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Considerações finais

No documento MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO (páginas 123-127)

5. A PALAVRA DA PRÁTICA

5.10. Considerações finais

O hai-kai é anti-retórico, liso e simples;

Isso deriva das categorias estéticas japonesas: *Kirei: o límpido, o lindo *Wabi: a penúria, a miséria (tão simples que decepciona) *Yugen : a profundidade, o mistério O hai-kai é uma imagem, tem economia verbal, humor e objetividade, características centrais da poesia moderna Octávio Paz

Escreve Octávio Paz26 que o hai-kai é uma expressão poética sinérgica às categorias estéticas japonesas, com características internas que, embora antigas, identificam-se com as encontradas na poesia moderna. Como vem nos contando Paulo Leminsky ao longo do texto, o modo de fazer hai-kai vem sendo recriado, desde sua introdução no Brasil por Guilherme de Almeida, que em 1936 o transpôs para o português e em 1947 a ele acrescentou a rima. De fato, se originalmente constava necessariamente de 17 sílabas em três versos, o primeiro de cinco, o segundo de sete e o terceiro de cinco, de maneira a rimar o primeiro com o terceiro, agora pode dispensar a rima e a contagem de sílabas. Entretanto, para que sejam hai-kais, são mantidas algumas das suas características internas: os temas são simples e da natureza, cada um dos versos expressa coisas diferentes: algo eterno, uma novidade e a síntese, e assim por diante.

De maneira análoga, buscamos neste capítulo verificar a ótica dos sujeitos que integram as ONGs selecionadas sobre as características internas do conhecimento gerado pela prática social e da sistematização de experiências enquanto um procedimento particular. Não pressupomos que essas características fossem tomadas como regras constituídas rigidamente em 17 sílabas, mas, ao contrário, que, recriadas conforme cada contexto institucional e individual, fornecessem os marcos conceituais, sempre necessários para a construção de procedimentos práticos que façam sentido no universo da prática

social. Vale lembrar que é essa mesma idéia que sustenta a sistematização de experiências, ou seja, seus resultados não são medidos pela fidelidade aos modelos, às técnicas ou aos manuais de procedimentos. Ao contrário, buscam constituir-se em referências, inspirações e em procedimentos que, justamente por existirem, permitem sua re-edição, ou transgressão, sempre fonte de toda criação. Feita essa ressalva, não pretendemos chamar toda expressão poética de hai-kai, todo procedimento utilizado para a produção de conhecimento de sistematização, ou toda produção derivada da prática de conhecimento, de maneira genérica, mas sim destacar suas especificidades. Paralelo a isso, uma das dificuldades encontradas para a análise das entrevistas reside justamente no fato de que as respostas dos sujeitos não apareceram, o mais das vezes, como socialização de um conhecimento estruturado a propósito das questões, mas como reflexões livres sobre o tema, intrincadas em diversos outros conteúdos. Por alguma razão, aqui não explorada, a questão parece estar ausente do debate, apesar da sua importância reconhecida.

Assim sendo, correndo o risco da generalização que desconsidera excessivamente a singularidade, podemos dizer que os sentidos atribuídos aos sujeitos sobre o conhecimento da prática podem ser assim resumidos:

(1) O conhecimento derivado de suas práticas é considerado uma forma particular de conhecimento, localizado em um ambiente específico (organizações sociais) onde também encontra sua legitimidade e sentido. Entretanto, confunde-se por vezes com informação e com comunicação. (2) É um conhecimento contextualizado, referenciado e considerado

expressão do pensamento das organizações, bem como dotado de valor e de poder.

(3) Referencia-se em marcos teóricos implícitos a propósito das relações entre teoria e prática, entre sujeito e objeto de conhecimento. Entretanto, não existe homogeneidade sobre como de fato essas relações se dão: onde está a teoria em relação à prática e onde estão e quem são os sujeitos construtores de conhecimento.

(4) Inclui uma dimensão autobiográfica, na medida em que parte dos valores dos sujeitos e das organizações e contribui para construir suas identidades.

Caráter autobiográfico aqui concebido tal como proposto nas teses do “conhecimento emergente”: “...para isso é necessária uma outra forma de conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos” (SANTOS:2003, 85).

(5) Compõe-se de duas dimensões relativas a dois processos: o processo de produção do conhecimento, conectado a preocupações relativas à sua distribuição, ou seja, o conhecimento é produto social; e/ou o processo de construção, dotado de procedimentos e objetivos mais conectados com o desenvolvimento de pessoas e de grupos, e que pressupõe a interação direta do sujeito com o objeto de conhecimento.

(6) É uma referência local que pode ser generalizada, ou como ajuda SANTOS “....reconstitui os projectos congnitivos locais, salientando-lhes a sua exemplaridade, e por essa via, transforma-os em pensamento total ilustrado” (2003: 76)

Os sentidos dados à sistematização de experiências, por sua vez, são ora amplos como princípios, ora restritos, como parte de um processo reflexivo maior. Entretanto, notamos a aproximação entre seus pressupostos e aqueles defendidos pelos sujeitos que se dedicam a formar educadores. Para estes, sendo a construção de conhecimento uma relação entre a teoria e a prática, sempre mediada pelo sujeito de conhecimento, parece mais imediato a realização da sistematização de experiências sempre a partir dos sujeitos da prática.

Ainda assim, estando seus objetivos, bem como seu objeto e seu sujeito, interpenetrados com os das ONGs, não consideramos possível dizer que em todas as organizações a sistematização de experiências é considerada uma expressão particular, relativa aos modos de produzir e construir conhecimento prático, ou que projetos de sistematização de experiência como unidades de ação sejam parte integrante destas experiências. Em alguns casos, são mesmo assumidos a partir de demandas externas e em outros não trata de sistematização de experiências, mas sim de informações.

Para além disso, talvez não seja exagero dizer que trata de uma construção de sentidos (como vimos sempre individuais), e de significados

(sempre coletivos) em construção. À semelhança dos hai-kais, que na origem não prescindiram dos elementos estéticos japoneses, pode ser o momento seja o de fortalecimento e apropriação de elementos de uma cultura que valorize, ainda mais, e tanto quanto a atividade prática, a construção do conhecimento que dela deriva.

No documento MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO (páginas 123-127)