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Na Introdução, apontamos para a necessidade de uma compreensão sobre as múltiplas relações estabelecidas pelo homem na sociedade de tempos e espaços distintos. Afirmamos que, só assim, seria possível compreender que grupos de ideias vêm regendo essas relações e como lidar com eles. Afirmamos, do mesmo modo, que as obras literárias, por serem resultado das conexões homem-mundo e tempo-espaço, se apresentam como veículos desses múltiplos elos e que, por isso, são objetos de investigação imprescindíveis.

Nesta perspectiva, propusemos a análise da obra de Bartolomeu Correia de Melo, que se entrelaça pelo viés da memória com a história política e geográfica do Rio Grande do Norte. Porém, sendo a obra literária uma produção artística, tê-la como objeto de investigação não foi o mesmo que ter um documento histórico em mãos, afinal, mesmo que conectada a uma época e lugar, uma obra não necessariamente traz dados do contexto de sua produção. Aliás, afastar-se da realidade em curso, é um aspecto importante a ser investigado numa obra literária.

A escolha pela obra ficcional de Melo, como revelamos no início, se deu tanto por ser veículo de memórias, quanto por sua qualidade literária. Assim, o primeiro capítulo da pesquisa buscou apresentar, a um só tempo, o potiguar Bartolomeu Correia de Melo e como o próprio autor e críticos da literatura percebiam a sua obra.

Foi demonstrado que as poucas análises dedicadas à obra de Bartolomeu Correia de Melo não tiveram o propósito de serem críticas literárias, ficando na superficialidade dos textos, muito embora tenham sido responsáveis por levantar questões significativas, como a aproximação entre a ficção do potiguar e a do mineiro Guimarães Rosa e o tom anedótico impresso nos contos de Melo. Sobre essas duas questões, não foi alvo de nossa investigação a aproximação entre as obras de Rosa e Melo, mas nos rendeu o capítulo IV a afirmação equivocada de que seus contos seriam meramente anedóticos.

Através de uma visão panorâmica, o primeiro capítulo conseguiu apresentar o autor, sua ficção e dar início à investigação acerca da tradição literária a que estava filiada a obra do potiguar. Demonstramos através da leitura dos contos “Presepada”, “A parteira” e “Estória praieira”, o modo como a tradição se faz presente na obra de Melo e como a própria obra pode ser tomada como elemento dessa mesma tradição.

Destacamos que o próprio Bartolomeu Correia de Melo aponta a que tradição está filiada a sua obra, já que reconhece como influência os textos de Machado de Assis, Monteiro Lobato e Guimarães Rosa. Aponta também a aproximação com os potiguares Manoel Onofre

e Tarcísio Gurgel. Apesar de termos levado em conta o ponto de vista do autor, optamos por não testar a sua hipótese, dispensando a análise comparativa entre a sua obra e as dos demais autores citados.

Contudo, os trabalhos futuros que vierem a realizar uma análise comparativa entre a obra de Bartolomeu e a de outros potiguares ficcionistas serão de grande importância, uma vez que estarão contribuindo para o mapeamento das tradições do Rio Grande do Norte, de modo geral, e da tradição literária, de modo específico.

Desde o primeiro capítulo, ficou visível que a obra de Melo é regionalista, mas só no segundo o regionalismo é destrinchado. Embora a obra do potiguar seja herdeira de uma tradição literária, consagrada na segunda fase do Modernismo, ora apresenta elementos que se aproximam, ora que se distanciam do regionalismo de 30.

Porém, foi visto que mesmo nos momentos de distanciamento, a obra de Melo não deixa de ser regionalista. Isto, porque o regionalismo contemporâneo admite novos contornos. Apresentamos as dez teses de Chiappini (2014) sobre o regionalismo contemporâneo, colocamos as teses em diálogo com os estudos realizados por Candido (1999, 2011a, 2011b, 2011c, 2011d), revisitamos a teoria de Raymond Williams (1997) sobre resíduo cultural e chegamos à seguinte conclusão: a obra de Bartolomeu Correia de Melo não é anacrônica, mesmo que diga respeito às tradições e às paisagens do passado.

Ainda no segundo capítulo, a partir da análise do conto “Transa de gado”, foi possível perceber a projeção dos elementos culturais ao longo dos anos. Vimos que, na literatura do regionalismo de 30, a representação da mulher parecia não dar conta de suas inquietações, já que o idealismo patriarcal obnubilava a apreensão da realidade. Porém, a obra de Bartolomeu Correia de Melo, mesmo trazendo dados de uma sociedade ainda patriarcal, representa a mulher de modo distinto, reconhecendo seus novos modos de articulação.

Depois de termos reconhecido que a obra de Melo é regionalista e termos apontado a que regionalismo a obra se filia, demos andamento à pesquisa, destacando outro elemento da tradição: o narrador. Assim, o terceiro capítulo do trabalho discutiu os aspectos da tradição e da modernidade na construção da narrativa, dando destaque à figura do narrador e à aproximação com a tradição oral de contar histórias.

Ao discutir aspectos da tradição e da modernidade na leitura dos contos, observamos que o narrador na obra de Melo se coloca entre as duas. Tendo em vista que a tensão entre tradição e modernidade esteve acentuada muito mais no período da introdução dos novos modelos de produção e da intensificação da urbanização, pairou sobre a análise a suposição anterior de ser anacrônica a obra de Bartolomeu Correia de Melo.

Assim foi preciso manter acesa as ideias de Raymond Williams (1997) no que diz respeito à presença de dados culturais do passado, no presente. Afinal, de modo algum podemos afirmar que não há tensão entre tradição e modernidade nos dias de hoje. Os países, como o Brasil, que vivenciaram uma modernização conturbada (tardia, inconclusa, de pouco alcance, não planejada), são territórios férteis em contrastes que demonstram ainda esta tensão. Mostramos na obra de Melo que esses contrastes existem, mas não foi a nossa intenção buscar uma resposta que explicasse, por exemplo, se a tensão entre a tradição e a modernidade do período pós-guerra tem a mesma motivação da tensão atual.

Até o terceiro capítulo, foram trabalhados mais intensamente os aspectos da tradição: a tradição regionalista, a tradição literária, a tensão entre a tradição e a modernidade, as narrativas da tradição oral. Porém, no quarto capítulo, a pesquisa se voltou para uma característica específica da obra de Bartolomeu Correia de Melo: o riso. E a afirmação feita pelos críticos mencionados, de que a obra do potiguar seria meramente uma anedota, foi refutada.

Mostramos que os contos de Bartolomeu fazem rir, mas o riso promovido por eles é um riso capaz de desconstruir ou, no mínimo, possibilita revisitar antigos valores. Com a leitura dos contos “Besta fera”, “Da janela”, “Presepada”, “Cabo Catota” e “Tira-teima”, pudemos demonstrar o modo como o riso está articulado na obra e quais discussões podem ser levantadas a partir do que é realçado pela sua presença. Para tanto, foi preciso lançar mão dos estudos feitos por Mikhail Bakhtin, sobretudo o que compõe a obra A cultura popular na

Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais.

Porém, outros estudos foram importantes, sendo um deles o de Faraco (2009), que se debruçou sobre o círculo de Bakhtin, sobre as ideias do filósofo russo e o seu ideal de democracia. Ao destacarmos o desejo de Bakhtin que, segundo Faraco (2009, p. 79), era o de ver “um mundo em que qualquer gesto centrípeto será logo corroído pelas forças vivas do riso, da carnavalização, da polêmica, da paródia, da ironia”, percebemos que a obra de Bartolomeu Correia de Melo, de acordo com a análise realizada, correspondia a esse mesmo ideal.

O quinto e último capítulo retomou, não apenas o debate sobre o riso na ficção do potiguar, mas valeu-se de todos os debates anteriores para que fosse realizada a leitura do conto “Romaria”. Nesse capítulo, foi possível trabalhar o texto de modo dialético, ora direcionando a atenção para aspectos internos, ora para os aspectos externos da obra.

Com a análise de “Romaria”, confirmamos o quão é importante a leitura da ficção de Bartolomeu Correia de Melo para atender ao que colocamos como necessidade no início deste

trabalho: conhecer aquilo que diz respeito a cada um de nós, para que então possamos compreender, aceitar, negar, subverter aquilo que nos define e determina o nosso modo de ser e estar no mundo.

Importante não é apenas a leitura da obra de Bartolomeu Correia de Melo, também o é a de outros potiguares, se quisermos saber o que nos define enquanto potiguares. A de outros brasileiros, se quisermos saber o que nos define enquanto brasileiros. A de escritores de outras nacionalidades, se quisermos saber o que nos define enquanto potiguares, brasileiros e humanos, integrados numa teia social que vem sendo fiada desde o início de nossa existência. Encerramos o presente trabalho – jamais a pesquisa – estando atentos sobre a importância da leitura literária, mas reticentes no que diz respeito ao seu alcance. Tendo em vista as diretrizes da educação brasileira, o que está sendo e como está sendo lido nas escolas do nosso país? Seria viável encaminhar a leitura de uma obra literária, aos moldes da que ora promovemos, em salas de aula dos ensinos fundamental e médio? Que resultados obteríamos caso pudéssemos aproximar os alunos das tradições que lhe foram determinantes? Será que reconhecer aquilo que lhe define pode colaborar para um novo modo de ver o mundo e nele atuar? Estas perguntas conduzem a novos cenários investigativos e devem ser abraçadas pelos pesquisadores que percebem a literatura como uma obra de arte e, por isso mesmo, múltipla de possibilidades.

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