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Este trabalho apresentou a proposta de uma análise sobre o consumo do rock and roll, no Recife entre os anos 1956 e 1959, através de fontes colhidas no Arquivo Público do Estado de Pernambuco e Biblioteca Nacional, mais especificamente nos jornais locais Diário de Pernambuco, Diário da Noite e Jornal do Commercio, além de entrevistas. Destes jornais citados e entrevistas, foram analisados textos sobre o rock e os depoimentos coletados dos entrevistados, no intuito de compreender o significado social mediado e consumido do rock and roll por parte da juventude recifense, na década de 1950.

Suportados no objetivo geral, observamos os objetivos específicos definidos, a saber a) Identificar mediadores locais do rock (além de notas e comentários dos jornais investigados escritos por jornalistas e colunistas de diferentes vertentes e funções - variedades culturais, cotidiano, crítica de cinema, entre outros); b) Selecionar, dentre os sentidos atribuídos ao rock and roll pelos mediadores, qual o mais recorrente e impactante relaciondo ao estilo musical; c) Distinguir, na sociedade recifense da época, os grupos sociais que se apropriaram do rock como produto cultural;d) Por fim, discutir a importância social e cultural deste sentido atribuído de maneira mais recorrente ao rock and roll, para a cidade.

Para a concretização desses objetivos, decidimos tomar como fundamentação teórica os conceitos apresentados de Hall (2003) sobre codificação/decodificação de um sentido dominante atribuído ao rock and roll, nos anos 1950, como cultura musical jovem (música, dança, comportamento, etc). Esta percepção de que o rock and roll não fora recebido simplesmente como um estilo de música, mas como uma cultura musical, teria sido reconhecida, através da leitura nas fontes colhidas dos jornais locais pesquisados, dada a dimensão atribuída por essa imprensa ao rock.

Esta dimensão atribuída ao rock and roll como cultura musical, nasceria de um agenciamento, exportado dos Estados Unidos, entre música, dança e a cultura teenager norte- americana. Tal agenciamento seria fruto de uma construção social no qual, desde o fim do século XIX, através da Revolução Industrial, adensamento urbano das cidades e da democracia, amadurecia a idéia de que cada segmento social, como o dos jovens, teria o seu lugar na sociedade, e, posteriormente, como nicho de consumo internacional da cultura de massa dos EUA.

Para Hall (2003), o consumo seria o ponto de partida para que o sentido atribuído ao rock and roll como cultura musical jovem se concretizasse. Desta maneira, seria através das próprias

práticas culturais dos adolescentes que estes afirmariam o rock and roll como cultura musical exclusiva de sua faixa etária.

Os adolescentes então, não seriam meros consumidores passivos do produto rock and roll, com seu sentido produzido pela indústria da cultura de massa norte-americana e mediado pela mídia. Os jovens, nos termos de Hennion (2007), ao se organizarem em coletivos de fãs engajados no consumo do rock and roll, distinguiram os objetos valorizados, o vocabulário, os dispositivos e as regras de sua degustação. A partir desses elementos, organizaram o sentido social do rock como uma cultura musical jovem, para além de uma música juvenil.

Encontramos respaldo no conceito de juventude como uma construção social na concepção de Bourdieu (1978), sobre geração. A música, segundo este sociólogo, exerceria as suas próprias leis de distinguir as fronteiras etárias. Para entender essas demarcações etárias específicas, reconhecemos como importante o conceito de distinção elaborado por Bourdieu (2007), no qual os sujeitos se distinguem uns dos outros de acordo com suas condições econômicas e sociais. Desta forma, as diferenças entre estilos de vida são observadas como um meio para os julgamentos de classe, parte de uma “luta simbólica”, na qual os indivíduos, ao classificarem os bens de consumo, também se classificam, criam e estabelecem hierarquias, uns em relação aos outros. Assim, estrutura-se a sociedade de maneira relacional, em que os sujeitos sociais distinguem-se pelas distinções que eles operam entre o belo e o feio, o distinto e o vulgar, ou o velho e o jovem.

Devido a isto, vimos que é preciso analisar as diferenças das juventudes, comparando as condições de vida, dos "jovens" de classes menos favorecidas, trabalhadores, cujas limitações do universo econômico são apenas suavizadas através da solidariedade familiar, daqueles com a mesma idade (biológica), de classes mais abastadas e que são estudantes e possuem as facilidades da subvenção econômica “quase-lúdica”, com maior capital para uma vida confortável, acesso ao lazer e retardamento às exigências do estilo de vida adulto.

Vimos que os bens culturais, segundo Bourdieu (2007), podem ser apreendidos materialmente, pressupondo capital econômico, e simbolicamente, pressupondo capital cultural. Essa dupla forma de se apropriar de um bem cultural nos demonstrou como toda mercadoria está atrelada a um sentido, um código e uma maneira de apropriação, em que as classes sociais afetariam o acesso desigual ao capital cultural legítimo para a apropriação de um bem cultural como o rock and roll.

Analisando neste trabalho o rock and roll no Recife dos anos 1950 como uma demarcação da fronteira etária dos jovens, inédita na cultura musical, encontramos nos argumentos de Bourdieu (1978 e 2007), uma possível justificativa para o fato de que o consumo e prática cultural do rock and roll, só foram verificados na juventude mais abastada desta cidade. Por consequência, trata-se de uma juventude mais cosmopolita e mais apta para se engajar e adquirir os sentidos produzidos e atribuídos como dominantes e legítimos pelos mediadores da cultura rock, como relataram algumas entrevistas e matérias nos jornais da época.

Ao nos apoiarmos na fundamentação teórica de Bourdieu (1990), na qual é apontado o mundo social como uma construção dependente das tarefas de classificação e rotulação, em que os juízos de valor estruturam a realidade enxergada, pudemos perceber que o reconhecimento desse coletivo de jovens por eles próprios e pela sociedade, perante a prática coletiva do rock and roll, justificaria o sucesso na demarcação de uma fronteira etária desse coletivo.

Ao percebermos o rock and roll no Recife nos anos 1950, como um produto importado podemos nos apoiar em Bourdieu (2002) e sua reflexão sobre a internacionalização de um sentido atribuído a um bem cultural, para analisarmos o grau de simetria entre a forma de apropriação do rock pelos jovens recifenses, em comparação com os adolescentes norte-americanos.

Sobre a gênese do rock and roll nos Estados Unidos, vimos com Friedlander (2015), Sagolla (2015), Kajanová (2014), Frith (1981) e Mazzoleni (2012), como este se constituiu em uma cultura musical, somando dança, comportamento e música enquanto estilo de vida de uma geração de adolescentes norte-americanos. Com ajuda de custo dos pais, maior tempo de lazer e poder aquisitivo, a indústria da cultura de massa voltou-se para satisfazer estes jovens, investindo no produto rock and roll, consumido por estes adolescentes. Como Frith (1981) aponta, a indústria de cultura de massa norte-americana teve um poder de influenciar o modo de vida de diversos consumidores dos vários países, desde a década de 1920. Foi possível observar esta influência no Recife.

Ao longo da pesquisa, demonstramos como a música e a cultura de massa norte-americana foi influente no modo de vida de uma burguesia cosmopolita recifense, desde a década de 1920 até 1950, apesar das tensões entre os defensores de uma cultura regional ou nacional. Desta forma, podemos identificar que o rock and roll pôde ser consumido por uma parcela significativa da juventude mais abastada recifense, fazendo parte do mercado consumidor em potencial visualizado pela indústria da cultura de massa dos Estados Unidos que investiram na disseminação

internacional do rock, no intuito de satisfazer as necessidades de um público jovem, que ultrapassava as fronteiras dos EUA.

Diferente de outras regiões do Brasil, sobre o rock and roll no Recife não encontramos gravações de jovens locais, formação de grupos significativos e específicos deste estilo musical, na cidade e nem sinais de sua vivência de cultura musical por jovens das classes menos favorecida da capital pernambucana. O rock and roll foi consumido nos salões dos clubes, cinemas e festas pela juventude recifense, assim como o jazz, o jitterbug e outras músicas e danças norte- americanas, desde a década de 1920.

Porém, mesmo que no Recife, já fosse vivenciado desde do final do século XIX, um cosmopolitismo que permitia o consumo de produtos culturais dedicados à juventude (como filmes, jornais, programa de rádio, etc.), ainda assim não conseguimos perceber a presença de um estilo musical tão fortemente associado ao jovem como o rock and roll

Somente, a partir dos anos 1950, com a difusão da mídia do rock and roll, no Brasil e no Recife, com o seu sentido dominante veiculado a cultura musical jovem é que essa associação vai se constituindo de maneira mais concreta. Esse agenciamento entre rock and roll e juventude, mediado pela mídia local e vivenciado em diversos espaços na cidade (salas de cinema, clubes, lojas de discos, etc) foi, assim, fundamental para demarcar uma fronteira etária mais visível entre o estilo de vida do adolescente e as demais faixas etárias. Para fim, afirmamos que os resultados da análise do material produzido, por esta pesquisa, apontam que o rock and roll se constituiu em uma prática social importante por possibilitar a construção, de maneira inédita no Recife, de um circuito de eventos sociais destinado ao consumidor jovem

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