caminho de compreensão, o movimento pode ser uma força catalítica com potencial de transformar relações e gerar transformações no seu Sistema, sem gasto de energia. Sendo este potencial o elo de ligação entre o Frevo e a Frequência Tremor, que exploro no Ensaio Sobre Ebulição e no Ensaio Frequências Somáticas.

Por fim, parafraseando um jargão do grupo, Wilson conclui. “Essa coisa de energia é muito abstrata, mas (como disse Mari) que existe, existe.”

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