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O modelo de ECD de Bain (1980) teve como categoria-chave de sua pesquisa a análise das barreiras à entrada através da investigação dos determinantes das condições de entrada de novas firmas numa indústria concentrada. As condições de entrada eram decorrentes da situação das firmas estabelecidas na indústria comparada à situação das prováveis ingressantes, pela análise e pela medida da força da concorrência potencial.

Aplicado à indústria fonográfica, o modelo de ECD mostrou-se adequado para a identificação e análise da estrutura e comportamento das gravadoras. Para isto, foi útil caracterizar a indústria fonográfica a fim de diferenciá-la das demais e entender sua atual configuração – oligopólio diferenciado. Saber, por exemplo, que as músicas contidas nos CDs são produtos únicos e que seus intérpretes acumulam capital simbólico, posteriormente convertido em capital econômico, ao longo da carreira ajuda a compreender porque a diferenciação é uma importante barreira à entrada de empresas independentes neste setor. A acentuada aleatoriedade da realização produção fonográfica é um fator que justifica os altos investimentos em divulgação e distribuição por parte das grandes gravadoras, garantindo-lhes outra significativa barreira à entrada de potenciais concorrentes. A presença dessas barreiras torna inviável a aplicação da Teoria dos Mercados Contestáveis ao setor fonográfico, uma vez que contraria os pressupostos básicos presentes na idéia de contestabilidade: liberdade de entrada, sugerindo a ausência de barreiras, adicionada à saída sem custos.

Observou-se nessa indústria uma diferenciação muito nítida entre trabalhadores artísticos e os não-artísticos no que se refere ao vínculo de trabalho, sendo que os primeiros se diferenciam dos demais por não serem assalariados. Embora não sejam assalariados, os músicos recebem cachês relativos aos períodos de gravação assim como quaisquer outros profissionais autônomos. Os autores e intérpretes, por outro lado, são remunerados por meio de porcentagens sobre o preço de fábrica de cada CD vendido pela gravadora, o que os afasta dos trabalhadores comuns, na medida em que, ao contrário destes, acabam participando do próprio risco do investimento, não havendo, entre sua própria remuneração e a remuneração do

capital, a mesma contradição fundamental existente entre salário e lucro. Trata-se de um tipo especial de relação entre capital e trabalho. A análise referente ao direito autoral e aos direitos conexos torna ainda mais evidente a especificidade das relações de produção na indústria fonográfica, uma vez que tanto autores e intérpretes quanto músicos têm assegurados seus direitos sobre a execução pública das músicas gravadas, diferentemente dos demais trabalhadores diretos do processo de produção dos CDs. Assim, a relação entre gravadoras e artistas está baseada na subsunção parcial do trabalho artístico ao capital, o que faz as respectivas receitas e remunerações desses agentes depender diretamente da venda incerta dos CDs. Isto explica a ameaça representada pela pirataria e pelos softwares de distribuição gratuita de músicas na Internet.

O formato MP3 livra a distribuição musical de suportes físicos como o CD. Com o compartilhamento de gravações digitais entre os consumidores, através de programas como Napster, é construído um acervo de extensão, variedade e acessibilidade sem precedentes. Qualidade sonora, facilidade de difusão pela Internet e falta de controle das cópias abalam o mercado fonográfico. Como visto na análise, a Internet, juntamente com o formato MP3 e o Napster, inaugurou um novo paradigma tecnológico na indústria fonográfica, coincidente com a elaboração teórica dos neo-schumpeterianos, que abre a possibilidade de uma nova modalidade de concorrência e questiona o status quo da indústria em questão. Não se pode mais pensar em música sem considerar os sites de troca de MP3 não autorizados, sem considerar a realidade como ela é ou como será. É necessário encontrar uma alternativa que acabe com a motivação dos internautas de executar o download de

sites não autorizados, o que é extremamente difícil, ainda que não impossível – o streaming sendo uma delas.

Embora tenha provocado a diminuição das barreiras à entrada no que se refere à distribuição de músicas, aumentando a contestabilidade do mercado, a tecnologia, por si só, não é suficiente para tornar os artistas e gravadoras independentes numa ameaça às empresas já estabelecidas, haja vista que não se verifica a mobilidade intergrupos – como visto na teoria das barreiras à mobilidade - e toda a trama de promoção, edição, produção e logística para vender músicas tem favorecido as grandes gravadoras. Aliás, isto significa admitir a existência de barreiras econômicas

que impossibilitam a efetivação das decisões de investimento por parte das empresas independentes, ao contrário da hipótese neoclássica de inexistência de impedimentos à livre mobilidade do capital. Verifica-se, ainda, uma relação de complementaridade entre gravadoras independentes e as majors, dado que estas tendem a buscar artistas com seus CDs já prontos junto às primeiras que, por sua vez, utilizam-se dos serviços de divulgação e distribuição das majors. Isto reflete a dificuldade das gravadoras independentes em revelar seus próprios artistas. Além disso, as grandes gravadoras, aparentemente, começam finalmente a se adaptar a este novo paradigma tecnológico que se coloca a serviço da distribuição de músicas, implicando em uma reação a essa possível entrada das empresas independentes.

Um fator importante, que provocou uma queda significativa de desempenho das grandes gravadoras, diz respeito ao crescimento da pirataria física e on-line de CDs. Os dados da ABPD revelam que a falsificação de CDs no Brasil saltou de 3% para 59% do total vendido pelo mercado entre 1997 e 2002. Os dados mais recentes da ABPD apontam uma queda no faturamento mundial de US$ 1,5 bilhão de 2001 para 2002. O problema se agravou com a intensificação da circulação de músicas pela Internet, que também envolve a pirataria. O que tem perturbado o cenário é o comércio de CDs virtuais ou de músicas isoladas, resgatados integralmente da rede e reproduzidos digitalmente pelos computadores ou armazenados em sua memória para posterior gravação em Cds virgens. Programas de rede como o MP3, permitem divulgação de músicas por e-mails a preços baixos, quando não gratuitamente, sem rastreamento. Segundo os dados da APDIF, apenas no ano 2000, foram feitas 3.766 notificações a sites que realizavam a distribuição não autorizada de arquivos musicais protegidos por direitos autorais. Além disso, houve uma redução de 40% do número de sites ilegais no país entre 2000 e 2002. Os dados fornecidos pela APDIF não permitem avaliar a real extensão desse mercado paralelo ilegal, porém, sinalizam para uma tendência de queda ainda maior nas receitas das principais gravadoras, que estão sem o controle dessa situação e procuram se armar contra iniciativas como a do MP3, tentando desenvolver um sistema similar concebido de forma a proteger as músicas, garantindo os seus direitos e os do autor.

A Propriedade Intelectual se transforma num duelo entre legislação e tecnologia. A legislação é sucessivamente alterada para levar em consideração a nova realidade

tecnológica, mas com muitas dificuldades em acompanhar o ritmo acelerado da tecnologia. Aliás, não é de estranhar, pois que o mesmo sucede com a generalidade dos países. Claro que intencionalmente o Código é aberto aos meios de comunicação vindouros, porém, não oferece uma regulamentação específica com sistematicidade suficiente para as novas questões do multimídia, ao nível de categorias como a noção de obra, autoria e titularidade de direitos, qualificação dos atos de utilização na Internet, as exceções e limites ao direito (mormente as utilizações livres).

Atualmente, o emblema maior da cibercultura é o movimento dos softwares livres e a idéia de copyleft, como vimos. O que há de importante nesses movimentos não são tanto as possibilidades técnicas, mas as formas de trabalho cooperativo que daí surgem. Mais ainda, além da forma cooperativa de trabalho, trata-se de buscar adicionar, modificar o que foi dito, escrito, gravado, sem a lógica proprietária e do segredo. Observa-se, nos dias de hoje, que as redes mundiais se traduzem em um espaço de mercado cada vez mais amplo e desmaterializado, cumprindo a dupla função de não apenas transportar fisicamente as mercadorias entre diferentes lugares, mas de transferir os direitos de propriedade sobre elas. Em matéria de finança internacional, este sistema de comunicação é perfeitamente compatível com a acumulação capitalista. Ao participar da esfera da circulação, essas redes de comunicação contribuem para a realização das mercadorias63.

A longo prazo, as gravadoras precisarão se adaptar não apenas à extinção do suporte físico, mas também ao fim da própria necessidade de se possuir a música. Uma vez que a tecnologia wireless esteja difundida e os pacotes diversificados de

streaming permitam ao consumidor escutar sua seleção no local que quiser, não

haverá a necessidade de se “possuir” a música, qualquer que seja o formato. Com isto, a comercialização de CDs e de download via Internet já surge fadada à obsolescência, ainda que não de imediato.

63 A este respeito, ver HERCOVICI, A.P.C.H.; BOLAÑO, C.R.S.. Economia política da Comunicação.

As novas tecnologias da Cultura, da Informação e da Comunicação: uma análise crítica. In: IV Encontro Nacional de Economia Política, 1999, Porto Alegre. Anais do VI Encontro Nacional de Economia Política/SEP, 1999.