A investigação realizada pela presente pesquisa pôde levantar significativo conteúdo das representações psíquicas de seus participantes manifestado em seu discurso e evidenciou importantes aspectos da QVT na vida organizacional. Assim, responde ao problema da presente pesquisa: “Como se desenvolve a psicodinâmica de trabalhadores que desempenham atividades em um contexto organizacional onde há ações que promovam a Qualidade de Vida no Trabalho?”
Ao contrapor o modelo de Walton (1973) para a QVT com os resultados desta investigação percebeu-se que seus participantes deram maior ênfase a algumas das categorias propostas pelo autor; como considerado no capítulo anterior. Observa-se a necessidade de explorar as dimensões da categoria “trabalho e espaço total de vida” (WALTON, 1973) devido às manifestações sobre a questão do tempo que surgiram nas entrevistas, cujos conteúdos lhe atribuíram a condição de tema que, portanto, merece ser desenvolvido com a devida abrangência teórica e metodológica. Já a problemática que envolve a categoria “remuneração justa e adequada”, a partir dos resultados obtidos na presente investigação, permite considerar que sua origem encontra-se principalmente em aspectos econômicos e políticos, devendo ser tratada segundo as particularidades do local pesquisado.
Avalia-se, entretanto, que a abrangência do modelo de Walton (1973), como base teórica do presente estudo, permitiu, na mesma proporção, a reflexão de seus participantes sobre a QVT, o que reforça sua relevância como apoio para a investigação, todavia fundamentado na exploração de outros aspectos, como o
psicodinâmico e o cultural, que garantiram ao investigador maior apropriação da totalidade de seu objeto de estudo.
O desenvolvimento deste estudo teve como objetivo levantar os principais aspectos da psicodinâmica dos trabalhadores em um contexto organizacional que tenha ações que promovam QVT; descobrir novos elementos que integram a QVT a partir da percepção dos trabalhadores investigados; observar a existência de pontos de convergência e divergência quanto à percepção de QVT entre os trabalhadores dos níveis operacional e gerencial; verificar a participação da cultura organizacional no funcionamento da psicodinâmica dos trabalhadores; contribuir para a viabilização das práticas organizacionais que participam da promoção da QVT.
A leitura psicodinâmica do trabalho do discurso dos trabalhadores da Acme Veículos Ltda, atingiu seus objetivos de desvendar os conteúdos inconscientes destes participantes que revelaram todo o movimento de construção de sua percepção sobre a QVT. Foi possível, então, ampliar o conhecimento sobre os elementos representantes da QVT a partir da incontestável tentativa dos trabalhadores de obter prazer em seu trabalho, o que torna as vivências de prazer e de sofrimento no trabalho importantes fontes de pesquisa deste tema. Com relação a isso, este estudo apresenta uma limitação metodológica, pois não incluiu o construto prazer-sofrimento (MENDES, 1999) no momento da construção do roteiro da entrevista que lhe serviu como instrumento de investigação.
Ainda como contribuição da abordagem psicodinâmica, vale ressaltar que os movimentos psíquicos em direção ao prazer e/ou de evitação ao sofrimento foram estabelecidos mediante a análise dos mecanismos de defesa, especialmente do mecanismo de identificação. Isto, pois, permitiu avançar na compreensão dos aspectos psicodinâmico e cultural das relações de trabalho e da organização do trabalho, revelando o caráter de ambigüidade (amor e ódio) dessas relações (PAGÈS et al., 1993; ENRIQUEZ, 1999) e as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para se desviar das normas da organização prescrita do trabalho (DEJOURS, 1994; DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994; DEJOURS, 2001).
As considerações a respeito das relações de trabalho no presente estudo limitaram-se ao aspecto psíquico e cultural-organizacional, ficando à margem a abordagem dos aspectos sociais, não tendo sido considerados seus aspectos
econômicos e políticos, limitações essas que não invalidam a investigação realizada sobre os primeiros aspectos.
No que se refere ao estudo da cultura organizacional, foi pertinente como dado de corroboração à análise psicodinâmica da formação do coletivo do trabalho, pois seus elementos expressaram como as pessoas se organizam em torno das normas e dos valores criados na vida da organização, servindo como mantenedores da organização da percepção sobre a QVT das pessoas que ali trabalham.
Os aspectos que foram levantados como relevantes para a QVT na percepção dos participantes desta investigação, a saber, relacionamento interpessoal, tempo, ascensão de cargo, reconhecimento e dinheiro, demonstram a interferência da QVT sobre a qualidade de vida em geral e também como essas duas questões são intrínsecas. Assim sendo, fica clara a extensa dimensão do tema abordado neste estudo, não podendo ter sido esgotado, como não foi a pretensão da presente pesquisa. Assim sendo, constata-se a necessidade de futuras pesquisas que, juntamente com esta e outras já realizadas, irão compor um somatório de generalizações teóricas que, possivelmente, poderão abrandar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas e pelas organizações no âmbito do trabalho, assim como também satisfazer os questionamentos teóricos e empíricos dos pesquisadores sobre a QVT.
Dentre as possibilidades de futuras pesquisas levantadas a partir deste estudo, sugere-se:
• Investigação teórica que permita sistematizar o estudo da mediação entre a vida organizacional, a vida psíquica e a realidade de trabalho;
• Articulação do estudo da QVT com o significado do trabalho, haja vista as considerações feitas sobre os fatores tempo e dinheiro;
• Realização de estudo utilizando, com maior profundidade, as possibilidades teóricas da psicanálise e da psicodinâmica do trabalho, com o objetivo de analisar, compreender e intervir sobre a QVT nas organizações.
Ao retomar as questões apresentadas no início deste trabalho, apesar das limitações e das dificuldades de integrar as diversas referências teóricas, a presente pesquisa avançou nas investigações sobre os aspectos ligados à QVT, demonstrando ser fundamental o conhecimento do percurso realizado pelo ser
humano trabalhador ao mobilizar sua energia psíquica para o encontro do prazer no trabalho. Muitos questionamentos ficaram no que diz respeito às possibilidades de a ciência promover um relacionamento harmônico entre pessoa, organização e trabalho, o que instiga fortemente esta pesquisadora a continuar a busca de novos caminhos que permitam ao ser humano resgatar a qualidade de vida e o apóiem na realização de seus desejos, na troca com o outro, com ele mesmo e com seu trabalho em sua vida.