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Com o aval institucional da maior instância do Judiciário nacional, o Supremo Tribunal Federal, em 16 de julho de 2008, sancionou a lei nº 11.738/08 do Piso Nacional Federal a ser aplicado por toda a rede pública de ensino (federal, estadual e municipal) a partir de janeiro do

77 ano seguinte. Entretanto, não foi aplicada em Santa Catarina, diferentemente da maioria dos estados da União, pela excepcionalidade da ação direta de inconstitucionalidade conjunta dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Ceará e Santa Catarina, que se contrapuseram ao estabelecido na lei do piso mediante recurso judicial.

Passados mais de dois anos, em 6 de abril de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou a constitucionalidade da lei do piso para os profissionais da educação, dando ganho de causa à implantação do piso no magistério catarinense. Mesmo após essa decisão, o governo não deu indícios de implementação; ao contrário, nas reuniões com os dirigentes do Sinte, não houve sinalização positiva para acordos, até o limite do rompimento das negociações, quando a greve da categoria se tornou a alternativa mais contundente à letargia governamental.

Embora o princípio básico da greve seja a reforma de diversos aspectos da educação, pode-se afirmar que se pautou em dois eixos-chave, por assim dizer, a “qualidade da educação”, em termos absolutos, e as “condições de trabalho” dos profissionais da educação (professores, técnicos e assistentes pedagógicos, orientadores etc.), em termos relativos. As reivindicações apresentadas a seguir são no sentido de especificar os pontos29 de pauta do magistério catarinense apresentados na época, uma vez que as precárias condições da educação brasileira são por todos conhecidas ou, pelo menos, imaginadas:

a) realização de concurso público, pois desde 2005 o estado de Santa Catarina não realizava concurso público para efetivação de professores, descumprindo a legislação vigente em dois pontos: os concursos deveriam ocorrer a cada dois anos e o número de admitidos em caráter temporário (ACT) superava o previsto em lei, ou seja, estava acima da metade do quadro docente;

b) revisão da lei dos ACT, Lei Complementar nº 456/09, que trazia aspectos injustos e de precarização das relações humanas de trabalho, como, por exemplo, os contratados eram subitamente demitidos com o fim do ano letivo (trabalho temporário ou intermitente); restrições para cumprir licenças médicas, mesmo com atestado (que atenta contra a dignidade humana); impedimento de participar de processos seletivos se tiverem sofrido alguma sanção (antidemocrático);

c) anistia das faltas da greve de 2008 e retirada de empecilhos à progressão horizontal do professorado efetivo;

29 Todos os pontos de pautas e comentários constam no texto de Matheus Pinho Bernardes, denominado “Análise de uma greve em andamento: o caso do magistério catarinense”. Revista on-line, Passa Palavra, 17 jun. 2011.

78 d) gestão democrática e eleição direta para a direção da escola, que já foi uma conquista do passado, porém, retornou à condição de função de direção, cargos de confiança escolhidos pelo governo, sendo, portanto, a direção majoritariamente formada por afiliados políticos do partido da situação;

e) contra a terceirização da merenda escolar, que precariza o serviço e restringe o acesso, pois, além de oneroso e de qualidade inferior ao prestado pelo Estado até então, não pode ser consumido pelo quadro de funcionários da escola;

f) aumento da hora atividade para um terço da jornada de trabalho destinada às atividades extraclasse, conforme preconiza a lei do piso;

g) por fim e principalmente, a implantação da Lei do Piso Nacional do Magistério no estado de Santa Catarina.

Percebe-se que essa greve não destoou do padrão histórico das pautas do sindicato, apresenta um conjunto de propostas pendentes, buscando contemplar os diferentes setores do campo da educação de forma que se complementam, ampliam a adesão interna e se constituem num discurso legítimo para fazer a disputa da opinião pública e obter apoio social para o movimento de greve.

O elemento novo na greve de 2011 foi a implantação da lei do piso, devidamente aprovada e julgada pelas instâncias do Estado democrático de direito, sem justificativas econômicas para a recusa, ou seja, praticamente não havia espaço para o contraditório da parte do governo para além da sua postura política recalcitrante.

Contudo, chama a atenção o conjunto da pauta, que pode ser considerado um protótipo de luta contra a precarização das relações de trabalho abordadas anteriormente na literatura (Antunes, 1995; 2009; 2018; Standing, 2014; Pochmann; Moraes, 2017). A condição de contrato temporário é uma categoria do precariado, mas, conforme descrito antes, se constitui numa prática na educação brasileira desde os tempos do Império, porém, somam-se na atualidade outras dimensões de avanço dessa precarização, como a terceirização da alimentação escolar e as horas atividades. Há um enquadramento na perspectiva da intensificação da “produção” sem remuneração em detrimento do tempo livre dos educadores e, por fim, a lei do piso como uma proteção contra a desvalorização salarial, um dos elementos fundantes da reestruturação produtiva do capital financeirizado e neoliberal. A anistia dos descontos de greves anteriores é um movimento de resistência contra a perda de direitos e a reivindicação por democracia na gestão da educação também se contrapõe à ideologia gerencialista neoliberal.

79 Enfim, pode-se afirmar que a pauta da greve de 2011 segue um padrão histórico do Sinte, porém há um “enquadramento” da pauta no contexto atual de metamorfose do “sistema de metabolismo social do capital” (Antunes, 2009). Contudo, não se trata de uma lógica direta de mercado, mas de uma disputa política e ideológica, complementada pela lógica distributiva do Estado. No campo político e ideológico está nítido o posicionamento do sindicato no seu papel de solidariedade de classe em defesa da educação pública de qualidade para todos e o posicionamento dos mandatários do Estado numa lógica neoliberal de precarização desse serviço público essencial. Em relação ao viés econômico é mais complexo, pois, à medida que o gestor público restringe o orçamento para políticas sociais, estará favorecendo diretamente ao capital, tanto no relaxamento da pressão pela cobrança de impostos quanto na destinação de outras políticas de incentivo e ajuda direta ao setor empresarial ou de mercado. Traduzindo na linguagem popular, “tirando dos pobres para dar para os ricos”.

De acordo com Paludo (prelo), a renúncia fiscal do governo de Santa Catarina foi estimada na ordem de R$ 24,18 bilhões, e o que veio a se realizar no exercício de 2016 foi de R$ 5,45 bilhões, ou seja, trata-se de uma série histórica que teve início na década de 2010.

Foram estimados valores expressivos de renúncia fiscal para o seguintes destinos: a) os benefícios concedidos a título de crédito presumidos para carnes e aves que atingiram em R$ 651,17 milhões; b) Isenção e manutenção de crédito sobre os produtos e insumos agropecuários de R$ 327,23 milhões e c) “Outros benefícios fiscais” que prevê um valor previsto de renúncia de R$ 1,63 bilhão). Embora estes valores sejam significativos e a SEF tenha relacionado o setor econômico favorecido, porém, não apresentou os valores dos benefícios estimados de forma relacionada ao setor correspondente, o que denota falta de transparência por parte do executivo em relação aos recursos que o governo do Estado abre mão de arrecadar (Paludo, p. 133, prelo).

O autor comenta que o valor da renúncia fiscal é superior aos valores aplicados em saúde e educação e seriam suficientes para, praticamente, duplicar os investimentos em políticas sociais.

Considerando essas informações percebe-se, por um lado, as falhas na gestão pública do Estado de Santa Catarina e, por outro lado, a opção política por setores com os quais os gestores têm compromisso com seus interesses, dentre os quais destacam-se as grandes empresas que são beneficiadas com a renúncia fiscal do Estado, que não se trata de um “detalhe” no montante de recursos e sim de uma parcela significativa que supera os investimentos em educação e saúde, ou seja, o valor renunciado foi 64% a mais do que os investimentos com educação e 81% com saúde. Para agravar a situação, esses valores não são transparentes, pois a Fazenda declara os setores beneficiados de apenas 3,1% do total renunciado e nenhuma informação sobre as empresas que deixam de arrecadar (Paludo, p. 136, prelo).

Embora esses dados não estivessem disponíveis no contexto da greve de 2011, tais hipóteses compunham o argumento econômico em defesa do cumprimento da lei do piso,

80 juntamente com a narrativa de resistência à precarização do serviço público de educação e a defesa da democracia e liberdade de participação dos trabalhadores da educação em movimento sindical paredista.