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“É um negócio perigoso sair de sua porta. Você pisa na estrada e se não controlar os seus pés,

nunca se sabe para onde será levado.”

J. R. R. Tolkien

Esta dissertação foi desenvolvido com uma inquietação inicial diante da escassez de estudos científicos sobre o fenômeno das favelas na cidade de João Pessoa, e não importa o quanto se procurasse, essa era uma realidade incompreensível ao olhar acadêmico desta autora. Intervir nesses espaços ainda era uma questão laboriosa, ante as ausências de informações atuais e precisas que pudessem dimensionar a ação das políticas públicas.

No processo de feitura deste trabalho, deparou-se com dificuldades ainda maiores do que se imaginava e percebeu-se que era preciso realizar uma operação de juntar retalhos colhidos nas mais diversas fontes. As palavras ‘pobre’ e ‘favela’ já nos chamava atenção ao ler um texto, e retângulos amontoados e linhas tortuosas em plantas e mapas que conduziam a uma análise mais profunda deles. Quanto mais se investigava, mas se via a necessidade de conhecer o universo das favelas da cidade.

Percorrendo a história da habitação no Brasil, compreendeu-se a dinâmica de formação das favelas nas cidades, intrinsecamente ligadas ao crescimento populacional e ao déficit habitacional, produtos do processo acelerado de urbanização e que sua origem está vinculada às dificuldades de acesso à terra urbanizada.

Constatou-se que o problema não foi ignorado e que permanentemente eram buscadas soluções através de programas de construção de habitações e de melhorias dos assentamentos precários. Assim ficou claro que a questão não é apenas a falta de ações visando a enfrentar o problema, mas também a ausência de um conhecimento aprofundado sobre a realidade das favelas, da sua inserção urbana e seu significado para a cidade e para o desenvolvimento urbano.

Buscando compreender esse sentido, abordou-se a evolução dos conceitos de pobreza, desde a noção de subsistência, que vincula a pobreza às variáveis de renda per capita ou de PIB, até a perspectiva da multidimensionalidade,

relacionando-o a aspectos de diversas naturezas materiais, subjetivas, políticas e sociais.

Verificou-se que não havia como traçar um significado preciso que identificasse os pobres, mas que existia essa possibilidade para as favelas. Para isso, agruparam-se múltiplos dados que envolviam a conceituação e a terminologia do fenômeno, desde a origem da palavra favela até sua propagação nos dias atuais. Embora reconheçamos a relevância dos conceitos encontrados, optamos por formular um conceito próprio por designar ou especificar as favelas na presente pesquisa. Assim, concebemos a favela como expressão de ilegalidade, organicidade e precariedade infraestrutural e habitacional.

Definidos os critérios, confirmaram-se as afirmações de Sobreira (2003) sobre a morfologia das favelas, as cidades muradas dos tempos modernos, e verificou-se que elas não eram construídas ao acaso, existindo uma lógica em sua diversidade.

O maior desafio enfrentado nesta dissertação foi traçar um panorama histórico das favelas pessoenses e dos seus antecessores; ao mesmo tempo, a ideia atraía e repelia. Pode-se dizer que a atração venceu, e a aventura se deu não apenas na história das favelas, mas também na história da cidade, visto que o crescimento de ambas estava intrinsecamente ligado – a cidade impulsionava as favelas e estas impulsionavam a cidade.

Não foi encontrado nenhum dado que revelasse a presença de habitações precárias na capital paraibana antes do século XIX, as plantas existentes mostrando apenas habitações com características normais. Foi nesse século que começou a evidenciar-se um número elevado de casas de palha, dispersas nas saídas da cidade e próximas a lugares insalubres.

O século XX foi marcado pelo crescimento demográfico, que multiplicou por mais de cinco o número de habitantes da cidade em 60 anos – e para o qual contribuiu um afluxo migratório proveniente do interior do estado e também de outros estados. Esse fato contribuiu para o aumento do número de pobres, que se concentraram em bairros precários ou se espalharam por variadas áreas da cidade. No final desse século, já se consagrara a denominação favela como termo designador

de uma comunidade de pobres, e já se dispunha de dados sobre a população e os domicílios das favelas pessoenses.

Nas últimas décadas do século XX, apareceu uma preocupação mais rigorosa com o meio ambiente, surgindo normas ambientais que redefiniram as localizações passíveis de construção no meio urbano. Tais normas regulamentaram as zonas de preservação ambiental, e as favelas nelas localizadas passaram a ser vistas como destruidoras desses ambientes. Esse fato contribuiu para o surgimento de políticas públicas que buscaram a urbanização das favelas, visando uma integração entre a cidade informal e a formal.

O número desses aglomerados vem crescendo no mundo inteiro, e, atualmente, as favelas vem sendo objeto de políticas de regularização fundiária que assegurem aos seus moradores o direito de nela permanecerem.

Para o funcionamento de tais políticas, é necessário um conjunto de informações organizadas e sistematizadas, que devem estar disponíveis nas esferas municipais ou estaduais. A inexistência ou indisponibilidade desses dados levou a que se escrevesse esta dissertação, e foi na busca por dados atualizados que se descobriu como é árduo o trabalho de sistematização.

Coletando dados, a pergunta inicial que sempre faziam para esta autora era clara: “qual a favela que você está pesquisando?”; e a resposta “todas”, era acompanhada de olhos arregalados e impossibilidades. Acredita-se que se acabou aceitando o desafio, principalmente depois de descobrir que boa parte das informações existentes foi perdida com o tempo. Aqui foi apresentado o produto dessa coleta de dados, que se espera seja útil para futuros trabalhos e projetos.

Contudo, como arquiteta e urbanista, a autora não pôde deixar de analisar esses dados numa perspectiva urbanística. Buscou-se então estabelecer classificações através de diferentes arranjos: a situação geográfica, o traçado e a inserção no tecido urbano. Espera-se que essas classificações facilitem análises futuras e contribuam para pesquisas futuras.

Conhecer o objeto de estudo é fundamental para a implantação de políticas públicas, e conseguir distinguir os problemas existentes em seu universo é necessário para um projeto eficaz. A questão habitacional é alvo de diversos planos e

programas governamentais, principalmente devido ao déficit existente em todo o país, o que gera uma necessidade de informações organizadas de maneira sistemática.

Existe uma diversidade de favelas no tecido urbano da cidade de João Pessoa, com características que as distinguem ou as associam, possibilitando a formação de grupos com especificidades semelhantes para uma ação pontual ou geral. De acordo com a classificação realizada nesta dissertação, foram encontradas sete tipologias de favelas, além daquelas inseridas em zona de preservação ambiental.

Algumas tipologias não interferem de maneira direta nas ações dos planos e programas habitacionais, como as favelas inseridas em térreos planos altos e baixos, ou aquelas de traçado regular, entretanto existem outras que são alvos diretos desses projetos governamentais, como é o caso das favelas situadas em área de risco (as localizadas em encostas, em margens de rios e alagados), e as inseridas em zona de preservação ambiental.

A cidade de João Pessoa possui 34 assentamentos precários localizados em áreas de risco de deslizamento ou inundações, estando onze em áreas de risco iminente. De acordo com levantamento da Defesa Civil realizado em 2006, cerca de 400 moradias dessas onze favelas estão situadas em zonas de risco muito alto. Entretanto, ainda são poucas as pesquisas referentes às áreas de risco da capital paraibana devido à escassez de informações referentes às comunidades e ao fato de essas, quando existentes, se encontrarem dispersas nos órgãos de gestão municipal e, quase sempre, indisponíveis.

As favelas em área de risco possuem particularidades que influenciam nos programas de urbanização de favelas, necessitando de interferências próprias, diferenciadas daquelas situadas em terrenos planos. Por exemplo, para se implantar um conjunto habitacional, nos moldes convencionais, em uma área de encosta, é preciso um volumoso movimento de terra. Esse fato ocorre porque não se tem adotado uma tipologia de projeto adaptável a terrenos de topografia acidentada, nem projetos urbanísticos onde as vias sejam adequadas para essa tipologia.

Além disso, a técnica construtiva empregada nos barracos não é adequada para essas áreas de encosta, cortam-se e aterram-se os terrenos íngremes para a implantação das unidades habitacionais. As inadequações incluem também a alteração do escoamento natural das águas, conduzindo processos erosivos e de desmoronamento, e a retirada generalizada de vegetação, expondo o solo, favorecendo instabilizações. Portanto, é fundamental reconhecer no meio urbano as favelas situadas em encostas para que seja realizada uma proposta de urbanização diferenciada daquelas situadas em terrenos planos.

O Ministério das Cidades, em seu programa de urbanização e regularização de assentamentos precários define alguns critérios para selecionar a área de intervenção e os beneficiários finais. A área de intervenção deve ser constituída por, pelo menos, 60% das famílias com renda até R$ 1.395, ser ocupada há mais de cinco anos, ou estar localizada em situação de risco ou insalubridade.

Tomando como pressuposto a classificação das favelas de João Pessoa exposta nesta dissertação é possível diferenciar as favelas passíveis ou não de urbanização, aquelas que possuem ou não particularidades que interferem nos projetos de melhoramento urbano, e ainda aquelas cujo padrão modifica sua caracterização como espaço de pobreza.

No Brasil, a população residente em favelas corresponde a 28,9% da população urbana total. Para fins comparativos, tem-se que em Serra Leoa, 97% da população urbana vivem em aglomerados subnormais. A maior favela do mundo, e também do continente africano, é Kibera, em Nairobi, com cerca de 2,5 milhões de habitantes, enquanto a maior favela do Brasil é a Rocinha, com aproximadamente 69 mil habitantes. Infere-se que Kibera é 36 vezes mais populosa do que a Rocinha.

Em João Pessoa, as favelas diferem bastante das encontradas nas metrópoles brasileiras, e até mesmo em outras cidades do seu porte, porque, entre outros aspectos, elas possuem menores dimensões, não ocupam morros e se assemelham aos bairros formais. A favela mais populosa é a junção das comunidades Vila dos Teimosos, Jardim Coqueiral, Vem-vem, Beira Molhada I, Beira da Linha, São Pedro, Porto de João Tota, Jardim Mangueira I, que totalizam cerca de 13 mil

habitantes. Portanto, sua população não chega a um quinto do número de moradores da favela da Rocinha.

Infere-se que é preciso um olhar diferenciado sobre as favelas da capital paraibana, por suas singularidades que as distinguem das favelas de grandes metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro e Salvador.