• Nenhum resultado encontrado

Com talento, esforço e competência

Capítulo 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizada como estudo exploratório sobre os efeitos do racismo na experiência emocional de negros brasileiros que conheceram relativa ascensão social, a presente dissertação pode chegar à conclusão que o racismo é uma realidade presente e importante na vida da pessoalidade coletiva pesquisada.

O exame da constituição do racismo como problema e objeto de pesquisa no Brasil permitiu caracterizar as peculiaridades e complexidades do assunto no contexto nacional, bem como apontar para a relevância de estudos sobre o tema. O racismo se apresenta como um problema a ser investigado e confrontado por múltiplos ângulos de análise, e é um tema que vem ganhado destaque nas discussões da sociedade civil, na produção acadêmica e na esfera governamental.

A necessidade de elaborar um enfoque investigativo que permitisse uma compreensão ampla do fenômeno nos levou à busca de referências teóricas e metodológicas, que pudessem fornecer subsídios para o delineamento do projeto de pesquisa. O conceito de colonialidade, a obra de Frantz Fanon (1952;1961) e os princípios metodológicos da psicanálise concreta nos permitiram uma base que orientou a investigação. Uma apreciação inicial, mas suficiente para o escopo do mestrado, da produção da área da psicologia sobre o tema, tanto no âmbito de artigos nacionais, como das produções em língua inglesa, permitiu-nos situar melhor nosso trabalho no contexto do debate científico contemporâneo, para o qual nossa disciplina pode trazer subsídios relevantes.

Baseados nos referenciais metodológicos da psicanálise, realizamos uma pesquisa empírica com dois homens negros, que conheceram relativa ascensão social, utilizando uma estratégia encoberta de investigação – pedindo que nos contassem suas história de vida - para descobrir: 1) se o racismo aparece como evento relevante em sua experiência emocional; 2) a partir de

que campos de sentido afetivo-emocional ou inconscientes relativos se organizaria tal experiência.

A partir do material empírico, chegamos à conclusão de que o racismo aparece como uma realidade importante na história dessas pessoas, gerando impactos relevantes em sua subjetividade e modo de ser, causadores de sofrimentos.

Adotando a perspectiva da psicanálise concreta, não consideramos fundamental o detalhamento minucioso, eventualmente encontrado em certos tipos de pesquisa fenomenológica, sobre como seria experimentada esta dor em nível individual. Tampouco nos interessamos por teorizações distanciadas da experiência, à moda da metapsicologia freudiana, voltadas à abordagem da angústia e do sofrimento como processos psíquicos que poderiam ser descritos em termos dinâmicos, tópicos e econômicos. Não vemos utilidade nesse tipo de construção abstrata característica da psicanálise clássica, que segue o modelo pulsional (Greenberg e Mitchell,1984).

Outro é o nosso posicionamento, comprometido com a articulação entre aquilo que é cotidianamente vivido como experiência emocional sofrida, por indivíduos e coletivos, clamando por superação e transformações que só se efetivarão a partir de atos e gestos concretos e em contextos mais amplos de organização. Assim, fugimos tanto da abstração psicologizante quanto da abstração filosófica discursiva, que analisa com precisão mas se mantém impotente, na medida em que ambas não contribuem com a ultrapassagem do racismo e de outras formas de opressão.

Seria pertinente nos indagarmos, neste fechamento, sobre as formas como a psicologia pode participar de modo produtivo para a resolução de problemas tais como o racismo. O assunto é vasto, de modo que não faremos mais do que algumas observações. Distinguimos, neste sentido, dois caminhos, a nosso ver complementares. De um lado, pensamos que trabalhos como o presente podem trazer subsídios para a clinica contemporânea dos sofrimentos sociais, enquanto, de outro, entendemos que a própria produção de conhecimento sobre a experiência emocional daqueles que são atingidos

pela discriminação pode ser útil, contribuindo para debates que devem envolver não apenas cientistas, mas também a sociedade civil e os movimentos sociais.

No plano da clínica psicológica, pensamos em termos de práticas diferenciadas, uma vez que usamos o mesmo método psicanalítico, de abertura para o estabelecimento de contato com a experiência emocional, deslocando-o ligeiramente, segundo as indicações de Bleger (1963) e Herrmann (1979), no sentido de não postular um psiquismo isolado para concebê-lo como algo que se dá entre pessoalidades individuais e coletivas. O inconsciente seria, nessa perspectiva, um conjunto de ambientes humanamente produzidos, que se consagram como lugares em que vivemos (Winnicott,1971). Deslocando o método, deslocamos o inconsciente e transformamos a clínica psicológica radicalmente, abandonando práticas de culpabilização individualizante por outras de reconhecimento de traumas de origem social. Nesta clínica, a culpa cederá espaço para o cuidado relativo aos sofrimentos de injustiça, humilhação, desamparo e cerceamento de liberdade.

No plano do debate contemporâneo sobre o racismo, que é uma das formas de opressão causadoras de sofrimento social, a contribuição da psicologia nos parece fundamental por conferir um tipo muito específico de visibilidade ao fenômeno. Trata-se, a nosso ver, de descrever e compartilhar experiências para tornar o problema mais humanamente tangível, sensibilizando, criando empatia, conspirando, enfim, contra visões cínicas, cada vez mais frequentes no mundo neoliberal, e que buscam a diminuição do sofrimento humano apenas quando este não contraria a lógica do mercado.

Finalizamos avaliando positivamente o trabalho que realizamos, conscientes de que cumpre exigências iniciais de um longo processo de formação como pesquisador. Todo o percurso serviu-nos para confirmar um comprometimento com o problema do racismo em si e com o rigor requerido pela pesquisa qualitativa com o método psicanalítico. Desse modo, acreditamos ter construído um ponto de partida suficiente para a proposição de um novo projeto que nos permita prosseguir e aprofundar o estudo da mesma temática.