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A presente tese investigou o lugar destinado às populações nativas dentro de um discurso construído com o apoio da noção de modernidade pelas elites gaúchas e quais as práticas concretizadas a partir desse discurso. O marco temporal trabalhado abarcou o período de 1908 a 1928, tempo de existência da DTC, sendo que o fio condutor utilizado foi o conceito de “Proteção Fraterna”, prática estabelecida pela referida Diretoria.

– Existiu no Rio Grande do Sul um projeto de modernização pautado nos interesses do PRR, no qual as populações nativas estavam inseridas. O conceito de “proteção fraterna” foi trabalhado em âmbito nacional e também regional. A partir da pesquisa realizada, constatamos que não havia distinções no que tange ao discurso empreendido acerca do conceito em termos nacional e regional. Mas, verificamos que ocorria uma disputa na implementação da prática da “proteção fraterna” no estado, entre o governo estadual e o federal.

– A “proteção fraterna” fazia parte do projeto de civilização que a DTC elaborou para as populações nativas. Esta estava alicerçada nos ideais positivistas e nos interesses das elites gaúchas.

– Verificamos que o projeto de civilização para os nativos era um mecanismo para “proteger” e inserir o “menor”, o “atrasado”, o primitivo, no progresso do Rio Grande do Sul. Concomitantemente ao processo de vinda de colonos, à construção de estradas e ferrovias, a categoria “proteção fraterna” pretendia criar condições para que o nativo não impedisse o avanço das fronteiras

da modernização e se tornasse um participante do processo, o que pode ser visualizado no mapa “áreas de contato”. Também pode ser interpretado como uma tentativa de oferecer um patamar mínimo de sobrevivência ao menor, o cansado, o atrasado, oportunizando ao nativo a possibilidade de reforçar, juntamente com os colonos, o projeto de modernização do Estado, tornando-o um pequeno agricultor. Dessa forma, o nativo e o colono seriam símbolos do progresso. Observamos que a prática de proteção fraterna implementada no estado estava em consonância com o projeto do SPILTN, no entanto sofreu influência do contexto regional.

– O termo Proteção Fraterna também pode ser observado como uma prática de “conciliação” e resguardo de interesses econômicos entre os grupos que estavam no topo das estruturas: intelectuais, latifundiários, dirigentes políticos;

– Como analisado ao longo do trabalho, a partir do discurso positivista, o projeto de civilização para os nativos previa que estes deveriam evoluir sem maiores interferências da civilização. Porém, em realidade, na prática ocorreram adaptações, uma vez que foram admitidas as escolas nas áreas dos toldos. Ainda estruturaram-se as “Instruções para o Serviço de Proteção aos Indígenas”, criadas em 1916 e aprovadas em 1917, que tinham, dentre outras diretrizes, um projeto de “casa para índios”. Além disso, os referidos toldos foram organizados próximos às colônias e às estradas. Observamos que esse exercício propiciou duas situações: a primeira, confinar os nativos próximos às colônias de imigrantes possibilitaria, através de uma convivência relativamente próxima, para que eles pudessem civilizar-se mais rapidamente; a segunda, utilizar a mão-de-obra do nativo, facilitando a sua inserção e sua efetiva participação no projeto de modernização do Rio Grande do Sul.

– Dentre as demais práticas estruturadas no contexto do progresso no estado e que se relacionam com os nativos, encontramos o edital de Proteção aos Indígenas de julho de 1921 que proibia fornecer bebida a qualquer indivíduo, inclusive o nativo, e a própria concretização do serviço florestal de 1925.

– A existência do projeto de civilização para os nativos marcou a autonomia do estado em relação ao Estado Nacional, no que tange à responsabilidade sobre as populações nativas. O Governo federal deveria respeitar o princípio federativo existente na constituição brasileira. A DTC fora criada em 1908, antes da nova orientação nacional em relação às populações nativas.

– Dentro de um contexto de modernização em marcha no Estado Sul- Riograndense, percebemos que a terra era o fio condutor do progresso. Neste âmbito, o projeto de civilização para os nativos, operado pela DTC, pode ser entendido como um mecanismo, um passaporte para a modernidade.

– O projeto de civilização para os nativos permeou a questão de terras no Estado do Rio Grande do Sul. A DTC, além de tratar da política para os nativos, era responsável sobre as demandas de terras. Dentre as discussões em torno do projeto de modernização no Estado, observamos claramente que a terra era um ponto crucial. Notamos a complexa e contraditória posição da DTC e dos demais atores envolvidos na questão das terras indígenas. Para a implementação da Proteção Fraterna era imprescindível demarcar terras aos nativos, os chamados toldos, mas esses eram constantemente ameaçados, invadidos e não eram de propriedade dos mesmos, pois transitavam neste contexto os interesses dos grupos que estavam no topo das estruturas de poder.

– Havia a disputa pelas almas e “corpos” dos nativos que ocorria em três frentes: o Estado Sul-Riograndense, com seu projeto de civilização para os nativos, pautado nos ideais comteanos, a Igreja Católica e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. O Estado Sul-Riograndense pretendia inserir e utilizar o nativo como mão-de-obra no projeto de modernização que estava em marcha no estado. Por outro lado, a Igreja Católica empreendia as missões junto aos nativos. Assim, também averiguamos a tentativa de alguns pastores da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em elaborar e colocar em exercício o “Comitê da Missão Indígena Evangélica”. Esse era um projeto que pretendia estruturar a prática de catequese dos missionários protestantes. Sabe-se que a Igreja Católica estava se reestruturando no Estado. Esta se mantinha próxima ao

governo estadual, pois ambas instituições detinham os grupos que compunham as estruturas de poder no estado. Portanto, estabeleceram alianças ao longo do período pesquisado, mas é patente a distinção entre os projetos a serem implantados para as populações nativas do estado.

– Já a IECLB encontrava-se em pleno processo de estruturação no Estado, não contando com o prestígio que a Igreja Católica detinha a partir de toda sua trajetória no Estado Brasileiro, mesmo com o fim do padroado.

– Tratando dos projetos de missão entre as populações nativas, constatamos que os católicos pretendiam continuar a catequizar os nativos dentro dos moldes missionários já estabelecidos desde o processo de colonização no Brasil, a missão dos protestantes estava sendo construída, e ainda não havia unidade na IECLB quanto a colocar em prática a catequese dos nativos, tanto que o “Comitê” não fora levado adiante, em função da falta de verbas, e possivelmente pela falta de apoio da própria Instituição Religiosa, pois havia outras medidas a serem colocadas em prática, como a organização das comunidades evangélicas no Estado.

– Também ficou visível que o governo estadual não pretendia disponibilizar verbas para a missão dos protestantes entre os nativos; essa opção é pertinente ao projeto de modernização utilizado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Portanto, o contexto da modernidade proporcionou o estabelecimento de discussões em torno da causa das populações nativas, sendo que os ideais comteanos permearam todo esse processo. Fomentou-se uma nova política nacional em 1910, assim como se promoveu a prática da proteção fraterna, desde 1908, no Estado Sul-Riograndense. Dentro dessa conjuntura, se manteve a proposta do exercício de catequese da Igreja Católica, e foi construído um projeto de missão entre os nativos por missionários protestantes. Mas, a cultura das populações nativas foi renegada, como já acontecia desde os primórdios da

colonização do Brasil; conforme Sahlins, “a realidade é um lugar maravilhoso para se visitar mas ninguém jamais morou lá” 426.