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A opção por adentrar no debate promovido pelos autores da sociologia francesa contemporânea, em especial pelas obras de Boudon, Bourdieu e Lahire, se deve à importante contribuição dada por eles ao campo da sociologia da educação superior e da distribuição de chances. Essa contribuição está ligada ao interesse manifesto pelos autores de investigar os processos das desigualdades e das diferenciações sociais nas sociedades industriais a partir das instituições família, escola e universidade. Olhando sistematicamente para as relações entre estas, esses autores desenvolvem teorias e conceitos coerentes que nos ajudam a explicar as contradições do sistema educacional no que concerne à educação superior e o sucesso escolar de estudantes de origem popular. São autores relevantes do ponto de vista sociológico que se aproximam do campo da educação, e que nos dispusemos a aprofundar, tendo em vista as bases que lançam para as análises das desigualdades de oportunidades educacionais no sistema de ensino superior brasileiro.

O objetivo de Lahire é dar um passo à frente e reinterpretar o que já havia sido feito por Bourdieu com a teoria da reprodução, mas, diferentemente desse autor, procura se pautar pela gênese das disposições e sua influência sobre os comportamentos escolares e familiares dos agentes. Sua intenção é mostrar as vantagens de investigarmos, em contextos específicos, a constituição social e as

modalidades da expressão escrita e oral que atuam no interior desse processo, e que estão estreitamente vinculadas às formas de socialização, assim como dos capitais dos pais e dos estudantes. A principal questão levantada por Lahire, e que não chegou a se constituir num objeto de interesse para Bourdieu, diz respeito ao fato de que as famílias com condições socioeconômicas semelhantes podem gerar filhos com desempenhos escolares diferentes, ou seja, não existe uma regra universal que explique sua conformação e/ou história escolar. Seu ponto de vista refuta os argumentos que sustentam a teoria da reprodução e que são replicados na análise desses indivíduos, mostrando que as interpretações de caráter macrossocial tem poder de mascarar as práticas socializadoras (e inovadoras) que as famílias desenvolvem como estratégias deposicionais.

Para finalizar, vemos que os autores da sociologia nacional que pesquisam os estudantes de origem popular na universidade se dividem, quanto às explicações que apresentam para seu sucesso/fracasso escolar, entre aqueles que enfatizam o fator renda e aqueles que enfatizam aspectos da configuração familiar mais íntima, não avançando propriamente em relação ao que já havia sido relatado e dito pelos autores de língua francesa. Entendemos, entretanto, que o conjunto de informações que fornecem vão constituindo um mapa ou enciclopédia acerca dos mananciais de socialização e práticas culturais com as quais os estudantes no contexto nacional se deparam e dos quais queremos que emerja para o leitor toda a sua diversidade e complexidade. O que nos leva a privilegiar, na pesquisa de campo, a abordagem qualitativa para nos aproximar e obter deles as suas impressões e testemunhos.

CAPÍTULO III

METODOLOGIA DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS

Por tratarmos de experiências de vida e representações circunscritas aos universos familiar, escolar e acadêmico, entendemos que a abordagem qualitativa é a opção que melhor se adapta às características e aos interesses desta tese, possibilitando maior flexibilidade de geração e leitura de dados. Ela é, nesse sentido, receptiva ao uso conjunto de diferentes técnicas e métodos interpretativos, que, quando combinados, ajudam a esclarecer e ressaltar com maior propriedade os aspectos subjetivos desses estudantes, podendo a sua capacidade analítica ser otimizada com o uso das ferramentas da informática à disposição dos cientista sociais.

Para Martins (2004), o pesquisador que opta pela pesquisa qualitativa leva a vantagem de poder tratar da realidade e dos micros processos que ocorrem nesses contextos, com base na fala e nas ações sociais dos participantes. Porém, veremos que o resultado positivo do “contato” depende da forma como a descrição e a narração a serem realizadas pelo pesquisador, com base nos testemunhos e encontros, conseguem expor com propriedade a realidade observada. A abordagem qualitativa torna-se ainda mais potente, em termos de fonte de informação a respeito dos fenômenos sociais e educacionais, na medida em que conhecemos muito pouco do objeto que estamos tratando, podendo servir de base para outras pesquisas, inclusive quantitativas. Dessa forma, é nossa intenção aqui: i. estabelecer um contato intenso dentro do campo ou com o contexto de vida real do estudante, ii. levantar e identificar características do fenômeno, bem como percepções dos participantes, iii. conhecer as formas como explicam suas ações e disposições.

Utilizamos, para isso, a entrevista semiestruturada como meio de conhecer as trajetórias desses indivíduos. O grupo de participantes dessa enquete é constituído por jovens de origem popular (renda baixa) oriundos do ensino médio público, e que estão matriculados em cursos de prestígio de duas universidades, uma pública (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS), situada na capital do Estado, e outra uma

universidade comunitária (Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC), situada no interior do Estado, ambas as cidades localizadas na região Sul do país20.

A opção de prospectar os estudantes da região Sul ocorre em função do destaque do MEC/INEP – Censo da Educação Superior de 2017 – que a coloca como a região que tem a maior proporção de alunos em curso de graduação presencial na rede pública e privada se comparada à média nacional, com a UFRGS e a UNISC se destacando nesse universo. De acordo com o INEP/MEC (2017), o Índice Geral de Cursos (IGC) e que leva em conta a média (nota) dos cursos nos últimos três anos, a UFRGS, com 29.637 alunos matriculados, 88 cursos, fundada em 1934, teve 64 cursos avaliados no triênio (com IGC de 4.3113), alcançando o segundo lugar (faixa 5) entre as dez universidades mais bem avaliadas do país. A UNISC, com 10.718 alunos matriculados, 67 cursos, fundada em 1993, considerada uma universidade comunitária (privada sem fins lucrativos), com 52 cursos avaliados (com IGC de 3.0555), encontra-se em 24º lugar (faixa 4), ocupando um lugar importante acima do restante das universidades brasileiras consideradas de excelência.

A UFRGS, segundo o Ranking URAP 2016-2017 – World University Rankings – entre as universidades públicas aparece como a quinta colocada no Brasil no que diz respeito à qualidade e quantidade de publicações. Essa imagem se consolida em 2018, com o Ranking da Times Higher Education, que colocou a UFRGS entre as 378 melhores instituições de ensino superior de 42 países21. No ranking de universidades do Jornal

Folha de São Paulo, que classifica 196 instituições brasileiras a partir de indicadores de pesquisa, ensino, mercado, internacionalização e inovação, a UFRGS está listada em 5º lugar no cômputo geral e a UNISC em 110º lugar no ranking das universidades mais bem classificadas22. Vale destacar que um outro importante motivo para a escolha dos

estudantes do Rio Grande do Sul e das instituições citadas deve-se às características populacionais dessas instituições que, em termos acadêmicos e culturais, estão situadas

20 A UNISC é uma instituição comunitária que, embora tenha mensalidades pagas pelos estudantes sua

principal fonte de receita, diferente de uma universidade privada a UNISC não é uma instituição que visa lucro, tendo uma gestão baseada em princípios autogestionários, cumprindo a Lei que define as finalidades das instituições comunitárias – Lei nº 12.881 de 12 de novembro de 2013.

21 Fonte: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ranking inclui a UFGRS entre as melhores em

desempenho acadêmico. Disponível em: http://www.ufrgs.br/ufrgs/noticias/ufrgs-mantem-5a-posicao- entre-universidades-brasileiras-em-ranking-de-desempenho-. Acesso em: 27/12/2017.

22 Fonte: Jornal Folha de São Paulo – RUF – Ranking Universitário Folha de São Paulo 2018. Disponível em:

em cidades onde a organização e sua população urbana é bem diversificada socioeconômica e culturalmente. Isso ocorre porque as universidades citadas atendem e atraem tanto os filhos da classe média como os filhos das famílias de origem popular de várias localidades e regiões do Estado e do país, com estudantes transgêneros, estudantes negros, cotistas e índios, portanto, um público bastante heterogêneo no que diz respeito aos aspectos socioeconômico, cultural e étnico, com sucesso escolar matriculados em cursos de excelência (alta nota de corte) e que é característico com o tipo do estudantes oriundos do ensino médio público que buscamos prospectar e conhecer.

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