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I. CONCEITUALIZANDO: ESTRATEGIA E AMEAÇAS NO PÓS-GUERRA FRIA

1.3 Considerações Finais

A partir do debates iniciados neste capítulo, compreende-se que o fim da Guerra Fria é definido como um momento peculiar para as relações internacionais e para a demarcação de uma agenda de segurança internacional para os EUA. Isso porque se trata de um período no qual os pólos de poder se readequam com o arrefecimento da ordem bipolar trazido pela queda da URSS e a definição dos EUA como superpotência mundial. De fato, uma estrutura de poder multipolar já existira em períodos anteriores, contudo, a constatação do real papel dos EUA neste cenário, consagrando-se como um poder hegemônico em termos políticos e militares, é vista como uma importante variável.

Com a perda do inimigo soviético abrem-se diversas possibilidades para a discussão do que emergiria como nova ameaça aos EUA e generalizadamente ao sistema internacional. A exigência do estabelecimento de uma estratégia de segurança nacional que fosse capaz de abarcar o cenário do pós-Guerra Fria tornou-se mais contundente no final do governo Bush, como será apresentado a seguir. É importante ressaltar que, neste trabalho, ao se tratar da estratégia de segurança nacional norte-americana, muitas vezes chamada de grande estratégia, refere-se à estratégia no nível da política, e mais especificamente nos dizeres e definições propostos pelo governante maior e chefe das Forças Armadas, ou seja, o Presidente da República. Esta estratégia é representada oficialmente pelos discursos do Presidente e sua equipe de segurança nacional, bem como pelo documento National Security Strategy, compreendido como a expressão oficial máxima da estratégia americana em nível político.

É a partir deste cenário de indefinições que se delineam as discussões sobre as novas guerras e as novas ameaças e, no que tange às novas ameaças, focamo-nos especificamente no caso do terrorismo.

Debates sobre a natureza da guerra e possíveis alterações são tão antigas quanto o próprio conceito de guerra. Contudo, nas últimas décadas a discussão sobre novos padrões nos conflitos parecia, mais uma vez, encontrar justificativas na conjuntura internacional. Uma série de eventos que se encaixariam nesta classificação, em situações nas quais existiu a erosão do monopólio do Estado do uso legítimo da violência, torna-se mais freqüente e, viabilizando a ampliação das perspectivas sobre estes conflitos. Nesse sentido, os autores que desenvolveram teses sobre o assunto tentaram responder algumas questões, dentre elas a viabilidade de um novo conceito de guerra perante a realidade, a relação entre essas guerras e o cenário de acirramento da globalização e interdependência mundiais e quais as suas diferenças reais com os conflitos de épocas anteriores.

Nas novas guerras, ou seja, conflitos intra-estatais que emergem no contexto de falência Estatal e transformações sociais pontuadas por divergências essencialmente étnicas e religiosas, ao contrário das majoritariamente ideológicas e políticas de períodos anteriores, não é possível diferenciar combatente de não combatente, o que ocasiona o aumento de mortes e massacres de civis e ondas de refugiados, não sendo respeitadas as regras de conduta na guerra.

Ainda assim, é importante ressaltar que a guerra tem se adaptado ao longo dos anos, agregando novas táticas, armamentos e possibilidades de ataque, o que não significa dizer que sua natureza tenha sido alterada. Desta maneira, compreendemos que o tema das “novas guerras”, não diz respeito tanto à novidade ou à inexistência de precedentes históricos, dessa formas de conflito, mas ao aumento de sua relevância política nos últimos anos. A natureza desses conflitos continua a mesma, haja vista que conflitos intra-estatais sempre existiram e o uso da violência é intrínseco em qualquer conflito. Contudo, o que mudou foi o enfoque conferido a eles pela opinião pública mundial e pelas organizações internacionais, tornando estes fenômenos globais, na medida em que passaram a atrair a atenção e a preocupação da comunidade internacional, que exige respostas contundentes para a manutenção da paz e da segurança mundiais.

Nesta atmosfera de crises que são descritas pela propagação de brutalidades exacerbadas, controvérsias sobre questões que envolvem a violação massissa dos direitos humanos, casos de genocídio, limpeza étnica, fluxos de refugiados e deslocamentos forçados, somados ao chamado

efeito CNN37, produziu-se uma situação onde esses temas foram colocados como prioridade na agenda de segurança internacional, ocasionando respostas em que as Nações Unidas autorizaram operações que tiveram justificativas humanitárias e permitiram a ingerência de um Estado, ou grupos de Estados, em questões internas em casos em que o Estado em conflito era o perpetrador de agressões contra civis ou não era capaz de garantir a estabilidade e a segurança física destes (KALDOR, 1999). Além da atuação de organizações internacionais, é também comum a participação de organizações internacionais e da sociedade civil na tentativa de minorar as conseqüências humanitárias destes conflitos, o que configura uma alteração nos padrões de ação e resposta da comunidade internacional, que passa a ser mais freqüente.

Segundo Saint Pierre e Bigatão (2008), durante a década de 1990 o Conselho de Segurança autorizou o triplo de missões de paz do que a somatória das missões desempenhadas nos quarenta anos anteriores e sua atuação, apesar de numericamente crescente, enfrentaou uma série de dificuldades, especialmente considerando-se a questão da legitimidade, da ampliação do conceito de soberania, da seletividade e da irregularidade para aplicação das missões, da imparcialidade das forças envolvidas e dos reais interesses dos países participantes, compreendidos, na maioria das vezes, em uma esfera que vai além da pura benevolência.

Com relação ao terrorismo, pode-se perceber que se mantém sua natureza, uma ação violenta, seus objetivos, sejam políticos, militares, sociais, religiosos ou econômicos, e suas intenções, provocar terror e medo a fim de coagir, intimidar ou transmitir uma mensagem a um público definido. O que se alterou foi a forma de propagação dos atos terroristas em decorrência do uso de novas tecnologias de telecomunicações, bem como a formatação e estruturação dessas organizações que se tornaram mais abrangentes. Além disso, com o 11 de setembro a percepção dos atores perante a essa ameaça foi modificada, especialmente para os norte-americanos, consolidando o sentimento de insegurança em nível internacional.

Após os atentados de 11 de setembro o governo dos EUA estabeleceu que, devido ao fato de a maior ameaça à segurança de seu país ter sido alterada de algo coeso e definido, como era o caso da União Soviética durante a Guerra Fria, para uma ameaça difusa, imprevisível e não

37 Com o desenvolvimento da tecnologia e dos meios de telecomunicações, tornou-se mais fácil o acesso a informações referentes a conflitos e situações de crise pelo mundo. A transmissão destas informações em tempo real tem causado certa comoção generalizada por parte da opinião pública que passa a exercer pressões sobre os tomadores de decisão, sejam eles líderes governamentais ou organismos internacionais, clamando por soluções. O impacto dessa pressão pode influenciar nos rumos da política externa de um país, bem como nas decisões de organismos internacionais voltados para a questão da paz e da segurança.

respeitadora dos padrões de uma guerra tradicional, seria necessário também ser alterada a resposta à ameaça. Esta não seria mais baseada na dissuasão, mas na antecipação de ações visando prevenir e evitar a perpetração dos novos ataques terroristas contra os EUA e seus aliados, o que foi caracterizado por alguns autores como uma revolução na política externa americana e no american way of war.

Desenvolvimentos tecnológicos e dos meios de comunicação possibilitam aos terroristas acesso quase instantâneo a uma audiência global. Outra alteração que merece ser enfatizada é o fato de o terrorismo ter se tornado mais violento e, assim, mais ataques resultam em mais mortes, o que demonstra que os terroristas estão determinados a matar o maior número de pessoas a fim de continuar chamando atenção. Isso pode ser justificado no “replacement of terrorists who had political agendas with terrorists who were inspired by religious ideology and were therefore beyond considerations of morality and earthly politics. This change was also apparent in terrorist tactics” (ELLIS III, 2007, p.5).

Tendo em vista os temas discutidos, percebe-se que a emergência de novos conflitos intra- estatais a partir da década de 1990 demonstra que, apesar do otimismo generalizado trazido pelo fim da Guerra Fria e as aspirações de que o mundo fosse reordenado sob uma tendência cooperativa e institucionalizada, as guerras e as ameaças sub-nacionais continuam sendo uma importante fonte de insegurança em diversas partes do mundo, colocando em xeque a paz mundial. Com isso, o estudo sobre as guerras, suas mudanças, abrangências e conseqüências, mostra-se importante, para que seja possível compreender o cenário internacional, estabelecendo as bases para a agenda dos estudos de segurança.