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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Download/Open (páginas 106-110)

Tem pessoa neste mundo Que já nasce afortunada Embora que passe tempo Sem poder arranjar nada Mas depois vem a fortuna Lhe pegar de emboscada

Francisco Sales Areda – O homem da vaca e o poder da fortuna

Esta investigação sobre a possível influência da Literatura de Cordel no processo de construção da identidade cultural do aluno do Curso de Agropecuária integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Campus Vitória de Santo Antão, chega ao fim com alguns „achados e perdidos‟, que devemos considerar.

Como visto no último capítulo a investigação foi realizada através de uma pesquisa qualitativa, que utilizou para a coleta de dados, a aplicação de um questionário e a realização de uma entrevista com alunos do curso. Após a análise dos dados coletados, pode-se perceber que a Literatura de Cordel está distante de nosso alunado, tanto daquele proveniente das regiões interioranas como da região metropolitana, na suas cidades, na sua cultura e também na escola.

Esse foi o primeiro „perdido‟, ainda que não constituísse de todo uma surpresa, a constatação de que o Cordel está quase esquecido entre nosso alunado do meio interiorano. Quem, como eu, vem de família interiorana, em cujo seio se preservou a cultura de apreciar o Cordel, não chega a ficar tão espantado com os resultados aqui encontrados, ainda que estes sejam objeto de grande preocupação. Afinal a Literatura de cordel é um marco constitutivo da identidade cultural do povo nordestino, e a constatação de que entre os jovens, principalmente os oriundos das camadas populares, do interior do Estado de Pernambuco, da zona rural, demonstra as dificuldades da litertura popular tradicional se perpetuar nos meios onde ela foi originária. Isso nos remete à importância da resistência cultural, da preservação da tradição, de sua tradução por releituras que atinjam o público jovem, e resgata o papel da escola nesse sentido.

Vimos ao longo deste trabalho, como a Literatura de Cordel, vem superando paulatinamente os preconceitos de ser considerada uma “literatura menor”, adaptando- se às novas tecnologias de informação e comunicação. O uso das novas tecnologias, principalmente do computador e da internet, são uma forma de divulgação, e mesmo tradução cultural, que tem surtido bons resultados. Entretanto, o Cordel ainda pena com a falta de uma divulgação adequada, principalmente entre asnovas gerações. Isso pode ser comprovado, pelos dados analisados, tanto em nossa escola quanto nas cidades de onde nossos alunos são oriundos.

Após o processo de coleta, investigação e análise dos dados que estruturam essa pesquisa, foi possível chegar a alguns questionamentos e conclusões sobre o Cordel em nossa sociedade. Hoje, é possível observar, que o Cordel tem conquistado espaço não só nos centros acadêmicos, mas também nos grandes eventos editorias realizados na região, e assim vem ganhando mais apreciadores e cultivadores a cada dia. Como morador da Região Metropolitana do Recife, envolvido pessoalmente com

pesquisadores, professores e artistas ligados à Literatura de Cordel, mesmo por que, possuo o mesmo perfil, pois também estudo e produzo cordel, além de ser um professor que o utiliza em suas aulas, vivencio cotidianamente essa ampliação do espaço. Entretanto, se esse espaço se amplia junto as camadas mais escolarizadas e urbanas da população, o mesmo parece não estar ocorrendo entre os jovens com menor grau de escolaridade e oriundos do interior, como foi possível constatar com a análise dos dados.

As dificuldades encontradas para a preservação, divulgação e popularização das manifestações culturais tradicionais nos centros urbanos é cada vez mais evidente. Esse fenômeno foi intensificado após o processo de massificação da cultura com a onipresença dos meios de comunicação de massa, os efeitos da globalização e a imposição de um padrão televisivo nacional produzido no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, que tende a homogeneizar as manifestações culturais regionais, transformadas em produto de consumo voltado para o turismo.

Nesse contexto, a escola pode vir a assumir um papel de resistência cultural importante, apresentando às crianças e jovens, as manifestações artísticas e culturais regionais, fortalecendo a cultura local e a identidade cultural das novas gerações. Esse seria o primeiro e fundamental „achado‟ desta investigação: a constatação do papel que a escola pode e deve desempenhar no processo de resgate e disseminação da literatura popular, mais especificamente do Cordel – a temática desse trabalho investigativo.

Ao longo desta dissertação, pesquisamos a Literatura de Cordel nas suas origens portuguesa e brasileira e tentamos expor diferenças e semelhanças entre ambas. Além disso, analisamos o Cordel como identidade cultural do povo nordestino e a ligação que estabelece hoje com a educação, na sala de aula.

Acerca da pesquisa sobre a Literatura de Cordel, que corresponde ao nosso primeiro capítulo Por entre a Literatura de Cordel: Origens e Veredas, recorremos a autores e pesquisadores para expor, de uma forma mais minuciosa, as origens e a estrutura do Cordel. Os textos desses autores muito contribuíram com esta investigação, compartilhando alguns conceitos e ideias, chegando as mesmas conclusões, construídas em leituras, estudos, pesquisas e vivências com e sobre o Cordel. A literatura de cordel, profundamente inserida no mundo da vida do homem nordestino, se constitui em uma tradição cultural tão forte e arraigada que marca a sua identidade, de forma indelével. Nesse sentido, hoje não creditamos sua origem à península ibérica, como se aqui houvesse se desenvolvido um processo de recepção passiva e imitação, mas sim em uma origem hibrida, multicultural, original e autêntica do povo brasileiro e nordestino. O cordel, fiel a uma herança multicultural, evidencia suas raízes européias, africanas e ameríndias, que construíram uma literatura popular com características peculiares, originais, plenamente identificadas e identificadoras de seu povo.

Assim concluo, posicionando-me quanto à origem do cordel brasileiro como fruto da junção das multiculturas herdadas pelo homem nordestino, cordelista, repentista e cantador, sujeito a fluxos e choques culturais diversos, que marcam sua produção, com características de renovação e de conservação. Assim, se não é possível negar os efeitos culturais da colonização portuguesa, podemos afirmar que a resposta cultural que engendrou o cordel como hoje é conhecido e praticado no Nordeste do Brasil tem fortes traços de emancipatórios, identitários e de resistência cultural aos modelos hegemônicos.

No segundo capítulo Ex aratore orator factus est, buscamos associar a composição social dos grandes autores do Cordel, aclamando a inventividade e a arte dos cordelistas, pessoas humildes, do povo, sem elevada escolaridade, mas capazes de edificar esse símbolo cultural e literário, que é o Cordel. Hoje o cordel está presente nos

ambientes acadêmicos, rompendo preconceitos, „ganhando mundo‟, via internet: a “literatura de cego”, dos cantadores populares, hoje é veiculada, estudada e apreciada nas Universidades, objeto de teses e dissertações. Contraditoriamente, na educação básica, o cordel é pouco estudado, não é encontrado nas bibliotecas escolares e nem trabalhado nas aulas de Língua portuguesa e suas literaturas. Quando adentra os muros da escola, a literatura de cordel é vista como folclore, algo exótico, e não uma tradição viva, presente no cotidiano do Nordeste e marco da identidade cultural de sua gente.

Mas lembremos que o Cordel brasileiro é único, porque tem sua estrutura específica, seguindo o rigor da melodia dos repentistas e dos cantadores. Versos melodiosos que chamam a atenção das pessoas pelo improviso, pela criatividade poética, a agilidade na criação. Uma musicalidade que permeia entre o Cordel, o Repente-Cantoria e a poesia popular. Reforçamos o conceito de que um poema popular não é necessariamente um Cordel. Para ser Cordel é preciso estar no formato impresso de livreto, narrar um fato, fazer um gracejo, criar personagens, ter no mínimo oito páginas de um folheto. Um poema popular pode seguir outras métricas e estrofes. O Cordel como cultura retrata o homem do cotidiano, com uma linguagem simples, com fatos engraçados ou tristes pelas amarguras da seca, do desemprego, do sertão, da capital e seus medos, do anacronismo dos acontecimentos. E assim, por ter sua própria estrutura específica e que o diferencia dos demais, o Cordel representa uma identidade, porque é um símbolo do povo, de uma cultura viva e mutante.

O terceiro capítulo O Cordel e a Escola: o verso no meio do povo nos apresentou aos alunos, muitos deles vindos da Zona da Mata, da própria cidade de nossa escola, Vitória de Santo Antão, do Agreste e da Região Metropolitana do Recife, sujeitos da pesquisa e analisou os dados obtidos na investigação. A partir das respostas dos alunos ao questionário apresentado e de suas falas foi possível construir um conceito sobre o cordel, segundo a percepção dos mesmos, e constatar o grau de conhecimento desses jovens sobre essa forma de cultura popular. Vimos que muitas das opiniões dos alunos eram formuladas de forma incipiente, aligeirada, parcial, ainda que de vários fossem criativas e muitas demonstravam serem eles também conhecedores do Cordel. Enfim, respostas diversas para pessoas e cidades diversas, embora tenhamos visto muitas respostas negativas, que denunciavam o distanciamento dos jovens da literatura popular tão característica da identidade do povo nordestino e pernambucano.

Essa investigação nos mostrou que uma forma de minimizar ou evitar que se amplie a tendência das novas gerações desconhecerem seu patrimônio cultural, é fundamental envolver escola, num processo sistematizado de resistência cultural. O desconhecimento da cultura popular tradicional nordestina, de que o cordel é uma das manifestações mais fortes, no nosso entendimento, constitui um grave problema a ser enfrentado pela educação, desde o ensino fundamental, sob pena de perda dos valores culturais com impactos negativos para a identidade cultural do povo brasileiro.

Como já dissemos, nossa instituição, o IFPE campus Vitória de Santo Antão, está localizada na região central da Zona da Mata, berço de poetas populares como João José da Silva, Severino Milanês, Jotabarros, Zé de Boô, Seu Pirrito e de muitos mestres de Maracatu Rural, que também se utilizam da poesia popular para entoar suas loas e cantos. Assim, julgamos ser importante que ela se envolva de forma efetiva nesse trabalho de apresentar às novas gerações a Literatura de Cordel.

Vemos a escola como esse centro educativo e ilustrador do pensamento, aberta a inovações de ensino e a estratégias de aprendizado, e, portanto, capaz de trazer o Cordel para a sala de aula, superando o tratamento deste apenas como exotismo ou folclore, superando o preconceito e o distanciamento dos jovens das manifestações literárias populares. Cordel não é literatura de gente que não sabe ler ou escrever direito, mas de

gente que retrata seu mundo e se identifica nos versos lidos. E o alunado, como visto, embora tenha gostado e se interessado pelo Cordel, expôs de forma contundente as dificuldades de acesso a essa forma de literatura, tanto na escola quanto nas comunidades em que vivem. Não é possível gostar e apreciar algo que não se conhece, ao qual o acesso é limitado ou inexistente.

Por fim, acreditamos ser necessária uma nova postura a ser tomada pelas instituições escolares, por professores e por gestores, particularmente em nossa instituição, a partir dos dados desta investigação: a introdução da Literatura de Cordel na sala de aula, não de forma aleatória, sazonal ou espontânea, mas sistematizada e oficializada nos currículos. Se um dos grandes problemas da educação brasileira é a falta e o estímulo à leitura, temos o Cordel como um abre-alas para esse prazer de viajar entre duas capas, trazendo-o ao nosso convívio, edificando a cultura de nossa gente e região, o Nordeste Brasileiro.

Assim, a guisa de conclusão, necessariamente provisória e incompleta, vemos que os jovens investigados, principalmente os oriundos dos meios rurais, apresentam um grave desconhecimento do que seja Literatura de Cordel, demonstrando que esta manifestação cultural está cada vez mais inacessível às camadas populares, que habitam os sertões nordestinos. Os jovens relatam que não encontram mais, como era comum às gerações que os antecederam, Cordéis à venda nas feiras, e ainda denunciam, que nas escolas que frequentaram, também não foi possível o contato mais próximo com esta literatura popular. Essa dificuldade de acesso é associada à desvalorização que este gênero literário sofre, atualmente. Como contraponto, vemos que nos meios urbanos, nos grandes centros, a Literatura de Cordel tem ampliado seu público, entre as camadas médias e com a alta escolarizada, devido à crescente valorização do gênero pela academia, pelo uso da internet, pelo incentivo dos crescentes eventos do campo editorial, entre outros fatores.

No momento atual, em que concluímos este estudo, a Rede Globo de Televisão, está apresentando uma novela 'Cordel Encantado' inspirada no universo do cordel, no que tange à sua temática, com princesas, reinos, cangaceiros, tramas e personagens misteriosos. A apresentação do folhetim televisivo utiliza imagens inspiradas em xilogravuras, e a produção se esmera nos figurinos e cenários típicos de uma cidade do interior do nordeste, retratando os costumes, a linguagem, as crendices típicas da região. Esta novela é mais um exemplo da valorização da literatura de cordel, embora a trama desande na exibição de cantadores ou folhetos à venda. O sucesso obtido por essa produção é imenso, com altos índices de audiência, numa demonstração que a temática do cordel encontra apreciadores em larga escala, sendo, no entanto, necessária a sua divulgação. .

São imensas as dificuldades a serem superadas para a preservação do patrimônio cultural, principalmente de cunho regional e local, matriz da identidade do homem brasileiro, nas diversas regiões, em nosso caso específico, do homem nordestino. Nesse sentido, a escola pode desempenhar um papel fundamental nesse processo de resistência cultural, fortalecendo a cultura local e favorecendo a construção da identidade cultural das novas gerações. A Literatura de Cordel é um patrimônio do povo pernambucano, nordestino e brasileiro que não pode ser perdido: este é o libelo deste esforço investigativo.

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