582
Com relação à dieta dos golfinhos, observou-se uma correspondência com os padrões 583
anteriormente descritos em outros estudos (Borobia & Barros, 1989, Lopes et al., 2012, 584
Rodriguês, 2014 ). A tendência dos golfinhos a selecionarem presas com capacidade de emitir 585
sons evidencia a natureza de predadores ativos própria destes animais. Tanto espécies 586
demersais quanto pelágicas estiveram representadas na composição da dieta de Sotalia 587
guianensis e Pontoporia blainvillei, indicando que os golfinhos são predadores cujas presas 588
podem ocorrer a diferentes profundidades. A ocorrência de presas pertencentes a diferentes 589
guildas tróficas corrobora neste estudo a importância do papel ecológico dos golfinhos na 590
estrutura da comunidade marinha. 591
Como evidenciado no caso de Elops saurus, a localização geográfica pode ser um 592
importante fator que esteja determinando a ocorrência de algumas espécies. 593
Conforme observado em diferentes estudos de dieta de golfinhos realizados em diferentes 594
regiões (Cremer, 2012, Di Beneditto & Ramos, 2004, Pansard, 2010, Rodrigues, 2014), a 595
disponibilidade local de recursos alimentares pode ser considerada um fator influenciando a dieta 596
dos golfinhos. Porém, é predominante a relevância de espécies demersais, sendo evidente que a 597
seleção de recursos alimentares pode ser mais influenciada por características funcionais 598
(“grupos tróficos”) do que taxonômicas das presas (Rodrigues, 2014). 599
Este estudo contribui com alguns novos registros de teleósteos encontrados na dieta dos 600
odontocetos do Brasil. Na dieta de Sotalia guianensis, as seguintes espécies são possíveis novos 601
registros: Acanthurus chirurgus, Selar crumenophthalmus, Hyporhamphus unifasciatus, Pagrus 602
pagrus e Lutjanus analis; embora Rodriguês 2014 já tivesse registrado a ocorrência de presas da 603
família Lutjanidae na região estudada. 604
Este estudo é a primeira descrição da dieta de Pontoporia blainvillei do litoral norte do 605
Espírito Santo, região que constitui o extremo norte da área de distribuição desta espécie de 606
odontoceto. Detectou-se que esta espécie de golfinho foi o predador mais especializado dos 607
grupos tróficos de nível superior avaliados neste estudo. 608
Com relação à dieta de Tursiops truncatus, Borobia & Barros 1989 já registraram a 609
ocorrência de Cynoscion guatucupa (=Cynoscion striatus (Cuvier,1829)) entre as presas desta 610
espécie de golfinho, coincidente com os resultados deste estudo. É importante indicar também 611
que o local de encalhe do único exemplar de Tursiops truncatus analisado neste estudo, 612
corresponde ao limite norte da área de distribuição de Cynoscion guatucupa (Menezes & 613
Figueiredo, 1980). Além disso, a única ocorrência de Centropomus spp. registrada neste estudo 614
foi para esta amostra de Tursiops truncatus. Registros adicionais sobre a dieta desta espécie de 615
golfinho são escassos ou praticamente inexistentes na literatura, fazendo com que este trabalho 616
seja uma importante contribuição de informação sobre a dieta do golfinho-nariz-de-garrafa. 617
Com relação à estimativa do grau de sobreposição trófica entre os golfinhos e a pesca, 618
observou-se um valor intermediário no índice de sobreposição trófica de Horn para o sistema 619
como um todo. Porém, detectaram-se diferenças nos valores das comparações entre pares de 620
predadores, sendo em alguns casos altos. A partir da comparação entre pares de predadores, é 621
possível afirmar que a dieta de Pontoporia blainvillei apresenta a maior sobreposição com relação 622
aos outros dos componentes avaliados (Sotalia guianensis e pesca de arrasto). É importante 623
destacar que a maior sobreposição trófica observada foi entre Pontoporia blainvillei e Sotalia 624
guianensis e a menor entre a pesca de arrasto e Sotalia guianensis (ver resultados). 625
Com relação à intensidade das interações e à especificidade dos componentes da rede 626
trófica estudada, no nível inferior, aquelas espécies com maior força da espécie e menor 627
especificidade são, na sua vez, as espécies sujeitas à maior predação e, portanto, as mais 628
vulneráveis. Assim, Isopisthus parvipinnis é a espécie mais vulnerável entre o conjunto de presas 629
consideradas neste estudo. Esta espécie, pertencente à família Scianidae, é popularmente 630
conhecida e comercializada como “pescadinha” na região, sendo alvo de intensa pressão de 631
pesca. Além de ter sido um dos componentes mais importantes da assembléia de peixes 632
demersais capturados pela pesca de arrasto nesta pesquisa, Isopisthus parvipinnis foi a espécie 633
que apresentou a maior importância na composição de presas de teleósteos, tanto para 634
Pontoporia blainvillei quanto para Sotalia guianensis (ver resultados). 635
Já no nível superior, pelo contrário, aquele componente com menor força da espécie e 636
maior especificidade, é também aquela espécie mais susceptível a sofrer os efeitos da 637
competição com a conseqüente diminuição na disponibilidade de recursos alimentares. 638
Pontoporia blainvillei é, portanto, a espécie mais vulnerável dos três componentes de nível trófico 639
superior avaliados no presente estudo. O alto grau de especialização de Pontoporia blainvillei 640
também pode ser visualizado a partir do diagrama da ordenação restrita (CCA). 641
642
Conclusão: 643
Os objetivos do presente estudo foram atingidos. A dieta de golfinhos do litoral sul da Bahia 644
e do Espírito Santo foi caracterizada. A composição íctica da pesca de arrasto em Conceição da 645
Barra foi estimada. A sobreposição de nicho trófico entre golfinhos e a pesca de arrasto foi 646
avaliada. Foram estimadas a sobreposição trófica global e a sobreposição trófica entre pares de 647
predadores. As relações predador-presa foram estudadas e a natureza das interações tróficas foi 648
descrita. Realizou-se uma modelagem de rede trófica da comunidade marinha da costa central do 649
Brasil. O presente estudo apresenta importantes implicações para a conservação de cetáceos e 650
para o ordenamento dos recursos pesqueiros. Pontoporia blainvillei a espécie de odontoceto mais 651
vulnerável a sofrer os efeitos prejudiciais da possível competição com a conseqüente diminuição 652
de recursos alimentares, entanto Isopisthus parvipinnis é a espécie de teleósteo mais susceptível 653
a sofrer o impacto da sobre-exploração pesqueira na região do estudo. 654 655 656 657 658 659 660 661 662 663 664
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