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A cidade de Santa Maria sempre foi considerada um pólo no setor comerciário. Desde a sua fundação, passando pela vinda dos imigrantes europeus e, posteriormente, dos asiáticos, crescendo a níveis impressionantes com a chegada da estrada de ferro, convivendo com o prestígio e o crescimento dos grandes centros capitalistas e, mesmo com o fim da ferrovia, não parou de crescer, seja motivada pelo setor educacional ou militar atual. O que sabemos é que essa importância, vista durante diferentes períodos da sua breve história, não a abandonou.

Mesmo com as crises nacionais, a cidade nunca perdeu seu papel de destaque. No final da década 1970, o Brasil convivia com uma Ditadura Civil-Militar oscilante, demonstrando que seus dias estavam chegando ao fim. O discreto charme da burguesia estava sendo afetado por uma economia que tinha vivido seu ‘milagre’ e agora permanecia imersa em um breu sem fim. O povo não tinha voz, apenas assistia e sofria. Sofria na política, sofria no bolso, sofria nos esportes. Acompanhou uma Laranja Mecânica acabar com o sonho do tetra. Os irmãos não tinham mais coragem. A época era de Dancing Days. Eram dias de dança que, como Gabriel o “Pensador” cantaria posteriormente: “era a dança do desempregado”. Neste tempo, os empregos se tornaram artigos de luxo, as disputas aumentaram e o país mergulhou em uma crise sem perspectiva de retorno.

As cidades cresciam sem parar e, seguindo este pensamento, a cidade de Santa Maria era vista como um local de possibilidades inesgotáveis, com suas iniciativas no Ensino Superior, um setor comerciário visto como referência regional e forte presença de regimentos militares. Todavia, a crise econômica internacional dos anos de 1970 deixou fortes marcas no Brasil e, por meio disso, o número de oportunidades de emprego passou a diminuir, indo em direção contrária da procura. Ou seja, era muita gente e pouca oportunidade de emprego, formando grandes bolsões de desemprego.

Sendo assim, a geração de ocupações de baixa qualidade surge como possibilidade de incorporação econômica dos indivíduos prejudicados por essa nova realidade. Contudo, tal inclusão através de trabalhos (irregulares e informais) acaba sendo insuficiente para sanar os problemas enfrentados, pois as mesmas se apresentam como ‘inseguras’, no sentido de continuidade, no nível de rendimentos e no acesso aos programas de segurança social (saúde, previdência, seguro- desemprego). Com isso, os problemas perdurariam, sendo apenas atenuados e mascarados.

Neste contexto, a década de 1980 se inicia com grandes modificações em gestação - novas condições de padrões produtivos, tecnológicos (salienta-se que as inovações tecnológicas se fazem acompanhar de um cenário de baixas taxas de crescimento econômico, com desregulado concorrência e profundas incertezas na economia mundial). Por consequência, tende a se ampliar o grau de heterogeneidade social, identificando por meio da instabilidade do mundo do trabalho, da precarização das condições e relações de trabalho e da permanência de elevadas taxas de desemprego e reorganização do mercado de trabalho. Uma das principais características deste momento foi a crescente preocupação com a agilidade do processo produtivo. Essa agilidade acaba por formar segmentações dentro do mercado de trabalho e um enxugamento de oportunidades em detrimento à tecnologia em expansão.

No Brasil, a política econômica da época impôs uma impressionante queda do número de postos de trabalho e parte dos empregados que perderam suas posições foram obrigados a buscar novas formas de obter o seu sustento. A partir do momento em questão, a desigualdade social potencializa seu papel na disputa pelas melhores posições no mercado de trabalho, pois, com os diferentes graus de especialização que os indivíduos detêm, a divisão privilegiaria os mais especializados. Instituindo uma gradativa polarização dos melhores postos de trabalho e aumento na diferença de rendimentos.

Com o intenso trânsito de indivíduos de diferentes procedências, as cidades passaram por grandes transformações, tornando-se natural o surgimento de problemas no seu setor organizacional, sejam eles no quesito da segurança (crimes), na economia (falta de oportunidades de emprego, má divisão de renda, no âmbito social (questões de cidadania) ou espacial (infraestrutura - saneamento

básico, ruas, serviço público)). Fatores estes que ocorreram em uma velocidade assustadora.

Sendo assim, no interior deste processo surgem segmentos marginalizados e estereotipados, fator que acabou por estimular preconceitos e discriminações, dificultando as relações entre os diferentes grupos, construindo um abismo entre cidadãos que dividem o mesmo espaço.

Para piorar, a cidade de Santa Maria passa a conviver com dois processos que agravariam o quadro da época: um enxugamento de alguns setores do mercado de trabalho e do processo migratório que aumenta durante a década de 1970-80, fazendo com que a cidade aumente no sentido quantitativo, não no qualitativo. A partir disto, ocorre uma rápida proliferação dos trabalhos feitos por conta própria, os quais não possuem contrato de trabalho com garantias de direitos trabalhistas e sociais. A informalidade ganha espaço e seus efeitos não tardariam a serem sentidos.

A partir de meados da década de 1990, a situação da informalidade em Santa Maria se torna incontrolável, já que, as atividades sem vínculo duradouro e sem a perseguição tributária se apresentaram como a saída para os momentos de crise. Todavia, a cidade de Santa Maria, mesmo que tendo passado por grandes mudanças durante sua história, ainda sofria com uma organização não mais que mediana. Somado a isso, as políticas públicas insuficientes que só faziam aumentar as parcelas desprotegidas dentro da sociedade.

A fundação do Camelódromo não foi mais do que um ‘tapa-furo’. Ou seja, uma solução de momento, já que a situação econômica/trabalhista vivida era nada mais do que caótica e apenas potencializou os problemas. Com uma fiscalização praticamente inexistente e a organização muito aquém do necessário, o crescimento se tornou incontrolável. A antes solução se apresentou como um problema que novamente daria dores de cabeça para a população da cidade. No sentido urbano, a construção do Camelódromo na Avenida Rio Branco poderia ser facilmente chamada de crime ou atentado pelo simples fato de deixar com aquela aparência desorganizada o principal cartão postal da cidade.

Mas a culpa não é do povo – leiam-se trabalhadores informais, uma vez que muitos daqueles que foram tentar a sorte no comércio informal, se pensassem diferente poderiam estar dentro das parcelas marginalizadas, pendendo para a mendicância ou, pior, para a criminalidade. A má organização do Camelódromo não

pode ser colocada nas costas dos vendedores da pequena banca, pois estes indivíduos apenas estão reproduzindo o que lhe foi ensinado desde sempre. Ou seja, o mundo é dos ‘espertos’.

E notando que a situação estava fora de controle, o governo municipal decidiu realocar novamente aqueles vendedores, que há 20 anos haviam sido levados ao Camelódromo, para o Shopping Independência. Mas o que está diferente do Camelódromo? Muitos vão dizer que a organização, a segurança, a estética, o público. Partilha-se com alguns pontos, mas há dúvidas de que a solução final é o Shopping Independência ou, como é conhecido por grande parcela da sociedade santa-mariense, o Shopping “Popular”, já que, quando fundado, o Camelódromo também gozava das mesmas prerrogativas. Isso, porém, não temos como saber agora.

O que se pode notar é que as condições do Shopping Independência não são totalmente recomendáveis, ainda que, atualmente faltem alguns elementos que possibilitem boas instalações para os vendedores e consumidores, pois o espaço é mínimo, as instalações de segurança não são as exigidas e a divisão por andar permanece atrapalhando no desenvolvimento das atividades.

Mesmo assim, o chamado comércio informal não terá fim, pelo menos não tão cedo. No lugar daqueles que estão hoje no Shopping Independência, chegarão outros e mais outros, fazendo com que seja necessária a construção ou a remodelação do atual local destinado a esses trabalhadores.

Ainda assim, nem tudo pode ser visto de forma negativa, é facilmente perceptível que os antigos camelôs, antes vinculados a produtos ilícitos ou de baixa qualidade, estão se tornando microempresários que trabalham com nota fiscal, com produtos de procedência garantida e de qualidade. Deseja-se crer que os preconceitos e desconfianças sobre este segmento do trabalho/economia do país desapareçam, fazendo com que aumentem os investimentos no setor que, por vezes, é apenas trocado de lugar. Qual produto você deseja adquirir?