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“Você pode aprender mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que uma vida inteira de conversação”

Platão

Reconhecer-me enquanto sujeito cultural, que constrói certezas pelo experienciado, pela própria cultura, entendendo que os paradigmas que trago em minha inteireza não são universais, foi fundamental no decorrer da pesquisa. O processo de abrir-me ao campo de estudo, buscando perceber a inteireza e veracidade nas culturas expressas pelas crianças no brincar, o que foi um desafio, na mesma medida que ficava nítido a diversidade cultural das infâncias.

Reformulações de paradigmas foram necessários; e ocorreram, alavancados pelos estudos teóricos e baseados em uma continuidade da construção do saber e na perspectiva da incompletude da construção humana. Articular teoricamente o vivido, o concreto, com a dimensão dialética. Ao compreender outras culturas, grupos sociais, passamos a abrir nossa visão etnocêntrica, com o descentramento cultural, percebendo com maior inteireza a nossa própria cultura, e a diversidade cultural, para não correr o risco de uma avaliação adultocêntrica das culturas infantis.

Afirmar que as crianças em suas infâncias, são um grupo cultural distinto, e dentro deste grupo existem diferenças, ligadas ao tempo histórico, às sociedades as quais pertencem, é reconhecer uma das especificidades da infância, compreendendo a lógica expressa e parâmetros construídos nessa cultura. Em instância maior destaco que não limito o termo cultura a determinadas manifestações culturais, geralmentes vinculadas a artes visuais, e outras produções, pois entendo que a humanidade é a cultura, o animal que saiu da verga em dado tempo histórico se constitui pela dimensão cultural, deixando de ser um “amontoado de carne”, meramente biológico e instintivo, para construir o humano.

As crianças constroem a compreensão das coisas com outras crianças, encharcadas do que vivem, do que veem, expressando-se pelo brincar, na relação com brinquedos, objetos, com o pedagógico. O olhar enquanto pesquisadora tira as crianças do silêncio, um silêncio

irreal, pois na verdade não são palavras que as colocam como protagonistas, ou como reconhecedoras de sua cultura nas infâncias, e sim a sua inteireza no viver.

Por meio das observações e reflexões nos aportes teóricos percebe-se que as crianças não são somente produzidas culturalmente, sendo também produtoras, demonstrando autonomia cultural. As crianças com as quais aprendi demonstram com clareza ter conhecimento de si, do mundo, e do Outro, em específico quando esse outro é um adulto, o que implica estar imerso em cultura distinta: as das infâncias.

O processo de investigar, demanda conhecer o outro, e esse outro foram as crianças em suas infâncias plurais, o que requer reconhecer as suas culturas, contextos, ir decodificando e atribuindo significados ao vivido por eles e com eles, sem querer delimitar verdades finais, pois não busco produzir significados únicos, e sim caminhos possíveis para compreender as crianças enquanto produtoras de cultura e se elas se reconhecem enquanto produtoras de culturas.

Cada um tem o que dizer sobre si mesmo e as crianças em suas linguagens se reconhecem, sabendo que vivem em uma cultura única. Pesquisar as infâncias enquanto produtoras culturais, permitiu reconhecer a plenitude e inteireza com que as crianças vivem suas infâncias, suas vivências são potentes, seu cotidiano tem riqueza, que se não observarmos com olhos de ver, despidos das lentes culturais adultocêntricas não compreendemos.

Ao estudar documentos como a BNCC, nós pedagogos temos amparo para elaborar um currículo cultural da e para Educação Infantil, pois essa etapa é reconhecida em suas especificidade, logo traz como centralidade as brincadeiras e interações na constituição das crianças. Os documentos nos indicam que o brincar permeia o cotidiano das infâncias, e esse brincar é entendido como cultural. Como diz Platão pelo brincar compreendemos os sujeitos, percebendo suas compreensões de mundo, do outro e de si.

A pesquisa não me trouxe certezas de um único caminho, nem respostas que me bastam, temos muito o que estudar, para compreender sobre o tema, principalmente aprofundando entendimentos no que explicitam os documentos legais, os quais mereciam ser mais explorados, mas não tive tempo hábil para tal. As crianças com as quais aprendi me mostraram que reconhecem-se enquanto produtoras de cultura por meio do brincar, das interações com pares, pela criatividade em reelaborar o seu cotidiano, reinterpretando o mundo continuamente. Os sujeitos que pesquisei notam, participam e modificam a cultura

adulta, a cultura escolar, a cultura de suas famílias, mostrando claras distinções nas relações entre esses espaços, lugares, organizações institucionais e pessoas.

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