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Este trabalho teve por objetivo principal editar diplomaticamente vinte e cinco manuscritos do século XVIII, pertencentes ao AHU, relacionados à temática indígena da Capitania da Bahia. As expectativas com os documentos foram muitas e em alguma dimensão cumpridas. Inicialmente, a dificuldade de revelar as diferentes e várias mãos inábeis que pareciam impossíveis de serem interpretadas, foi motivo temporário de aflição e de pouca produção. Entretanto, o exercício cotidiano proporcionou o desenvolvimento da habilidade necessária para cumprimento da tarefa e o que antes se considerava angustiante se tornara prazeroso.

É possível perceber que um desenvolviemnto de mestrado permite, de fato, que novas competências sejam adquiridas e, progressivamente, cada empecilho que se interpunha era, a seu tempo, devidamente sanado, quer por leituras de boas referências, quer pelas orientações. Depois de observar que a pretensão de editar os textos, ao primeiro olhar herméticos, foi conseguida e que este material pode estar disponível para futuras pesquisas, podendo ser utilizado para diversos fins, quer linguístico, quer histórico, apresentado numa nova modalidade, pode-se enxergar a validade de um trabalho de pesquisa.

Procurando seguir os princípios filológicos ao trabalhar com textos escritos, buscou-se fazer transcrições fidedignas para que a descrição dos fatos da língua no momento em que o texto foi escrito não sofresse alterações. E aí, é oportuno lembrar das palavras de Erich Auerbach (1972, p. 11), quando diz:

A necessidade de constituir textos autênticos se faz sentir quando um povo de alta civilização toma consciência dessa civilização e deseja preservar dos estragos do tempo as obras que lhes constituem o patrimônio espiritual; salvá-las não somente do olvido como também das alterações, mutilações e adições que o uso popular ou desleixo dos copistas nelas introduziram necessariamente.

Partindo dessa reflexão, e consciente de que os dados existentes sobre a sociedade indígena brasileira no contexto de dominação ainda são incipientes, sobretuto os referentes a um período tão caro à história da linguística no Brasil, que é aquele em que a língua geral passa a ser desprestigiada, sentiu-se a

necessidade de se fazer uma edição conservadora dos manuscritos estudados, uma vez que elementos linguísticos do texto estabelecido permitiriam estudar a língua nele documentada. A preocupação de procurar transcrever a língua que o texto apresenta, para que não se criasse um fato linguístico novo, foi o estandarte durante todo o processo, mesmo se tendo a consciência de que é comum acontecer erros ao se transcrever um modelo cuja escrita difere daquela a que se está habituado.

Obviamente, em função dos limites temporais, não foi possível, neste estudo, fazer uma transcrição dos textos exógenos ao corpus básico desta pesquisa, questão que poderá ser retomada posteriormente. Além da edição dos vinte e cinco documentos, teve-se a preocupação de proporcionar, com os recursos disponíveis, uma análise dos aspectos paleográficos identificáveis e um resumo das informações narradas em cada documento. Para contemplar a análise linguística proposta, fez-se um cotejo das variantes textuais e um glossário das abreviaturas identificadas, favorecendo estudos posteriores.

Embora a documentação não apresente claramente a autoria da maioria dos manuscritos, deixando uma lacuna se índio ou não-índio, vê-se claramente a vontade indígena documentada nos textos, evidenciando sua função de inferioridade e subserviência diante do colonizador. Essa subserviência, escravagista, como comprovam os documentos editados, direciona para a aceitação de que os índios tinham e têm uma vida sofrida, como se vê na fala metafórica de um índio Bororo contemporâneo, cujo nome bastante

significativo, Lourenço London, de Mato Grosso, quando diz: “O homem

branco, aquele que se diz civilizado, pisou duro não só na terra, mas na alma do meu povo, e os rios cresceram, e o mar se tornou mais salgado porque as

lágrimas da minha gente foram muitas” (cf. odrigues, 1996), isto é, sofrimento até antroponímico.

Em síntese, é emergente a busca por dados mais concretos que possam subsidiar a história do índio no contexto social brasileiro e assim contribuir com a difusão de que o indígena participava efetivamente, não apenas na formação de um povo, de uma nação, mas também no formato linguístico, a menos lexical, que culminou no português do Brasil.

Portanto, julga-se que as informações constantes neste trabalho darão contribuições para futuras pesquisas, tanto linguísticas como histórico-sociais, da inserção dos índios no contexto brasileiro.

Independente de todo o crescimento acadêmico que esta pesquisa tem proporcionado, para além disso, se pudesse fazer ouvir a voz de quem talvez

tenha morrido em seu eco: daqueles “quesô com amorte Se entregaõ” (DOC 10, f. 2r, l.16,17).

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