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Linguagem 20 A empresa é uma organização que produz linguagem Quadro 1: Traços selecionados para avaliar a empresarização

6 O DESFECHO, AS LIMITAÇÕES E AS SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

6.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Eco (1996), tão importante quanto o próprio desenvolvimento do trabalho, a escolha do tema, muitas vezes, por tamanha inquietação causada, é responsável por delinear e estabelecer a qualidade de uma pesquisa. Ou seja, considerando o prazo de duração deste curso, a escolha do tema torna-se crucial, pois não é raro encontrar pesquisadores que, depois de determinarem um tema, começam a perder o interesse por seu objeto de estudo e, conseqüentemente, comprometem o desenvolvimento e a qualidade da pesquisa. Por isso, este pesquisador procurou, entre as nuances da teoria organizacional, perspectivas epistemológicas que, além de despertar uma inquietação capaz de manter o interesse pelo tema durante muito tempo, estivessem intimamente relacionadas a questionamentos pessoais do mesmo. Dessa forma, depois de perpassar por diversas linhas de pesquisa, encontrou-se na teoria de Andreu Solé tal perspectiva, ou seja, a partir de seu estudo a respeito do processo de empresarização do mundo, no qual esse autor discorre acerca da crescente influência das organizações empresariais sobre todos os segmentos sociais, e entendendo a elevação/sobreposição do aspecto financeiro sobre os demais aspectos sociais, decidiu-se investigar quais as relações entre o processo de empresarização e a estrutura organizacional em clubes de futebol dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Buscando estabelecer um estudo comparativo com clubes desses dois estados, escolheu-se como organizações a serem pesquisadas o Sport Club Internacional e o Figueirense.

Assim, com vistas a discutir essa questão, abordou-se, a partir da seleção de alguns traços de empresarização derivados da teoria sobre o mundo empresa proposta por Solé, a

intensidade com que o comportamento empresarial está presente nessas organizações. Dos vinte e dois traços, formadores do tipo ideal de empresa abordados, escolheu-se onze, considerados mais apropriados para identificar a presença de um comportamento empresarial nessas organizações, sendo os mesmos agrupados em três categorias analíticas, a saber: preocupação com o mercado, aspectos legais e linguagem.

No âmbito geral, ao serem influenciadas pelo modelo empresarial, essas duas organizações sofreram profundas modificações, principalmente, naquelas questões relacionadas à idéia de que o futebol deve ser tratado como um produto. Ao adotarem essa perspectiva, os clubes de futebol reconstruíram uma nova concepção (realidade) para esse esporte. Dentre aquelas consideradas mais relevantes, além da supremacia do aspecto financeiro frente aos demais, salienta-se, a partir da concepção de que os torcedores devem ser ou são entendidos como clientes, a alteração da relação clube-torcedor, uma vez que a lealdade desses a um clube passou a ser avaliada pela intensidade de consumo dos produtos e serviços ofertados por essas organizações.

Analisando separadamente cada organização, ficou evidenciado que o Sport Club Internacional, além de possuir há mais tempo um comportamento empresarial, é, dentro das categorias selecionadas, consideravelmente mais empresarizado que o Figueirense Futebol Clube. Detalhando cada um dos elementos formadores dessa categoria, entende-se que em apenas uma, na linguagem, o Figueirense apresentou uma maior empresarização, não tanto pelo uso dos termos, mas, principalmente, pela maneira como esses estavam inseridos nas falas dos entrevistados. Nos outros elementos, orientação para o mercado e aspectos legais, identificou-se, com maior intensidade, no Internacional, a presença de fortes manifestações desse processo.

Logo após, operacionalizada através da decomposição em seus constituintes (complexidade, coordenação e centralização), analisou-se a estrutura organizacional desses dois clubes. Além disso, conforme salientado na seção 4.3, buscando enriquecer esta discussão, os traços 12,13,14 e 18, propostos por Solé, foram incorporados, sob a forma de indicadores estruturais (definição salarial, voluntariado e rotatividade dos funcionários) à discussão sobre a complexidade estrutural. A análise realizada permitiu compreender que mesmo estando em diferentes estágios de estruturação, esses clubes procuram, constantemente, readaptar suas estruturas aos objetivos organizacionais estabelecidos. Ademais, decorrente das novas concepções desse esporte (futebol como um produto), conforme salientado anteriormente, as principais modificações estruturais dessas organizações

estão relacionadas ao processo de coordenação de suas atividades. Além disso, enquanto a configuração estrutural do Figueirense pode ser resumida em, basicamente, dois momentos, (antes e depois de 1998); no Internacional, seu desenvolvimento estrutural aconteceu de maneira bastante gradual e, por isso, os entrevistados consideraram inexistentes grandes modificações antes da entrada ou adesão desse clube ao Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade.

As considerações realizadas permitem identificar que, como ocorreu na categoria anterior, o Internacional foi aquela organização que se mostrou, estruturalmente, mais burocratizada ou mecanizada. Entretanto, evidenciou-se uma tendência, após a adesão desse clube ao PGQP, à desburocratização (flexibilização) das atividades. Essa nova proposta, que inicia com ações que primam pelo enxugamento estrutural, coexiste com a realização de outras atividades que podem indicar um aumento da rigidez estrutural, tais como: descrição de cargos e estabelecimento de procedimentos padrões. Essa condição pode corroborar uma das discussões realizadas nesta pesquisa, a respeito do atual discurso empresarial que valoriza flexibilidade, pois, como se percebe, mesmo antes de concretizar etapas importantes do processo de burocratização, evidenciou-se uma preocupação em flexibilizar a estrutura dessa organização. No Figueirense, essa condição ainda não se fez presente, talvez, devido ao processo de empresarização ser relativamente novo. Ou seja, como antes de 1998, não se pensava em explorar o futebol do modo como acontece hoje, é possível compreender que essa organização ainda encontra-se num processo de expansão estrutural, porém os relatos anteriores permitem auferir sua tendência à burocratização.

Por fim, procurou-se identificar as relações entre o processo de empresarização e a configuração estrutural dessas organizações. Assim, as considerações realizadas permitem deduzir que, ao assumir uma postura prioritariamente empresarial, eleva-se a condição financeira; como fim último para o “sucesso” desses clubes, a estruturação de suas atividades passa a ser orientada com vistas a, especialmente, alcançar ou captar uma quantidade cada vez maior de recursos financeiros. Desse modo, entende-se que existe uma íntima relação entre o processo de empresarização e estrutura dessas organizações, principalmente, no que diz respeito aos mecanismos de coordenação (profissionalização), visto que o profissionalismo nessas organizações é utilizado como uma forma de inspirar confiança, principalmente, perante seus prováveis parceiros comerciais. No Figueirense, essa relação foi mais evidente, uma vez que a adoção de uma lógica empresarial influenciou praticamente todo o seu

processo de estruturação; por outro lado, no Internacional, essa relação foi menos evidente, talvez devido ao tempo em que esse clube desenvolve ações empresariais.

Como impressões finais deste trabalho, considerando que o alcance de um objetivo está entrelaçado a capacidade financeira das organizações pesquisadas, se vislumbra a intensificação desse processo, pois essas organizações buscarão novas oportunidades negociais, visto que, segundo Heller e Fehér (1998 apud SOUZA, 2005), o sistema capitalista se esforça para manter os indivíduos reféns dos produtos e serviços que suas instituições criam e recriam incessantemente como forma de não parar o processo de crescimento. Desse modo, entendendo a relação existente entre o processo de empresarização e a configuração estrutural desses clubes, ao criar ou recriar novas formas de exploração comercial do futebol, fica subentendido que, por não ser uma condição fixa na organização, novas configurações estruturais são criadas e recriadas, com o objetivo de fornecer apoio para o desenvolvimento das atividades organizacionais.

Contudo, por não ser um fenômeno exclusivo dessas organizações, mas que avança em direção a diversos segmentos sociais, depois de passar por um processo de empresarização, não se acredita numa volta, numa recuperação dos valores tradicionalmente formadores desse esporte, nem mesmo no estabelecimento de um limite para a sua comercialização. Assim, como disse um grande amigo: “o otimista é o pessimista mal

informado”, ou seja, é triste, depois de desenvolver esta pesquisa e de passar por este curso, acreditar que cada vez mais a sociedade caminha para a supremacia ou a “vitória” de valores que elevam o dinheiro como condição fundamental para determinar muitos, para não dizer todos, os aspectos sociais. Cita-se, como exemplo desta condição, dentre outras modificações apresentadas neste estudo, as seguintes constatações: 1) a geração de expectativas para crianças e jovens (sem habilidades compatíveis com o esporte de alta performance) que entram nos clubes para serem mercadorias com ou sem “qualidade”; e 2) o uso da paixão dos torcedores, principalmente, aqueles de baixa renda, que são levados/induzidos a consumir para serem considerados torcedores fieis. Pois o estado “normal” do capitalismo é o da revolução permanente de suas próprias condições de existência: desde o início, ele “apodrece”, é marcado por uma contradição mutilante, pela discórdia, por uma falta de equilíbrio imanente: é exatamente por isso que ele se modifica e se desenvolve sem parar - o desenvolvimento incessante é sua única maneira de resolver reiteradamente, de entrar em acordo com seu desequilíbrio fundamental e constitutivo, a “contradição”. Longe de ser restritivo, portanto, seu limite é o próprio impulso de seu desenvolvimento. Nisso reside o

paradoxo característico do capitalismo, seu último recurso: o capitalismo é capaz de transformar seu limite, sua própria impotência, na fonte de seu poder. Quanto mais ele “apodrece”, quanto mais se agrava sua contradição imanente, mais ele tem que se revolucionar para viver (ZIZEK, 1996 apud SOUZA, 2005).