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Corroborando com o argumento de Thompson (1987) de que o fazer-se classe operária inglesa foi o acontecimento mais importante da história britânica, porém, a consciência de classe surge em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma por se tratar de um fenômeno histórico que articula experiências reais vividas num determinado tempo e espaço, com a consciência de homens e mulheres que percebem sua identidade e valores em contraposição às outras classes com valores e interesses contrários aos seus.

A principal ferramenta de organização da classe trabalhadora é o sindicato, porém, de acordo com Hobsbawm (2000), houve fases diferentes do sindicalismo inglês que sofreram mutações numa relação dialética com o contexto da revolução industrial e as mudanças no sistema produtivo. Maior a distinção quando considerados outros países que passaram pelas fases iniciais do capitalismo, com suas peculiaridades políticas na França, Alemanha, Itália,

107 Espanha e assim por diante, quanto mais em países de industrialização tardia na América Latina e, particularmente, no Brasil.

No Brasil, o movimento sindical iniciou com os imigrantes, em maior número italianos, trazidos na condição de força de trabalho para as primeiras plantas industriais na capital da república, Rio de Janeiro, e depois para São Paulo, em meados do século XIX, e, na virada para o século seguinte, começaram a chamar a atenção as primeiras organizações e mobilizações dos trabalhadores. A fase seguinte foi marcada pelo sindicalismo de Estado (Boito Jr, 1991), sob controle e regulação estatal, composto majoritariamente por um perfil populista e assistencialista oriundo da cultura rural que se deslocou a grande massa de força de trabalho para a expansão industrial no Brasil ao longo do século XX (Bouto Jr, 1991; Rodrigues, 2009; Vianna, 1997).

O ano de 1978 foi um marco importante no desencadeamento do novo sindicalismo no Brasil, um sindicalismo autônomo e de confronto, resultando na construção da CUT e depois as centrais sindicais, passando por uma nova fase de redistanciamento das bases, burocratização e um estilo negocial ao longo dos anos de 1990 e após, especialmente na primeira década do século XXI, durante o governo Lula (Antunes, 2018).

É nesse contexto que os trabalhadores do serviço público, especialmente os da educação, começaram a se mobilizar inspirados pelas greves operárias do ABC paulista, e depois com a promulgação da Constituição de 1988 e a abertura do direito de greve e de sindicalização dos servidores do Estado. Imediatamente as associações e outras entidades protossindicais transformaram-se em sindicatos e passaram a escrever uma nova página na história do movimento sindical brasileiro.

Os profissionais da educação em Santa Catarina estavam organizados desde 1966, a Alisc já vinha organizando greves desde 1980, e se tornou um sindicato no dia seguinte à proclamação da Constituição, em 3 de outubro de 1988, data de fundação do Sinte.

O sindicato dos trabalhadores em educação de Santa Catarina traz peculiaridades na composição das suas forças internas jamais hegemonizadas por uma mesma força política, porém, o sindicato sempre foi filiado à CUT desde a fundação da central, mesmo havendo divergências de posicionamentos, especialmente no período mais recente. Outra característica do Sinte é sua tradição de movimento grevista, tendo realizado 19 greves no período de 31 anos, entre 1980 e 2011.

Assim, a greve de 2011 se constituiu como um fato histórico na trajetória do Sinte, que durou 62 dias (a segunda mais extensa da história), entre 18 de maio a 18 de julho de 2011.

108 Essa greve se tornou um fato histórico porque contou com as condições objetivas mais favoráveis em comparação com a trajetória das lutas transcorridas até aquele momento, considerando as seguintes dimensões: economia favorável, ciclo de crescimento com distribuição de renda nacional, no qual o estado de Santa Catarina apresentava indicadores ainda mais positivos que a média brasileira; momento político propício, contava com a retaguarda de um governo federal oriundo do sindicalismo e atores políticos aliados diretos do Sinte em postos importantes para exercerem pressão política em favor da greve; pauta principal de mobilização foi o cumprimento da Lei do Piso Nacional de Salário do Magistério, que, além de ser uma reivindicação histórica, havia sido sacramentada legalmente na lei nº 11.738/2008 e contava com a legitimidade da opinião pública favorável.

Enfim, deflagrou-se uma greve contando com o cenário econômico e político favoráveis, apresentando uma pauta legal e legítima com apoio interno da categoria que alcançou o maior índice de paralisação da história das greves do Sinte e as maiores mobilizações em assembleia sindical da história de luta dos trabalhadores no estado de Santa Catarina, reforçado pelo apoio da opinião pública resultante de ações extraordinárias de diálogo com movimentos sociais, organizações no campo da educação e população em geral experimentadas historicamente pelo Sinte, mas também com um enquadramento inédito da principal empresa de comunicação do estado que percebeu no movimento grevista uma oportunidade de expansão da embrionária linguagem digital.

A greve de 2011 começou surpreendentemente fortalecida com índices de paralisação acima de 50%, de acordo com os dados oficiais do governo, que geralmente são defasados propositalmente, chegando a praticamente 100% de paralisação, motivados pela onda favorável do movimento, mas também pelo trabalho de base do sindicato, somado aos erros de negociação do governo, que teriam o efeito provocativo e que fez os professores reagirem com maior adesão. Assim foi até o início de julho de 2011, quando se aproximava o final daquele semestre letivo e o poder Executivo passou a jogar todas as forças e frentes para derrotar a greve.

Diante do principal impasse, a recusa do governo em incorporar a lei do piso na carreira e não apenas no vencimento inicial do nível mais baixo, o sindicato, avaliando a força da greve e as condições objetivas favoráveis, manteve-se firme no propósito de obter vitória completa da pauta e não abrir nem mesmo a incorporação das gratificações conquistadas em mobilizações anteriores.

O governo expôs o limite de suas concessões e parte do movimento grevista começou avaliar pragmaticamente a oportunidade de garantir o patamar de ganhos antes de correr o risco

109 de haver recuos, quando, nos dias 4 e 5 de julho de 2011, decidiram pelo fim da greve, 17 das 30 regionais, porém as outras 11 regionais votaram pela manutenção da greve e duas não tomaram posição.

Nesse momento o poder Executivo já havia protocolado sua proposta em formato de Projeto de Lei Complementar nº 026/2011, levando o foco do conflito para o Legislativo e impôs manobras regimentais extemporâneas para impor “a toque de caixa” uma derrota para os professores, passando o projeto em todas as comissões e votações em plenário num único dia. Nesse dia 13 de julho de 2011, a Alesc se transformou num campo de batalha, onde os professores ocuparam as galerias e todos os espaços dentro e fora do palácio Barriga Verde e o governo mobilizou o maior contingente de policiais de repressão, ocorrendo momentos de agressão e alta tensão, chegando ao resultado final com o projeto do governo aprovado por 28 votos favoráveis e oito contrários.

Essa decisão poderia tornar a greve ilegal, e cinco dias seguintes foram de muita tensão e conflito interno entre as forças sindicais que disputavam, historicamente, o Sinte, chegando até à assembleia que encerrou a greve no dia 18 de julho de 2011, num clima de clivagem que redefiniu a correlação de forças, e mesmo tendo conquistado partes importantes da pauta, pairou um clima simbólico de derrota da que foi a maior greve da história do Sinte.

Nos anos seguintes, o governo aprofundou o achatamento da tabela de vencimentos da carreira do magistério e trabalhou pela mudança da estrutura de pessoal dos professores catarinense, com forte tendência à precarização das relações de trabalho, que chegou a corresponder a metade do quadro de pessoal ACT em 2014.

Portanto, acredita-se que dessa greve em diante o Sinte vem tendo, e haverá de aprofundar sua resposta a novos desafios. Por exemplo, como lidar com o sistema de metabolismo social do capital (Antunes, 2009; 2018) com o avanço da precarização das relações de trabalho e resistência à lógica neoliberal de privatização e desregulamentação dos direitos? Como responder aos atuais mecanismos de alienação e estranhamento da consciência de classe, tanto pelas mutações das características da classe-dos-que-vivem-do-trabalho (Antunes, 2009; 2018) como os efeitos da alienação pelo consumo e colonização do mundo da vida, praticamente eliminando o limiar entre trabalho e tempo livre? Como responder às novas formas de linguagens caracterizadas pela quantidade e velocidade de informações contaminadas pela distopia da pós-verdade, descrença na ciência e nas instituições, exacerbação do individualismo e crescimento da intolerância? Como redefinir o foco organizativo do Sinte buscando um desenho que garanta o engajamento em múltiplos níveis desde a base até a

110 direção, reconfigurando as clivagens e a correlação de forças internas evitando que o modelo sindical do passado impeça o sindicato de se transformar numa organização mais aberta ao diálogo e solidariedade de classe ampliada, atuando cada vez mais em conjunto com os novos movimentos sociais e utilizando diversas ferramentas de protesto além da greve?

Com isso espera-se que se tenha contribuído com a construção de uma narrativa que buscou analisar a totalidade dos fatores que influenciaram a greve do magistério catarinense no ano de 2011, mas reconhece-se os limites desse tipo de análise que, certamente, será complementada, até mesmo contestada por outros estudos vindouros.