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DESPACHADO(A) PARA FORA DA PROV DA PARAÍBA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ano de 1850 sem dúvidas foi um divisor de águas no Brasil Imperial. A partir do fim do tráfico Atlântico ocorreram mudanças significativas na economia, cultura e na sociedade Oitocentista. O tráfico Interno de pessoas escravizadas, que já ocorria antes do fim do tráfico Atlântico, se intensificou por ser a alternativa de mão de obra cativa, uma vez que a força de braços africanos esgotou, e também, pela ascensão do café no sul do, que se tornou o produto mais importante para exportação do Império brasileiro (MOTTA, 2012). Nessa conjuntura, as provinciais do norte se tornaram a principal fonte de mão de obra cativa para outras regiões do país, principalmente, para o Rio de Janeiro e São Paulo.

Diante desses acontecimentos, o presente trabalho buscou apresentar experiências e vivências de mulheres escravizadas da província da Paraíba. A princípio, buscou-se demonstrar que apesar da repetida queixa sobre a “falta de braços”, realizada pelos presidentes de província paraibanos, tal afirmação só tem sentindo se compararmos o número de escravizados(as) com o das províncias como de Pernambuco ou da Bahia, uma vez que, a província da Paraíba possuía em 1874, a porcentagem de pessoas escravizadas, superior à província do Ceará, Rio Grande do Norte e Amazonas (CONRAD, 1978, p. 345). Destacou-se ainda que homens e mulheres negros, independentemente de sua condição jurídica (livre, liberto ou escravizado), fizeram-se presentes e foram essenciais para o desenvolvimento da economia, da cultura, e da sociedade paraibana como um todo.

A população negra fez parte e conquistou muitos espaços dentro da província da Paraíba do Norte. Nesse sentindo, foi opção deste estudo iniciar esta pesquisa retratando aspectos socioculturais, apresentando os espaços negros, a participação das negras nos batuques, e irmandades religiosas. Nesses espaços, homens e mulheres negras encontraram formas de luta e resistência, procurando se integrar em uma sociedade que os excluía de todas as atividades coletivas. Além disso, foi importante ressaltar que as mulheres das irmandades negras, escravizadas ou livres, tinham maior participação do que nas confrarias de brancos, uma vez que nas irmandades de brancos a participação feminina era impedida.

Abordou-se também a temática do trabalho, entendendo que a depender da região, estes poderiam ser mais ou menos intensos em determinada atividade, como as quitandeiras, que estavam mais presentes no meio urbano. Já os serviços domésticos eram ocupados por cativas em todas as regiões em que houvesse pessoas escravizadas.

A mulher cativa, oprimida por ser mulher, negra e escravizada, teve que construir espaços para se inserir na sociedade, encontrando brechas para manter suas práticas sociais e culturais, mas também para sobreviver, pois, estiveram expostas a vários tipos violência física, simbólicas e psicológicas, reescravização. As mulheres escravizadas também corriam o risco de serem vendidas para outras cidades ou províncias, rompendo seus laços familiares, de sociabilidades e de solidariedades.

Para se observar a dinâmica do comércio interno, optamos por separar os dados referentes ao tráfico intraprovincial (dentro da província), e o tráfico interprovincial (para outras províncias). Tanto os impostos de meia sisa, quanto as taxas de cativos(as) despachados(as) para outra província variaram ao longo do século XIX, a depender da conjuntura, e das novas leis que eram sancionadas, mas também pela conjuntura de determinada época.

No comércio do âmbito provincial da Paraíba, percebemos equivalência entre escravizados e escravizadas comercializados, o que demonstra o papel econômico das mulheres cativas dentro da sociedade. No entanto, quando foi analisado o comércio para outras províncias, há uma superioridade masculina nas vendas. Isso porque, provavelmente, ao comercializar cativos para outras províncias, os homens eram os mais procurados para serviços de lavoura, como por exemplo, para fazendas de café. Foi preciso salientar que, apesar de serem vendidas em menor proporção no tráfico interprovincial, as mulheres ainda assim foram vendidas, principalmente, para a província do Rio de janeiro. Em relação à idade, foi observado que tanto no tráfico intraprovincial, quanto no interprovincial, a faixa etária procurada correspondia dos 15 aos 39 anos, ou seja, numa idade de maior produtividade e capaz de reproduzir, confirmando assim, o que apontam outros estudos, que afirmam que a maioria das pessoas escravizadas traficadas eram vendidas com esta idade.

Na tentativa de realizar um perfil das cativas vendidas no tráfico inter e intraprovincial, foram identificados que em ambos os comércios a faixa etária preferencial também correspondia dos 15 aos 39 anos. Em relação a cor, “parda” e “crioula” respectivamente. Constatou-se também, a presença de mulheres comerciantes no tráfico intraprovincial, e que elas, seja comprando ou vendendo, preferiam comercializar pessoas escravizadas do sexo feminino.

Foi importante perceber que a população escravizada tinha sua própria leitura acerca do tráfico interno e que, quando possível, tomou suas decisões acerca das negociações que eram pré-estabelecidas com seu senhor(a), que podiam ocasionar

diversas formas de se opor a condição imposta a elas, como insubordinações e fugas, afinal, o fato é que as escravizadas sabiam perfeitamente para onde não queriam ir.

Desta maneira, demonstrou-se como mulheres cativas resistiram à escravidão, por meio da fuga, na província da Paraíba, entre os anos de 1860 e 1888. Apesar de não terem sido encontrados relatos de fuga motivadas pela negação de transferência por meio da venda, entendemos que esse pode ter sido um motivo real, embora não aparecesse explícito na fonte, devido à própria conjuntura de intensificação do tráfico interno. Assim, foi considerado relevante elaborar uma narrativa histórica das ações de resistências das cativas que recorreram à fuga para obter liberdade.

Para isto, primeiramente, foi necessário perceber que no Brasil oitocentista, a população escravizada poderia buscar distintas maneiras para alcançar a liberdade. Conforme visto, tais caminhos para a liberdade poderiam ser percorridos por intermédio de ações ilegais (assassinato, violência, fugas), ou de maneiras legais (alforrias e ações de liberdade). As alforrias eram obtidas de três maneiras: por meio de cartas, testamentos ou em pia batismal, e podiam ser gratuitas, sob condição ou com ônus. Neste último caso, a escravizada e/ou escravizado deveria pagar determinada quantia em dinheiro de uma vez ou parcelado, ou ainda comprando outro escravizado para seu(sua) senhor(a). No entanto, quando essas negociações falhavam, ou nem mesmo chegavam perto de ocorrer devido à severidade do(a) senhor(a), e do próprios sistema escravista, ocorriam os conflitos. Assim, a fuga tornou-se um significativo ato de resistência por parte das pessoas escravizadas que fugiram por distintos motivos, como violência física e psicológica, separação de familiares e amigos, pelo desejo de ser livre, e/ou pelo perigo eminente de serem vendidos para outras regiões, na qual, provavelmente teriam uma vida mais dura, uma vez que, estariam distantes de seus familiares e de suas redes de sociabilidades, que podem ter criados por longos anos de convivência e conveniência.

Analisou-se, então, os anúncios de fuga, que além de constarem características físicas e comportamentais dos(as) cativos(as) fugitivos, apresentam outros aspectos que pode-se perceber nas entrelinhas dos registros, como por exemplo, que algumas atitudes dos fugitivos podem sinalizar alguma de suas estratégias para sobrevivência. Tais estratégias puderam contribuir para que a fuga fosse realizada com sucesso, e para que a fugitiva ou fugitivo, ou ambos, permanecessem em liberdade, mesmo que na “ilegalidade” e de forma precária. Fugir para a cidade de onde era natural, ir em busca de seus antigos donos, pois julgavam que esses eram melhores senhores do que os atuais, fugir com o companheiro ou amigo, levar consigo os instrumentos de trabalho, são

algumas das estratégias adotadas pelos cativos e cativas ao realizar a fuga. Especificamente sobre as mulheres cativas que fugiram na província da Paraíba, percebemos que muitas escravizadas parecem ter seguido para “d’onde era natural”, além de disso, encontramos também fugitivas que optavam por outras estratégias de sobrevivência. Para isto, apresentamos, por exemplo, o caso de Josepha, que ao fugir com todas as roupas, demonstrou que tomou o cuidado de confundir as autoridades que estivessem à sua procura. Cativas como Agostinha, Josepha, Vivência, e tantas outras, que fugiram, se não almejando a liberdade, pelo menos com a premissa de que se passariam por livres ou libertas, e teriam uma vida melhor. Haviam também as escravizadas que fugiam para não serem vendidas, mas também as que queriam ser vendidas, como Rozalinda e Fortunata,

Ao longo desse trabalho teve-se o intuito de demonstrar que as escravizadas, mesmo que em muitos casos, provavelmente, tivessem deixado de fugir pelos seus(suas) filhos(as), tiveram papel fundamental no declínio da escravidão da Paraíba, uma vez que, resistiam, criavam e recriavam estratégias de resistência para aumentar e/ou assegurar, minimamente, sua autonomia no momento de escolher como queriam viver. Entendeu-se que existem lacunas a serem preenchidas por novos estudos acerca das mulheres escravizadas na Paraíba oitocentista. Os processos criminais são registros que podem possibilitar que o(a) historiador(a) revele as tensões entre negociações e conflitos referentes às transferências de pessoas escravizadas, dando “voz” ao sujeito social, no entanto, ainda nada sabemos acerca do seu paradeiro. Acreditou-se que talvez essa documentação esteja nos acervos da Paraíba e de Pernambuco. No estudo de Maciel Silva (2016, p. 61), referente às domesticas de Recife e Salvador, na virada do século XIX para o XX, o autor indica a presença de uma escravizada da província da Paraíba em processos criminais localizados no Memorial de Justiça e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.

Deste modo, acreditou-se que com a localização dessa documentação, que ainda pode estar “intacta” e à espera de um(a) historiador(a) que possa, enfim, encontrá-las, será possível demonstrar embates mais diretos do cotidiano de mulheres escravizadas na província da Paraíba, resultando assim, em várias experiências de resistência, como, fugas, assassinatos, suicídio, ações de liberdade, contribuindo efetivamente no declínio da escravidão na província.

REFERÊNCIAS

FONTES