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Por um currículo cultural na educação infantil: entre os documentos legais e o chão da escola

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

PRISCILA LUANA CZICHESKI SCHUTZ STAMBOROSKI

POR UM CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

ENTRE OS DOCUMENTOS LEGAIS E O CHÃO DA ESCOLA

IJUÍ/RS

2019

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PRISCILA LUANA CZICHESKI SCHULTZ STAMBOROSKI

POR UM CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

ENTRE OS DOCUMENTOS LEGAIS E O CHÃO DA ESCOLA

Trabalho de Conclusão de Curso-TCC

apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- Unijuí como requisito para obtenção do título de graduada em Pedagogia.

Orientador: Profª Ms. Josei Fernandes Pereira

IJUÍ/RS

2019

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Dedicatória e agradecimentos

Dedico esse trabalho à meus mestres, á cada professor(a) que ao longo de minha escolarização tornaram momentos de vivenvências em experiências, as quais hoje me constituem. Agradeço ao professor Josei por ter aceitado ser meu orientador de TCC, e me desafiar no processo de elaboração deste, com ricas sugestões. A minha família, por entender os momentos de “falta” durante o curso de graduação, por me incentivar e acreditar que a educação vale a pena.

Agradeço as políticas públicas, pois sou bolsista ProUni, e se hoje estou concluindo uma formação superior é devido à oportunidade de inclusão que esse proporcionou. A oportunidade de participar do programa Residência Pedagógica, que tem contribuindo muito em minha construção pessoal e docente, por meio da docência compartilhada e da pesquisa no chão da escola.

Dedico as crianças com as quais construí experiências que hoje me constituem, elas tornaram possível o desenvolver deste trabalho, e me deixaram profundamente encantada pelas culturas das infâncias.

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“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor assim, não morre jamais.” Rubens Alves

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LISTA DE FIGURAS

Imagem 1 : ​Imagem ilustrativa de beyblads usadas no brincar descrito. Foto retirada da

internet. Link para acesso da

imagem<https://www.google.com/search?tbm=isch&sxsrf=ACYBGNSbt_6kU_70IHUrGu0d mnv_IjaNkQ%3A1572546012753&sa=1&ei=3CW7XePZLaHA5OUPjtCs-AM&q=bebled+b rust&oq=BEBLED+&gs_l=img.1.0.0i30.112947.112947..115183...0.0..0.151.151.0j1...0.... 1..gws-wiz-img.Efy0rrDKX1A#imgdii=WoP7A5Ky0y_hHM:&imgrc=NReK5e2nWtsJjM:> Imagem 2 :​ STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila.Pneus e suas possibilidades. 2019. Imagem 3 :​ STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila. Pizza sendo entregue ao cliente. 2019. Imagem 4 : ​STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila. O brincar com faca e elementos da natureza.2019.

Imagem 5 : ​STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila. Descobrindo cores, cheiros, texturas e sabores.2019.

Imagem 6 : ​STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila.Mesa de luz, espaço organizado para o brincar.2019.

Imagem 7 : ​STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila.Investigação em ação, a descoberta dos bichos de fogo.2019.

Imagem 8 : ​STAMBOROSKI, S.C. Luana Priscila. Descobrindo possibilidades, criando

enredos.2019.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT​: ​Associação Brasileira de Normas Técnicas. BNCC: ​Base Nacional Comum Curricular.

DCNEB: ​Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. DCNEF: ​Diretrizes Curriculares Nacionais para Ensino Fundamental. DCNEI: ​Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. RCG: ​Referencial Curricular Gaúcho.

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RESUMO

O ser humano ganha significado pela linguagem, a mesma é organizadora dos sujeitos, sendo que tudo que somos, e só somos por termos e produzirmos cultura. Entender o conceito de cultura, e os processos de construção do que consideramos humano, nos leva a romper com fazeres pedagógicos dissociados da realidade cultural dos sujeitos. Durante dois anos como estagiária da Educação Infantil, me coloquei enquanto pesquisadora, buscando aprender com as crianças. Em um primeiro momento conceitos como culturas, infâncias, brincadeiras, e crianças foram explorados. Posteriormente abordo os documentos e seus entendimentos sobre a cultura. Por fim experiências são trazidas em diálogo com a teoria, sendo os sujeitos infantis em sua inteireza centralidade das discussões, para vislumbrar possíveis caminhos. A abordagem bibliográfica e de pesquisa etnográfica deste trabalho imbrica se em olhar para as crianças em suas infâncias, buscando caminhos para entender se as crianças reconhecem-se enquanto produtoras culturais, como ocorre esse reconhecimento no chão da escola pelo fazer pedagógico, e o que os documentos legais nos indicam. O currículo é norteador das instituições de ensino, logo esse explicita a cultura dos sujeitos que constituem esse lugar, os estudos e ideias abordadas neste Trabalho de Conclusão de Curso- TCC, possibilita caminhos para pensar a dinamicidade das infâncias em uma construção pela cultura, a qual é alicerçada nas brincadeiras e interações, eixos trazidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil e Base Nacional Comum Curricular como necessário e de direito dos sujeitos plurais.

Palavras chave: ​Culturas das infâncias. Vivências. Construção humana. Professor

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ABSTRACT

The human being gains meaning through language, it is the organizer of the subjects, being that all that we are, and only are by having and producing culture. Understanding the concept of culture, and the processes of construction of what we consider human, leads us to break with pedagogical practices dissociated from the cultural reality of the subjects. For two years as a child education intern, I put myself as a researcher, seeking to learn from children. At first concepts such as cultures, childhoods, play, and children were explored. Later I approach the documents and their understandings about the culture. Finally experiences are brought in dialogue with the theory, being the infantile subjects in their entirety centrality of the discussions, to glimpse possible ways. The bibliographic and ethnographic research approach of this work was based on looking at children in their childhoods, looking for ways to understand if children recognize themselves as cultural producers, how this recognition occurs on the school floor by the pedagogical practice, and what the documents do. legal tell us. The curriculum is the guiding principle of educational institutions, so it explains the culture of the subjects that make up this place, the studies and ideas addressed in this Course Conclusion Paper - TCC, enable ways to think the dynamics of childhoods in a construction by culture, the which is based on the games and interactions, axes brought by the National Curriculum Guidelines for Early Childhood Education and Common National Curricular Base as necessary and of the right of plural subjects.

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SUMÁRIO

​INTRODUÇÃO 10

1 POR UM CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL 13

1.1 Cultura 14

1.2 Crianças e Infâncias 15

1.3 Currículos e Educação Infantil 17

1.4 Brincadeiras e brinquedos 20

2 INTERCULTURALIDADE COMO O CAMINHO ENTRE OS DOCUMENTOS

LEGAIS E O CHÃO DA ESCOLA 23

2.1 A BNCC e seus entendimentos sobre cultura, um panorama geral 24

2.2 Expressões da cultura na Educação Infantil segundo a BNCC 25

2.3 Compreensões possíveis do Referencial Curricular Gaúcho, sobre a Educação Infantil e a

cultura 28

2.4 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil 29

3 ESTUDO ETNOGRÁFICO DO UNIVERSO CULTURAL DE UMA TURMA DE

EDUCAÇÃO INFANTIL 31

3.1 Conhecendo o cotidiano da instituição pesquisada, seus tempos, espaços, materiais 32

3.2 Vivências com crianças no brincar 36

​CONSIDERAÇÕES FINAIS 51

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INTRODUÇÃO

Somos o que a cultura nos faz, nos tornamos humanos na medida em que deixamos de depender exclusivamente do nosso equipamento biológico, ou seja, com o passar dos séculos nos distinguimos das outras espécies animais, suprimindo os instintos de modo processual ao adquirir cultura, desenvolvendo de modo articulado o equipamento biológico e o cultural. Agimos de acordo com os padrões culturais de nossa sociedade, usufruindo da cultura cumulativa, construída pelas gerações passadas, expressa pelos conhecimentos, linguagem e toda dimensão simbólica.

O homem é a única espécie a criar símbolos, atribuindo significados a esse de acordo com a sociedade em que surgiu. A cultura, em sua complexidade, sempre é reelaborada, e o homem vê-se como produto e produtor dessa, não tendo uma definição única para o que é cultura, mas sim configurando-se em um tema aberto para férteis estudos. No que tange à educação, percebe-se a história educacional da humanidade imbricada com a cultura e o social, logo os processos educativos são culturais, e cabem ser refletidos, em especial na Educação Infantil.

O objetivo deste trabalho é compreender se as crianças reconhecem-se enquanto produtoras de cultura, e o que elas entendem por cultura, como demonstram seus saberes em contexto escolar. Cabe à escola favorecer o desenvolvimento desse sujeito, possibilitando-o sentir-se como parte importante da sociedade, da qual faz parte e onde está inserido, sendo que essas trocas ocorrem por meio das interações culturais. Tenho por objetivo principal, portanto, analisar, contextualizar e aprofundar as interações culturais infantis em âmbito escolar, compreendendo a interculturalidade dos sujeitos, bem como a forma como os documentos legais explicitam essa dimensão, para elaborar entendimentos sobre o que é a cultura para os sujeitos infantis e como se reconhecem como construtores dessa.

Como objetivo amplo pretende-se analisar as culturas infantis no contexto escolar, visibilizando as infâncias como produtoras de culturas para romper com a naturalização dos fazeres no chão da escola e entendendo se é possível construir um currículo cultural na/da/para a educação infantil. Para atender à problemática de responder os seguintes questionamentos “​Será que as crianças se percebem enquanto produtoras de cultura? O que elas entendem por cultura?”

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Entender a dinâmica das culturas infantis e romper com a naturalização das ações no cotidiano da escola de Educação Infantil requer um aprofundamento pedagógico. As crianças interagem com seus pares orientadas pelas suas percepções culturais, sendo essa dimensão a principal característica do humano. Logo olhar com olhos de ver, despindo-me do adultocentrismo, fazendo uso de minhas lentes culturais para além do que minha visão condiciona, sentir e perceber as crianças em sua inteireza é necessário para analisar como os saberes das múltiplas culturas infantis são validados em âmbito escolar.

O currículo é o norteador do fazer pedagógico, pois explicita a dimensão da interculturalidade​, validando os múltiplos saberes dos sujeitos infantis, bem como o aprofundamento nos documentos legais como a BNCC e as DCNEI em suas abordagem sobre as culturas infantis, me permitirão entender como a dimensão cultural abordada nos documentos legais é vivida no ambiente escolar.

As crianças desde antes do seu nascimento já participam da cultura existente na sociedade a qual os pais pertencem e, ao nascer, passam a interagir diretamente com a mesma, assimilando, assim, como são atuantes e produzem cultura. A escola é o local que cuida da educação formal dos sujeitos, e é nesse espaço que as múltiplas culturas entram em conversação, ocorrendo ricas trocas. O currículo escolar normatiza o modo que as culturas infantis são compreendidas. É necessário fortalecer a compreensão dos adultos envolvidos com a Educação Infantil referente às múltiplas culturas infantis e seus saberes constituintes, torna-se uma questão necessária a ser pesquisada uma vez que explicita a visão dos docentes sobre as infâncias culturais na dinâmica escolar.

A metodologia de pesquisa é de abordagem qualitativa, numa perspectiva etnográfica, com embasamento bibliográfico para significar o vivido. Adotei o diário de campo como ferramenta de registro do vivido e observado, dedicando-me a relatar situações do cotidiano, em especial as brincadeiras dos sujeitos infantis, suas falas, os contextos. O diário de campo permite captar a inteireza do momento, pois ao observar e relatar, tenho oportunidade de refletir e teorizar sobre o vivido, sem depender unicamente da memória, e buscando o máximo de fidelidade ao experienciado.

Analisar o campo da educação em perspectiva cultural, foi possível pela pesquisa etnográfica, pela especificidade dessa, que é o amplo contato com o observado, os sujeitos, o que me levou a troca de experiências e a construção de saberes pela práxis. O espaço escolar como campo de pesquisa é amplo e complexo, movimentado pelas culturas, demandando da

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pesquisadora um observar aos tempos, ritmos, espaços, as práticas pedagógicas, e por fim as interações culturais movimentadas pelos pares. A abordagem antropológica oportuniza conhecer os sujeitos com outras lentes, abandonando a postura etnocêntrica, busquei o estranhamento ultrapassando estereótipos para procurar entender a especificidade do pesquisado.

Na posição de estagiária em uma escola de Educação Infantil, do município de Ijuí, pude me inserir nessa realidade observando, escutando as falas, o brincar, experienciar a complexidade do chão da escola, constituindo-me enquanto docente na mesma perspectiva que fazia desse espaço campo de pesquisa, atentando às interações culturais dos sujeitos infantis entre si e com o(a) adulto(a) referência, analisando ainda como o currículo da escola contempla a interculturalidade e se os pequenos reconhecem-se como produtores de cultura. As crianças com quem convivi e aprendi tem de 3 anos completos a 4 anos e 5 meses, contudo a escola como um todo foi meu campo de pesquisa, por configurar-se em um campo fértil.

No primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso, apresento conceitos embasadores, como: culturas, Educação Infantil, infâncias e brincadeiras, e outros que alicerçam a construção de toda minha reflexão. Já no decorrer do segundo capítulo contextualizo o objeto de estudo, apresentando um panorama da instituição como um todo que me oportunizou espaço de pesquisa, aprofundando-me no que explicitam os documentos legais para a Educação Infantil referente à cultura.

O terceiro e último capítulo traz narrativas de vivências das 20 crianças com as quais interagi durante quase um ano, com análise do objeto e dos dados coletados, trazendo as experiências para reflexão, buscando explicitar por meio do embasamento teórico o que foi possível concluir do tema estudado. Não pretendendo respostas finais, mas sim a construção de um caminho possível, uma vez que a posição de aprendente assumida como docente é um início sem fim.

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1 POR UM CURRÍCULO CULTURAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

“[...] A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas roubaram lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem, a criança diz: ao contrário, as cem existem.” Loris Malaguzzi (1999, p. 17)

O desejo de aprender mais sobre este tema nasceu no decorrer da trajetória acadêmica, se acentuando na disciplina de Pedagogia e Antropologia, na qual aprofundamos entendimentos sobre alguns conceitos. Logo a compreensão das culturas no contexto antropológico me instigou a pesquisar, mas o meu olhar seguiu-se voltado para as infâncias, as interações dessas infâncias em contexto familiar, na escola, e como o currículo escolar compreende essas culturas, o que me leva a uma questão “maior”: ​Será que as crianças se percebem enquanto produtoras de cultura? O que elas entendem por cultura? Como diz Malaguzzi, as crianças têm incontáveis linguagens e cabe a nós compreendê las.

Para responder esse e outros questionamentos, é necessária a significação de conceitos que se entrelaçam. O mais abrangente será a cultura, mas não menos importantes são infâncias, criança, currículo, brinquedo e brincadeiras. ​Imbrico-me a conceituar o que seria cultura, a qual, por meio de minha cosmovisão, compreendo como os padrões, normas, regras, códigos, crenças, formas de ser e se comunicar, que começamos a obter desde a gestação. Assim, a cultura é o modo como nos alimentamos, vestimos, comunicamos, vivemos em sociedade, é o que nos torna humanos. É o conjunto de formas de expressões que caracterizam no tempo uma sociedade determinada.

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1.1 Cultura

A cultura pode ser entendida como uma lente que usamos para compreender o mundo, e segundo Laraia (1989) todos nós temos lentes específicas, que usamos para atribuir significados à cultura na qual estamos inseridos, assim a cultura condiciona a visão de mundo dos homens, pois significamos as coisas por meio da lente que usamos. Um mesmo fato, objeto, ou situação de vida é interpretada de modos diversos, de acordo com a lente cultural que os sujeitos se dispõem a ver.

Laraia destaca que independente do grau de complexidade cultural de uma sociedade, os sujeitos não conseguem participar de todas as suas dimensões, sendo que participação de um indivíduo na cultura, vai depender dos seguintes fatores: cronológico e cultural. O fator cronológico, nos permite entender que uma criança não está apta a executar as mesmas tarefas de um adulto, assim como uma pessoa de mais idade não tem condições físicas de realizar certas tarefas.

Já a dimensão cultural explicita ritos e formas de entendimentos que criamos para viver em sociedade, ou seja, ocorrem distinções entre os sujeitos segundo o seu sexo, dentre outros. Todos os sujeitos devem ter o mínimo de entendimentos da cultura a qual pertencem, para interagir com os outros e estabelecer um bom convívio.

Para Laraia: “todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro” (1989, p.87), é inegável que os sujeitos tendem a atribuir à sua cultura a lógica, e considerar as demais culturas como irracionais, pois sempre analisamos pela nossa lente cultural. Sendo que interpretamos e significamos o mundo de acordo com nossa cultura, então é normal para um mesmo fenômeno natural, sujeitos atribuírem significados diferentes, dentre os quais podemos citar, o sexo e a procriação da espécie humana.

Todas as sociedades humanas tem o seu modo de classificar o mundo natural, e assim as variáveis existem, devido às diferenças culturais. Para Elvira Sousa Lima: “cultura é o acervo acumulado de comportamentos, de práticas, de materiais e processos simbólicos, de utilização de manifestações de sistemas expressivos para a comunicação e socialização.” (LIMA, 2009, p. 24). Todo sujeito tem seu repertório cultural, e este está ligado à sua cultura

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de origem, as crianças são socializadas em um meio constituinte, aprendem valores, normas, ritos, a língua materna, e significam o mundo por meio de seu equipamento cultural.

Podemos afirmar que a cultura é uma dimensão que nos constitui, nos moldando e fornecendo lentes para ver o mundo, contudo ao mesmo tempo que ela nos molda, nós também a modificamos, pois somos capazes de questionar os nossos próprios hábitos e ritos, e modificá-los, a nossa cultura não é estática, estamos em um contínuo processo de modificação, sendo o tempo uma dimensão importante para notarmos a sua dinâmica. Concordo com Laraia (1989), que sustenta que

O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam (LARAIA, 1989, p. 48). A cultura define tão profundamente o nosso modo de ver e viver no mundo, que até o

modo que rimos e do que rimos, é cultural, assim como o nascimento de uma criança ocorre de modos distintos, conforme a cultura que seus pais estão inseridos. Corsaro (2011) explicita que “a participação nas rotinas culturais começa muito cedo, quase que desde o minuto em que as crianças nascem”. Como brincamos, com o que brincamos, o nosso entendimento de crianças e infâncias são determinados pela cultura a qual pertencemos.

1.2 Crianças e Infâncias

As crianças são seres históricos, situadas em um espaço, em um tempo e imbricada com culturas. Conhecer as crianças de hoje, sua cultura e modo de significação de mundo é indispensável para compreendermos o seu brincar como produção de significados. Devemos levar em conta sua história, sua produção de cultura e de direito. Os conceitos de crianças e infâncias são construídos culturalmente, passando por modificações ao longo de nossa história, cabe destacar que a infância nem sempre foi reconhecida.

Na idade média a criança era vista como um adulto em miniatura, como um ser inacabado. Como destaca Ariés (1978)

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XIV E XVI. Mas

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os sinais de seu desenvolvimento particularmente numerosos e significativos a partir do final do séc. XVI e durante o séc. XVII.

A partir do séc. XIX e XX a criança começa ocupar um lugar de fundamental importância para a família e para a sociedade, olha-se para esse ser de pouca idade como alguém que necessita de lugar, tempo, espaço e cuidados diferenciados. O que mais tarde evolui para o que hoje reconhecemos como infância.

Ser criança para nossa atual legislação compreende o período de 0 a 12 anos, e neste a criança se insere na sociedade, brincando, aprendendo com carinho, cuidado, respeito e dedicação dos adultos, considerado o tempo de brincar, descobrir, aprender, construir, errar e acertar. Entender que a criança vive em um momento específico e sua existência significa dizer que a infância é um dos períodos que caracteriza a vida humana e, como tal tem especificidades que precisam ser respeitadas, tanto no olhar do sujeito que vive este período como a sociedade que culturalmente lhe dá significado, tornando-os autônomos e criativos em suas vivências e inserção com a sociedade, destaco aqui que o ser criança considera o biológico, e corresponde a um período da vida dos sujeitos, mas o conceito de infância(s) que é culturalmente elaborado, não segue uma regra cronológica. Segundo os entendimentos de Corsaro (2011) infância é

[...]​a infância - esse período socialmente construido em que crianças vivem suas vidas- é uma forma estrutural. Quando nos referimos à infância como uma forma estrutural queremos dizer que é categoria ou parte da sociedade, com classes sociais e grupos de idade. Nesse período as crianças são membros operadores de suas infâncias, Para as crianças, a infância é um período temporário. Por outro lado, para a sociedade, a infância é uma forma estrutural permanente ou categoria que nunca desaparece, embora seus membros mudem continuamente e sua natureza e concepções variam historicamente.(CORSARO, 2011, p. 15)

A Educação Infantil compreende a infância como condição de criança, sendo assim, é através das linguagens expressas pelas crianças, que o educador saberá o que e como desenvolver sua prática educativa. Então nos cabe olhar para o nosso cotidiano, para a realidade de nossas crianças, considerando os seus saberes, ou seja, escutando as vozes das crianças e das infâncias em distintos contextos.

Me valendo dos entendimentos de Franco (2006), compreendo que a infância deve ser vista como uma construção histórica e social, portanto cultural, as crianças não podem ser consideradas todas iguais, cada criança enquanto sujeito biológico vive em um contexto

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diferente, há diversas culturas, etnias e condição socioeconômica e, isto irá influenciar e muito na forma com que esta criança irá viver a sua infância. Assim podemos afirmar que existem várias definições para a infância, porém todo conceito sempre está diretamente ligado à cultura, e com a sociedade em que essa criança está inserida, logo se torna essencial voltar os olhos para as culturas da infância que permeiam as instituições de ensino e aos documentos legais que as normatizam que compreensões eles explicitam?

A infância é um tempo de direito das nossas crianças, o brincar é um dos meios pelo qual produzem e expressam sua constituição, ressignificando a cultura na qual estão imersos. Toda criança é pertencente a uma cultura, mas não atua como uma mera receptora, tábula rasa, as mesmas são ativas, produzem significados. Ao mesmo tempo que são impregnadas pela cultura, são produtoras de cultura, assim me questiono sobre a existência de um currículo cultural nas instituições: as infâncias são respeitadas? Suas culturas estão contempladas nos currículos?

1.3 Currículos e Educação Infantil

O currículo é uma construção coletiva, o qual deve atender a todas as necessidades dos sujeitos frente a esse processo. A escola enquanto instituição responsável pela sistematização de um saber validado pelo homem enquanto espécie pedagógica, atua através deste, sendo que a mesma deve possibilitar a promoção da humanização, mediando os conceitos de mundo para as crianças, sempre trabalhando valores, competências e conteúdo. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil entendem a Educação Infantil enquanto,

Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. ( DCNEI, 2010, p. 12)

Contemplando as diversas culturas e considerando a realidade dos sujeitos, ou seja, levar em conta os conhecimentos provenientes das vivências das crianças, que se apresentam no contexto escolar. Nessa etapa é importante um currículo que considera os sujeitos

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enquanto construtores ativos de seu conhecimento. Silva (2006) ao abordar a temática do currículo enfatiza que,

O currículo é uma práxis, não um objeto estático. Enquanto práxis é a expressão da função socializadora e cultura da educação. Por isso, as funções que o currículo cumpre como expressão do projeto cultural e da socialização, são realizadas por meio de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que gera em torno de si. Desse modo, analisar os currículos concretos significa estudá-los no contexto em que se configurem e através do qual se expressam em práticas educativas. ” (SILVA, 2006)

O currículo escolar é importantíssimo por ser um instrumento que norteia o trabalho desenvolvido na escola, e por ser marcado pela visão de mundo da sociedade do momento; e sua prática reflete na visão de mundo expressado nos documentos orientadores por meio das formas efetivas de ação dos agentes educacionais e dos valores, normas, hábitos, atitudes que governam as relações nas salas de aula. “Considerando que o desenvolvimento humano é resultante da dialética entre biologia e cultura, mudanças na cultura levarão certamente, a novas formas de conhecimento.” (LIMA, 2009, p. 6). A identidade das instituições de ensino, seus objetivos e modos de abordar os conhecimentos explicitam-se nos currículos vividos.

Qualquer experiência educativa é singular, pois as crianças possuem modos próprios de compreender e interagir com o mundo, os sujeitos se constituem humanos pelas relações que estabelecem um com o outro. Nesse sentido o currículo deve ser pautado nos sujeitos, considerando seu contexto, sua cultura, suas vivências, ou seja , o seu modo de significar o mundo, assim cada área do conhecimento deve tratar para além de um conhecimento científico sistematizado pelo homem enquanto espécie e o docente é o mediador desse. Lima compreende essa relação como

A relação da criança com o adulto na escola é bastante peculiar, porque o professor não é, simplesmente, mais um adulto com quem a criança interage – ele é um adulto com a tarefa específica de utilizar o tempo de interação com o aluno para promover seu processo de humanização. (LIMA, 2009, p. 8).

Os currículos que desejam sujeitos emancipados, devem ser construídos no coletivo, ouvindo as bases, ou seja, começar pelas crianças, pais, professores, monitoras, todo o corpo escolar, bem como os órgãos responsáveis pela educação, para assim se afirmar que temos um currículo construído coletivamente, democrático e que considera os sujeitos enquanto participantes da sua própria elaboração, autônomos em relação ao saber,

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Um currículo que se pretende democrático deve visar a humanização de todos e ser desenhado a partir do que não está acessível à pessoa. Por exemplo, é clara a exclusão de uma parte significativa da população brasileira do acesso a bens culturais mais básicos, como literatura, os livros técnicos, a atualização científica, os conhecimentos teóricos, a produção artística (LIMA, 2009, p. 9).

Construir o currículo na sala de referência requer profissionalismo e competência por parte dos professores quanto a utilização de uma importante ferramenta pedagógica: a vivência sociocultural das crianças. “A escola deve ser um espaço onde todos participem do planejamento e execução de todas as suas ações, onde o conjunto de valores, normas e relações obedecem a uma dinâmica singular e viva” (VEIGA e RESENDE, 1998). O currículo é dinâmico, encharcado do cotidiano, abrangendo toda a comunidade escolar, e suas teias de relações.

O currículo vivido é uma dimensão importante para a emancipação dos sujeitos, contudo será que temos um currículo que permite as múltiplas culturas? As infâncias são compreendidas como construtoras de suas culturas no âmbito escolar? As concepções de criança, infâncias e culturas são explicitadas nos currículos?

Desde o nascimento o ser humano vive um processo permanente de aprendizagem, o mesmo só terá fim com a sua morte. Nascemos imersos em uma cultura, e vamos nos constituindo conforme vamos a assimilando pelas vivências. A esse processo a Antropologia dá o nome de endoculturação, sendo o processo de socialização no padrão de cultura de origem.

Assim me questiono como ocorre a endoculturação na infância, mais especificamente nas escolas? E se considerarmos o multiculturalismo, que é a ​existência de muitas culturas numa localidade, cidade ou país, com no mínimo uma predominante, havendo uma coexistência entre as culturas, como as interações ocorrem? O currículo explicita a dimensão multicultural, validando os múltiplos saberes dos sujeitos infantis? Buscando aprofundar as especificidades das infâncias em sua constituição cultural abordo os conceitos de brincadeiras e brinquedos, os entendendo como cultura e mediadores de cultura.

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Para abordar esses dois conceitos em específico e aprofundar as relações desses estabelecidos no social e cultural das infâncias, busco suporte em Gilles ​Brougère (2006). O professor e autor aborda o brinquedo como produto de uma cultura, que exprime reflexos da sociedade em que foi criado. Na mesma perspectiva vê a impregnação cultural por meio da brincadeira, sendo esse brincar dinâmico.

O brinquedo por nós educadores(as) é entendido como um suporte para a aprendizagem das crianças, mas será que refletimos sobre sua imagem cultural? O brinquedo quando analisado revela valor cultural, traz expresso em sua materialidade significações, sendo complexo e possível de reelaboração de sentidos durante o brincar, possuindo assim o valor simbólico.

Segundo Brougère, o valor simbólico do brinquedo se sobrepõem a função, sendo fonte de brincadeira,

O brinquedo é, assim, um fornecedor de representações manipuláveis, de imagens com volume: está aí, sem dúvida, a grande originalidade e especificidade do brinquedo que é trazer a terceira dimensão para o mundo da representação.(BROUGÈRE, 2006, p .14)

A ação lúdica encontra suportes na imagem do brinquedo, em seus aspectos físicos,

cor, textura, formato, cheiro, dentre outros. A brincadeira contudo não se limita ao brinquedo, a criança lhe impregna de sentidos no simbólico, perpassando a imagem do brinquedo/objeto, usando de seu cotidiano, suas experiências e desejos. Brougère destaca que cada cultura cria um banco de imagens e durante a infância começamos a nos apropriamos desse, por meio de mediadores existentes.

Passo a compreender o brinquedo e a brincadeira enquanto mediadores culturais, os quais passam a ser manipulados e vividos pelas crianças em suas infâncias e significados na dimensão simbólica humana. O brinquedo sempre explícita a cultura em que foi criado, contudo não condiciona a brincadeira.

Um exemplo claro para a afirmação acima é observado nos brinquedos atuais, a última sensação do momento entre as crianças, os bonecos dos “Vingadores”: são de material plástico, o formato do corpo parecido ao humano, com cores diversas, retratando um universo fantasioso cinematográfico. A comercialização desses deu-se após o grande sucesso nos cinemas dos filmes americanos que retratam esse universo fantasioso, com personagens na

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grande maioria com poderes mitológicos, e/ou patriotas como o Capitão América, que relacionam-se nas tramas.

A brincadeira, tendo esses bonecos como mediadores, não se limita a funcionalidade, a forma desses, perpassando para o simbólico. É normal vermos o Hulk, sendo alimentado, ou tomando banho, ou o Capitão América em atividades do cotidiano, as crianças durante a brincadeira recriam possibilidades lúdicas. Encontro em Brougère subsídios para compreender essa lógica de subversão, o mesmo diz que “ O brinquedo é utilizado e interpretado no interior da cultura de referência da criança e nunca como um objeto estrangeiro” (BROUGÈRE, 2006, p.74). Assim as brincadeiras tem os brinquedos como indicador do brincar, mas os mesmos não condicionam essa brincadeira.

Ainda é notório que os bonecos ocupam mais o campo masculino na comercialização, sendo fabricados em priori tendo como foco esse público. Os entendimentos sobre gênero nas sociedades podem ser percebidos e analisados pelos brinquedos e brincadeiras, uma vez que é uma construção cultural e a mesma se expressa em nossos objetos construídos, ou interações simbólicas.

O brinquedo é imagem, a qual os produtores de nossa sociedade contemporânea produzem pensando nos consumidores. Vemos a propaganda massiva nas mídias, a mais notória delas a televisiva, seja por meio de propagandas que se dirigem direto ao público alvo, as crianças, ou em filmes e outros. A sociedade evolui com as transformações tecnológicas, a nossa cultura modifica-se conforme as configurações sociais e a abordagem do brinquedo enquanto objeto a ser comercializado busca inserir-se no universo infantil, mediando relações afetivas.

Brinquedos e brincadeiras acompanham o humano desde os tempos remotos, e são impregnados da realidade cotidiana desses, correspondendo a época de sua criação, se modificando e sendo perpetuado como tradição. As bonecas atualmente são elaboradas em sua maioria em materiais plásticos, produzidas em larga escala e visam atender objetivos da semelhança do corpo humano, sendo incrementadas com objetos do cotidiano das pessoas, ou mais assemelham-se a bebês, produzem sons como o de bebês.

Mas bonecas não são novidade para a nossa sociedade. Ao questionar minha mãe sobre seus brinquedos e brincadeiras, entendo o valor simbólico com clareza, em sua infância o sabugo de milho era a boneca, nem por isso a forma do objeto a limitava na ludicidade. As narrativas que as crianças atribuem a esses brinquedos exploram a criatividade, criam-se

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universos fantasiosos. Então assim como uma criança em sua plena infância ao brincar com um boneco dos Vingadores não se limita a sua função, ou ao universo fantasioso retratado no cinema, uma criança que possui um sabugo de milho também o fará, explicitando a manipulação desse como desencadeadora do simbólico, o qual é (re)criado pelos sujeitos infantis. Sobre o brinquedo, Brougère diz que

O brinquedo parece afastado de uma representação do mundo real constantemente evocado por ele. É um universo espelhado que, longe de reproduzir, produz, por modificação, transformações imaginárias. A criança não se encontra diante de uma produção fiel do mundo real, mas sim de uma imagem cultural que lhe é particularmente destinada. Antes mesmo da manipulação lúdica, descobrimos objetos culturais e sociais portadores de significações. Portanto, manipular brinquedos remete, entre outras coisas, a manipular significações culturais originadas numa determinada sociedade (BROUGÈRE, 2006, p. 43).

A cultura existente nas sociedades pode ser estudada pelos brinquedos e brincadeiras, uma vez que os mesmos são significações simbólicas e demonstram o repertório cultural dessa civilização. Cabe aqui frisar que o repertório cultural o qual as crianças têm acesso nas brincadeiras e brinquedos não são vistos somente como impregnados, pois estabelece-se uma via de mão dupla pelo simbólico, a criança é ativa e ao mesmo tempo que se apropria da cultura, a modifica, tendo como base seu cotidiano, criatividade e desejos. É um processo de imersão e ressignificação cultural.

Brougère entende que a criança entra em contato com o discurso cultural referente à sociedade a qual pertence por meio do brinquedo, o mesmo possibilita também a construção de conceitos e valores, como posse, desejo, sentimento de perda, abandono, negociação, investimento afetivo, exploração e descoberta, inscrevendo o objeto no processo de socialização, muitas vezes propondo um papel social.

Códigos culturais são manipulados durante as brincadeiras, assim essas configuram-se em possibilidades de socialização, a criança situa-se por meio da ludicidade, fazendo o uso das imagens culturais mediadas pelos brinquedos e brincadeiras. A reinterpretação dos códigos culturais é uma das modificações a qual a criança faz ao manipular o brinquedo e adentrar na dimensão simbólica.

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2 INTERCULTURALIDADE COMO O CAMINHO ENTRE OS DOCUMENTOS LEGAIS E O CHÃO DA ESCOLA

No decorrer deste capítulo pretende-se produzir uma reflexão a partir dos documentos, considerando as singularidades dos sujeitos na instituição de ensino pesquisada, porém não para atribuir-lhes significados únicos e finais. Todas as possíveis “respostas” construídas são válidas em perspectiva da pesquisadora e autora deste, visto que são saberes produzidos e fortalecidos no campo pedagógico.

Assumir a realidade como campo de pesquisa, na perspectiva da construção docente, requer reflexão na ação no campo da educação. Assumir-se enquanto pesquisador(a) demanda valorizar nossos saberes profissionais, de modo a alicerçar-se nos saber científicos acadêmicos, vindo a produzir conhecimentos teóricos construídos pela práxis.

Refletir sobre o vivido, é pensar sobre a própria prática, assumindo o sujeitos, escola, e tempos pedagógicos como objetos vivos e dinâmicos de pesquisa, cabendo elaboração de estratégias para a compreensão. A pesquisa que torna esse docente reflexivo não está vinculada a solução de problemas, mas a compreensão dos processos que envolvem o campo da educação, ampliando nossa visão.

A pesquisa é um dos trabalhos docentes, sendo no processo de reflexão crítica sobre o observado, sentido e vivido, pelo qual construímos nossa identidade. Ter a oportunidade de construção docente pela pesquisa, abre caminhos para entender o campo da educação em suas subjetividades. Atentando-me para o constante diálogo necessário com os sujeitos, durante os dois anos de estágio na Educação Infantil, assumi posição de pesquisadora, buscando compreender as crianças em suas infâncias e o papel da cultura na constituição dessas.

A capacidade de questionar para o pesquisador (a) tornasse cotidiano, no momento que nos colocamos enquanto aprendentes, estimulando a busca por novas competências. O exercício de questionar resulta em formação continuada, na medida que para compreender a prática necessitamos buscar novos aprofundamentos teóricos. O professor é um agente de transformação da realidade, e as mudanças ocorrem pela constante reflexão dessa, tornando esse docente pesquisador capaz de produzir ou provocar mudanças na escola, nos sujeitos infantis, mas principalmente em perspectiva própria, construindo saberes docentes e abrindo caminhos para novos questionamentos.

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A problematização dos fazeres pedagógicos está ligado a produção de significados. Ao assumir a postura de pesquisadora, a produção de conhecimentos torna-se significativa. Ser professor é um desafio diário e pela pesquisa nos qualificamos para sermos e formarmos cidadãos críticos e emancipados, cabendo aos professores a busca de meios para superar os desafios inerentes à profissão, atendendo às plurais necessidades dos educandos, o que entendo ser possível ao refletir, questionar, e pesquisar para vislumbrar possíveis caminhos.

2.1 A BNCC e seus entendimentos sobre cultura, um panorama geral

A Base Nacional Comum Curricular pode ser definida como conjunto de conhecimentos que todos os alunos têm o direito de aprender desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. É uma referência comum a todos, sendo válida para a educação pública municipal e/ou estadual quanto a particular, uma vez que é obrigatória e proporciona uma coesão na área da educação. O documento traz dez competências de formação para os sujeitos ao longo da escolaridade na Educação Básica, de modo vinculado ao Plano Nacional de Educação.

A atual BNCC foi construída ao longo de um processo coletivo, envolvendo profissionais da educação de modo processual por durante quase quatro anos. Tornando esse, um documento que busca representar o Brasil em sua inteireza, as suas regiões e as culturas. Por meio da Base os docentes orientam o seu fazer pedagógico, encontrando auxílio e diálogo nos processos de ensino aprendizagem.

Em suas competências gerais a BNCC explicita a necessidade de valorizar as diversas manifestações culturais, dentre as quais as artísticas, intensificando o conceito de cultura quando o liga aos conceitos de vivências e saberes. Conceitos esses que são os responsáveis pela compreensão de mundo dos sujeitos, logo a cultura de cada pessoa é vista como única, e constituinte do sujeito, e assim deve ser respeitada.

O documento, em distintos momentos, cita os valores culturais e humanos, vinculando-os aos currículos diversos, que respeitam a parte comum e a diversificada de saberes, ao longo da Educação Básica. Os conhecimentos que são explicitados nos currículos diversificados atentam para as especificidades regionais, de modo contextualizado com a realidade de cada região, o que nos leva a ver as distintas culturas do Brasil e as identidades

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culturais do seu povo. Logo cada instituição de ensino é responsável pela construção do seu currículo.

Ao tratar do conceito de cultura pelo viés da diversidade, a BNCC não deixa de lado as desigualdades sociais, colocando o currículo no epicentro das discussões, por entendê-lo como caminho para a cidadania, e tendo o compromisso de assegurar as aprendizagens aos sujeitos. Verifica-se a importância das culturas tradicionais serem trabalhadas pedagogicamente pela e na interdisciplinaridade, de modo intercultural, de forma que as crianças possam valorizar, compreender e produzir culturas. As escolas têm a liberdade de construir os seus currículos, dentro do que regem as leis maiores, a nível nacional e estadual. Por meio deste se proporciona o acesso ao conhecimento científico, a repertórios culturais.

2.2 Expressões da cultura na Educação Infantil segundo a BNCC

A Educação Infantil é primeira etapa da Educação Básica, estando imbricada com os conceitos de cuidar e educar, tendo por eixo básico as interações e brincadeiras. As entidades responsáveis por receber e acolher as crianças no início do seu processo educacional, são as creches e pré-escolas, respeitando os seus direitos de aprendizagens e desenvolvimentos. Segundo a BNCC existem diferentes infâncias e diferentes culturas, sendo preciso

[...]​potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a prática do diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de Educação Infantil e a família são essenciais. Além disso, a instituição precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade cultural das famílias e da comunidade. (BNCC, 2017, p. 34)

A BNCC compreende que enquanto direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil, as crianças têm assegurado o conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Dou ênfase ao direito de brincar, o qual é conceituado do seguinte modo

Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. (BNCC, 2017, p. 36)

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O brincar entendido como manifestação da cultura, ligando-se assim aos outros direitos das crianças. A educação para as crianças pequenas, requer um docente que organize e proponha, observe e registre, refletindo e buscando meios dos pequenos conhecerem-se a si, ao mundo e ao outro em situações plurais,

A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvimento integral das crianças. Ao observar as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções. (BNCC, 2017, p. 35)

A Educação Infantil tem seu currículo organizado pelos campos de experiências que são contextualizados e valorizam as experiências concretas do cotidiano das crianças e seus saberes, os quais são: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações, sendo que o conceito de cultura permeia os cinco campos de experiência, articulando os saberes. A Educação Infantil atua nos aspectos físicos, sociais e intelectuais das crianças, de 0 à 5 anos e 11 meses.

O campo “eu, o outro e o nós”, aborda a importância das interações que as crianças estabelecem com seus pares, e assim vão descobrindo a pluralidade da vida, construindo o seu modo de agir e compreendendo que existem outros pontos de vista, modos de ser. A interação no social em sua diversidade, a experimentação de outras culturas é o que pretende esse campo de experiência, sempre levando a criança a construir concepções e respeito a si mesma e aos outros.

Já o campo de experiência, “Corpo, gestos e movimentos”, nos faz lembrar da inteireza das crianças em suas infâncias, pois esses aprendem o mundo com o corpo, pelas relações estabelecidas com os outros, com o espaço e com objetos. Ao brincar, produzem conhecimentos, expressam-se, crianças são corpo, emoção e linguagem, interagindo no social e cultural. “Traços, sons, cores e formas” explícita as vivências com as diferentes manifestações culturais e linguagens, envolvendo artes visuais, manipulações de diversos materiais, interação com o mundo digital, para que possam desenvolver senso estético e crítico, a sensibilidade e criatividade, com a ampliação do repertório por meio de experiências.

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“Escuta, fala, pensamento e imaginação” é o campo de experiência que nos norteia para compreender a inserção da criança em um mundo já existente, desde o seu nascimento, as crianças interagem ainda quando bebês, com o seu corpo, sorrindo, chorando e aos poucos compreendendo o mundo a sua volta, assimilando suas regras, apropriando-se da língua materna, mostrando-se curiosa com a cultura, para tanto é por meio das experiências que os pequenos aprendem o mundo humano e natural.

O campo de experiência “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” considera o tempo histórico e os espaços que os sujeitos estão inseridos, assim como os fenômenos sociais e culturais com os quais interagem. A criança passa a compreender o lugar ao qual pertence, seu bairro, cidade, a passagem dos dias, fenômenos naturais. As interações socioculturais nesse campo são pontuadas, desde o convívio familiar, costumes, trabalho e modos de ser desse grupo a que o sujeito pertence de um amplo, assim avançando progressivamente as escalas de aprendizados para outros âmbitos da sociedade. A BNCC reconhece a necessidade de trabalhar os campos de experiência, conforme as faixas etária, para tanto

Reconhecendo as especificidades dos diferentes grupos etários que constituem a etapa da Educação Infantil, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento estão sequencialmente organizados em três grupos por faixa etária, que corresponde, aproximadamente, às possibilidades de aprendizagem e as características do desenvolvimento das crianças ​[...]​. (BNCC, 2017, p.42)

A Base Nacional Comum Curricular, no decorrer da etapa da Educação Infantil, orienta para uma educação cultural, alicerçando seus campos de experiências na plena constituição dos sujeitos, por meio da cultura que ao mesmo tempo os constitui, é construída e modificada por esses. Esse documento ampara os profissionais da educação, e contribui para um fazer pedagógico que considere as vivências das infâncias, compreendendo que as crianças aprendem em partes, que interagem e agem no mundo físico, social e cultural buscando a sua completude.

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2.3 Compreensões possíveis do Referencial Curricular Gaúcho, sobre a Educação Infantil e a cultura

O documento visa garantir a educação como bem público e de direito social, abordando a importância das discussões dos currículos. O mesmo foi elaborado no coletivo de modo democrático e considera marcos legais, dentre os quais a BNCC, em seu conteúdo, estando imbricado com as dez competências que a Base Nacional nos apresenta, e pretende a unificação dos sistemas de ensino, nas redes Municipal, Estadual e privadas, atuando de forma a complementar a BNCC.

O documento está organizado em seis cadernos, divididos por áreas do conhecimento, que são balizadores para a construção de currículos no Estado do Rio Grande do Sul, por respeitar as identidades dos gaúchos. Contudo vou me deter ao que o documento traz em relação a Educação Infantil. Aborda-se o currículo e a cultura ao focar nas diversas culturas que emergem nas salas de aula, destacando que as pluralidades ao mesmo tempo que geram conflitos e confrontos, possibilitam o enriquecimento pedagógico, uma renovação de possibilidades. Para tanto ao olhar a Educação Infantil em suas particularidades, destaca-se a necessidade da formação integral dos sujeitos, por meio do protagonismo das infâncias, tendo o fazer pedagógico centrado nas experiências, interações e brincadeiras das crianças

O currículo da Educação Infantil deve ser organizado a partir da indissociabilidade entre o cuidar e o educar, compreendendo o cuidado para além dos aspectos físicos, integrando-se às ações educativas, as quais devem garantir os direitos e interesses de aprendizagens das crianças. Portanto, cuidar e educar estão intimamente relacionados, não há como cuidar sem educar, nem educar sem cuidar no cotidiano vivido na escola da infância. Podemos compreender estes conceitos à partir de uma idéia que contentemple um cuidado educativo ou uma educação cuidadosa. (RCG, 2018, p. 57)

Assim emerge a necessidade de escuta das infâncias, seus anseios, necessidades, com um currículo que compreenda os sujeitos como sociais e culturais, colocando as infâncias no centro dos planejamentos dos professores. O Referencial Curricular Gaúcho entende como essencial o docente sensível, articulado e atuante como mediador das aprendizagens, construindo um percurso intencional, pautado em tempos, espaço e materiais que possibilitem experiências

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As crianças são sujeitos históricos, de direitos e desejos, que vivem e se desenvolvem nos contextos sociais e culturais em que estão inseridas. Nessas condições, fazem amizades, brincam, desejam, aprendem, observam, experimentam, questionam, constroem sentidos sobre o mundo e sobre suas identidades pessoais e coletivas, produzindo cultura. (RCG, 2018, p. 60)

São consideradas as diversas linguagens no processo de construção do conhecimento, que os sujeitos ativos e criativos em uma infância que se fará presente até o fim da vida dos sujeitos. Destacando a construção humana em perspectiva própria, devido a cultura de cada sujeito ser única. O Referencial Curricular Gaúcho, assim como a BNCC (2017) e as DCNEI (2010) explicitam as interações e brincadeiras como centro das ações pedagógicas, estando incluídas nos planejamentos e currículos da e para a infância.

Compreende-se que o documento aponta a necessidade da valorização cultural do nosso Estado, assim como à cultura única de cada criança, reconhecendo a especificidade da Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, trazendo a necessidade de um currículo brincante, com a criança em sua centralidade. A ludicidade é vivida e percebida no cotidiano, e geradora de aprendizagens significativas.

2.4 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

A Educação Infantil é um direito social das crianças, assegurado pela Constituição de 1988, a qual também incumbe o Estado como o responsável por essa, as DCNEI visam assegurar uma organização das propostas pedagógicas nessa etapa da educação. A nossa lei garante à crianças de 0 à 5 anos o cuidar e o educar em espaços apropriados com profissionais específicos, ou seja, uma educação de qualidade, pública e gratuita.

O documento reconhece os sujeitos infantis enquanto históricos, e portadores de direitos, construtores de si mesmo, pelo brincar

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (DCNEI, 2010, p. 12)

As Diretrizes para a Educação Infantil dialogam com a BNCC e outros documentos, logo traz propriedades intrínsecas dessa etapa, destacando os princípios éticos, o qual diz

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respeito às singularidades e diferentes culturas, do bem comum e identidades. Princípios políticos, no que tange os direitos à cidadania, e à democracia e os princípios estéticos, que são a ludicidade, criatividade, as variadas manifestações artísticas e culturais.

Encontra-se nas DCNEI, bem delimitadas a importância da organização de espaços, tempos e materiais, da proposta pedagógica que cada instituição de ensino deve elaborar, reconhecendo a necessidade de um olhar apurado para as singularidades dos sujeitos, valorizando e respeitando suas vivências e contextos familiares, ou seja, a sua cultura familiar, seu repertório cultural, tendo assegurado o direito e reconhecimento de saberes culturais específicos, como por exemplo de crianças do campo, indígenas e quilombolas. Do mesmo modo que visa-se oportunizar vivências, que se tornem experiências, para que os sujeitos possam compreender outros modos de ser, e organizações sociais, percebendo e interagindo entre as culturas.

Como nos demais documentos norteadores dessa etapa da Educação Básica, as brincadeiras e interação aparecem enquanto eixo do fazer educativo, sendo necessário docentes qualificados para efetivar a mediação com as crianças. O processo de avaliação é citado enquanto processual, o que requer acompanhamento e planejamento pedagógico focado nas múltiplas infâncias, não objetivando seleção ou classificação mas sim a promoção do conhecimento.

Verificasse um consenso teórico nos documentos analisados, os conceitos de crianças, infâncias, Educação Infantil e culturas são discutidos, permitindo validar as significações que as crianças têm sobre si mesmos. Uma educação de qualidade pretende o desenvolvimento integral dos sujeitos, abrangendo aspectos físicos, psicológicos, social e intelectual.

Levando em conta o que explicitam os marcos legais, as escolas podem e tem suporte nesses, para elaborar um currículo cultural para e na Educação Infantil, principalmente com respeito à vida e cultura de cada sujeito. A identidade de cada criança é considerada única e plural, logo venho às compreender como seres únicos, e potentes.

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3 ESTUDO ETNOGRÁFICO DO UNIVERSO CULTURAL DE UMA TURMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Rubens Alves

As infâncias em sua liberdade criam, gozam da ludicidade e imaginação, o seu “barulhar” parece canto aos meus ouvidos, representa a essência da autonomia, escolas que são asas têm brincar, encantamento e gente feliz. A brincadeira é um dos meios pelo qual os sujeitos infantis inserem-se em contextos sociais e culturais, construindo sentido pelo simbólico, sendo construtores de sua identidade e cultura. Na condição de docente pesquisadora, a sensibilidade está no olhar para a própria prática e no reconhecimento do protagonismo das crianças, para posterior produção acadêmica de modo a produzir significados e caminhos na compreensão do tema abordado.

O observar requer escuta, uma escuta que em muitos casos não se prende à palavra, mas sim aos sujeitos em sua inteireza. E eles são corpo, comunicam o que sentem, o que pensam, mesmo sem precisar da oralidade: gestos, sorrisos, e a movimentação no ambiente em que se encontram aos seus pares nos levam a compreensão mais fiel das crianças com as quais interagimos.

As reflexões deste capítulo são pautadas em minhas vivências durante um período de 2 anos de estágio não obrigatório, em uma escola de Educação Infantil do município de Ijuí de carácter privado. A escola atende a 120 crianças de 3 anos a 5 anos e 11 meses, divididas em

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6 turmas em período integral, contudo as narrativas, análises e compreensões possíveis foram construídas na interação com uma turma de 20 crianças na qual fui professora estagiária.

Toda teoria é significada na prática, contudo toda prática necessita de amparo teórico, para entender o que me propus a estudar, referenciais teóricos da Antropologia se fizeram necessários, esses são o alicerce de minhas reflexões. Pois essa é uma ciência que tem como objeto de estudo o homem, a humanidade, permitindo-me esse olhar pelo conceito antropológico de cultura, em um recorte da realidade que atuei enquanto pesquisadora.

Destaco que foi após a leitura dos documentos legais discutidos até agora, como a BNCC e as DCNEI que orientam e trazem concepções claras sobre cultura, infâncias, crianças, brincadeiras e interações, que consegui compreender o experienciado, e teorizar sobre. Os documentos estão em consonância com o que acredito, na medida em que orientam os docentes por meio de suas práticas a articular as experiências e saberes dos sujeitos infantis, ou seja, suas culturas com os campo de experiências. Fica claro o entendimento de nossas crianças enquanto sujeitos constituídos pela cultura, como também são reconhecidas como criadores de cultura, a leitura dos documentos explicitou que as escolas, podem e devem construir currículos culturais, os quais respeitam as infâncias como protagonistas.

3.1 Conhecendo o cotidiano da instituição pesquisada, seus tempos, espaços, materiais

A instituição pesquisada, atende a 120 crianças entre 03 anos e 05 anos e 11 meses, tendo seis salas de aula, e a estrutura organizada em dois pisos, com espaço de brinquedoteca, refeitório, sala das professoras, sala da direção, banheiros adaptados, elevador. Na parte externa tem espaço do estacionamento que atualmente é usado para o brincar, pracinha, área com grama e areia, campo com quadra sintética e espaço coberto multiuso, que serve como um ateliê de cotidianos.

A escola como um todo tem seus espaços pensados nas crianças, assim como buscou adaptar a sua estrutura física para as especificidades dos sujeitos, falo isso pois o prédio em que funciona hoje, não foi planejado para ser uma escola para a Educação Infantil em seu princípio. Porém, os espaços foram reestruturados e consolidados para atender as necessidades das crianças da Educação Infantil, começo abordando e descrevendo os

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espaços físicos, para destacar o pedagógico que encontramos nesses, e não simplesmente um amontoado de tijolos e cimento.

Desde a fachada percebe-se que este espaço tem uma cultura própria. Isso se explicita ao mostrar para todos as criações dos alunos, que podem ser vistas por pessoas que passam nas proximidades. Saliento que a pracinha possui um piso diferenciado, que atende as normas da ABNT, sendo uma espécie de emborrachado, para amortecer possíveis quedas, assim como os brinquedos da mesma respeitam quesitos como altura adequada para as crianças, e materiais apropriados, sendo a maior parte de madeira e plástico.

A instituição possui uma quadra de grama sintética ampla, e um espaço que contêm gramado e uma grande caixa de areia, esses espaços variados possibilitam o se movimentar e se expressar das crianças, sendo que como na pracinha, a cada dia as crianças vão em horários diferentes e com uma outra turma junto, em cada espaço ficam em torno de 40 crianças com duas professoras e duas estagiárias.

O refeitório é um ambiente que explicita a intencionalidade do fazer pedagógico da instituição, pois no mesmo as crianças exercem autonomia. As crianças são liberadas pelas professoras de 4 em 4 de cada turma, para realizar a refeição, ocorrendo várias interações entre os mesmos, despertando sentido de respeito e cuidado com o próximo, principalmente dos maiores para com os menores, assim como os mesmos ao servirem-se descobrem seus gostos, quantidades de comida, autonomia, responsabilidades, higiene e outros.

A escola deve passar o sentido de pertencimento aos sujeitos imbricados ao processo educativo, e os espaços analisados conseguem fazer isso, na medida que respeita as especificidades das crianças, considerando a adequação do ambiente a elas, bem como vemos seus conhecimentos expressos em formas de criações artísticas expostas pelas paredes, as quais revelam os múltiplos jeitos de significar o mundo. Nas sala existem vários cantos temáticos, onde o lúdico está em foco, como por exemplo o canto da construção que conta com brinquedos não estruturados, como pedras, madeiras, tijolos, caixas e outros. Todo espaço é pensado e planejado, atendendo às finalidades específicas do ensinar e aprender nesta etapa da educação.

É importante que as crianças se apropriem dos espaços de maneira afetiva, e isso fica visível nos corredores da escola, onde os mesmos têm suas criações expostas, de forma que possam se reconhecer enquanto sujeitos pertencentes ao ambiente escolar em sua totalidade. A escola é um espaço de encontros, e os alunos são atores das cenas que movimentam e nos

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corredores os saberes se encontram, as culturas se expressam, e os sujeitos inseridos em um contexto sociocultural, demandem ações e reações que articulam mutuamente as experiências do cotidiano vivido na escola.

Em seu regimento escolar a instituição destaca que desenvolve para a Educação Infantil uma proposta pedagógica que preconiza a formação da criança como cidadão crítico e a participação ativa e autônoma dos sujeitos envolvidos por meio da cooperação e do respeito à diversidade, sempre buscando profissionais com boa formação, e que qualifiquem-se pela formação continuada. Tendo sempre como prioridade conciliar a teoria com a prática, ou seja, as práticas pedagógicas se desenvolvem com base numa metodologia participativa integrando instrutores pedagógicos, crianças, pais e comunidade educativa.

Em seus documentos o cotidiano escolar ganha destaque, pois esse para a instituição deve ser marcado por trabalhos em grupos, pesquisas e investigações que fomentam a curiosidade e consolidam descobertas e aprendizagens significativas, e felizmente foi isso que pude constatar na prática, pois as crianças são ouvidas, e os projetos de estudos surgem de seus questionamentos, de suas dúvidas, enfim do seu interesse. As ações pedagógicas desenvolvidas com as crianças, são pautadas no respeito, e compreendem as singularidades e as características infantis. O brincar cria um caminho pelo qual a criança compreende o mundo em que vive. Teixeira (2012, p. 66), afirma que

A intervenção do educador durante as brincadeiras realizadas pelas crianças nas instituições escolares é de suma importância, mesmo que seja no brincar espontâneo. O professor deve oferecer materiais, espaço e tempos adequados para que a brincadeira ocorra em sua essência.

Sabemos que, ao brincar, a criança está expressando sentimentos, emoções, pensamentos desejos e necessidades. O brincar é indispensável na construção das crianças enquanto sujeitos, pois através dele a criança faz descobertas, elabora entendimentos e significa o mundo ao qual pertence.

O corpo dos sujeitos se expressam, se movimentam e podem ser trabalhados de várias

maneiras, através do viés da arte, seja abordado a partir de criações artísticas de artistas conceituados que retratam a sua visão do corpo humano, ou das criações artísticas do circo, que exploram movimentos, expressões, a ludicidade, dentre outros. O desenho é uma das formas utilizadas pela escola, para que os sujeitos se expressem e desenvolvam seus conhecimentos, produzindo signos e os significando.

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