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O estudo dos fatos ocorridos no Corredor da Vitória a partir de meados do século XX – a verticalização com a destruição gradativa das mansões; a anuência da legislação, liberando inclusive o gabarito no local; a construção de edifícios atrás das casas; o processo de tombamento do IPHAN; e a omissão dos órgãos estaduais em relação ao caso – levou à determinação dos valores que são atribuídos ao local pelos diversos atores que participaram direta ou indiretamente desta parte da história da cidade.

Tem-se de um lado aqueles que atribuem à Vitória valores de modernização – Prefeitura, Estado, mercado imobiliário –, não concordando em conter a construção de edifícios no local; aqueles que atribuem valores de conservação – alguns intelectuais e algumas representações de classe –, procurando medidas de salvaguardar as mansões remanescentes da área; e alguns proprietários que tentam conciliar os valores de modernização com os valores de conservação, obrigando os novos compradores a manutenção de suas casas externamente, ou seja, apenas de suas fachadas, podendo ser modificado todo o seu interior.

Com esta nova exigência, empresários do mercado imobiliário trataram de buscar condições de transformar a manutenção das casas em mais uma peça de marketing na venda dos apartamentos. Estes novos empreendimentos passaram a ser retratados como conciliadores do presente e do passado, aliando o conforto da modernidade sem apagar o registro da história do bairro. Mas pôde-se ver que esta prática é bastante discutível em se tratando da preservação da morfologia urbana.

Os antigos proprietários que exigiram a manutenção de suas casas foram movidos por razões pessoais, pelas lembranças que estas representam às suas famílias. Talvez o único proprietário que vislumbrava garantir à sociedade o direito de desfrutar de parte da história da cidade seja representado pelo Instituto Carlos Costa Pinto, pois este, desde o início da década de 80, procurou realizar eventos buscando conscientizar a população da importância histórica do local.

Esta pesquisa pôde mostrar os valores de quase todos que estiveram envolvidos com o Corredor da Vitória nos últimos cinqüenta anos, exceto os moradores do bairro, que praticamente não se pronunciaram ou não foram procurados para dar a sua opinião. Qual seria a posição deles em relação às mansões que ainda existem na Vitória? Que valores eles atribuem ao local? Para tentar responder a estas perguntas foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com alguns moradores do bairro, que levaram a algumas conclusões.

Apesar de alguns jornais da década de 80 fazerem comentários sobre o “charme do local” devido à presença das mansões da elite do início do século, os moradores sempre mostraram mais interesse na vista para a Baía de Todos os Santos ou na posição estratégica do bairro, que consegue conciliar proximidade com o trabalho, escolas e lazer. Não foi demonstrada muita preocupação com a demolição das casas de estilo eclético.

Somente após a exigência de alguns antigos proprietários em manter as casas foi que alguns moradores passaram a considerar a manutenção das mansões como uma possibilidade, reconhecendo os valores históricos das mesmas, mas nunca pensando em impedir a construção de novos edifícios. Como a manutenção das casas na frente dos edifícios, representou, para estes moradores, uma excelente

solução, a demolição das casas passou a ser um absurdo para eles, como por exemplo o caso da Mansão Wildberger.

Por outro lado, há aqueles que não consideram válida a manutenção das casas na frente dos edifícios para a população em geral, apenas para quem conhecia as residências com mais intimidade. Sendo assim, no caso das casas que foram mantidas nestas condições, apenas o antigo colégio Sophia Costa Pinto seria representativo para um maior número de pessoas, sendo que a manutenção das outras casas seria válida apenas para os familiares dos antigos moradores.

Outros acreditavam que as casas devem ser mantidas se forem “provados” os valores históricos e artísticos do local. Mas como provar um valor, se este representa, citando Heller novamente, a “expressão resultante de relações e situações sociais”? (HELLER, 2004, p.5) Desta forma, fica claro que, para grande parte dos moradores do bairro, as mansões não apresentam nenhum valor. Não há preocupação quanto à altura das edificações nem nos seus impactos. Também não há preocupação com a área verde da encosta, visto que, poucos são os que têm acesso a esta. Não há preocupação com a cidade, e sim, com o conforto individual.

As análises contidas nesta pesquisa, junto com as entrevistas realizadas, levaram à constatação de uma sociedade dominada pela ideologia do mercado imobiliário, que passou a reger a cidade a partir da década de 70. Enquanto no início do século XX a população era movida pela ideologia do progresso, um século depois, é a lógica do mercado imobiliário que domina as intervenções na cidade. E enquanto isso ocorrer, não haverá espaço para que os valores de conservação possam realmente ser absorvidos pela população. E muito menos condições para se discutir as intervenções que são realizadas na cidade, como pôde ser constatado com a falta de amadurecimento das opiniões no caso do Palácio Thomé de Souza.

O estudo do processo de tombamento do Corredor da Vitória também levou à constatação da dificuldade de valorização do ecletismo pelos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, representando uma constante que ainda prevalece nos dias atuais. A falta de uma política de preservação dos remanescentes deste estilo tem levado ao quase completo desaparecimento destes exemplares arquitetônicos em todo o país, provocando uma lacuna na nossa história.

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