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LABORATÓRIO DE AGRICULTURA

4. EMERGÊNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA DISCUTINDO UM CONCEITO

5.1 Considerações Finais

A ASMOCONP/Banco Palmas, ao contrário da maioria dos empreendimentos que se denotam como Economia Solidária, assume – simultaneamente – funções de caráter econômico, social e político. Se cooperativas de crédito, bancos populares, cooperativas populares de produção e de serviços, empresas autogestionárias, clubes de trocas ou associações de produtores podem ser qualificadas como empreendimentos solidários, o que dizer de uma organização que trabalha todos estes aspectos. Claro que a tentativa de desenvolver todas as possibilidades de geração de ocupação e renda para o bairro, na perspectiva da economia solidária, acaba levando a ASMOCONP/Banco Palmas alguns problemas na sua gestão, conforme apresentamos no capítulo 3.

Não obstante, sabemos que isto é reflexo de uma dinâmica mais geral de Economia Solidária que convive em uma tensão entre lógicas (mercado versus solidariedade), tensão a qual a ASMOCONP/Banco Palmas observa em sua gestão. Chamamos de lógica mercantil o grupo de aspectos que se encontram nas atividades de busca do lucro através de relações de compra e venda que se baseiam nas regras do mercado, por meio da: valorização dos princípios da competição, da necessidade de burocratização da organização, e do uso da racionalidade utilitária. Reconhecemos a lógica solidária no conjunto de fatores que se denotam através da: promoção das relações de proximidade e vizinhança na comunidade, da

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busca pelos interesses sociais acima dos interesses lucrativos, da promoção da cultura da cooperação, do fortalecimento das relações informais como elemento principal das organizações, e do uso da racionalidade substantiva em maior escala.

Esta organização tem conseguido sobreviver como parte deste modelo não- excludente de lógicas distintas e, nesta linha, a gestão da ASMOCONP/Banco Palmas e de seus projetos possui características que ajudam até a fomentá-lo. A partir de 1981 até 1987, quando possuía apenas a orientação para a mobilização dos moradores da comunidade do Conjunto Palmeiras com finalidade de lutar pelas melhorias urbanas que o bairro precisava, verificamos que a gestão da ASMOCONP era – como discorremos em diversos momentos do texto, principalmente na análise temporal – guiada pela lógica solidária. Entretanto, a partir 1998, ao erigir o projeto de construção de um sistema que colocaria na missão da ASMOCONP a luta para a mitigação das desigualdades econômicas da população do Conjunto Palmeiras, a associação trouxe a lógica mercantil para conviver e se adaptar a sua proposta de gestão. Para ilustrarmos esta tensão, usaremos o exemplo a seguir.

O Banco Palmas, como já tratamos, utiliza procedimentos sui generis na concessão de microfinanciamentos: são baseados nas relações de vizinhança, não exige registro para o tomador do empréstimo – já até perdoou dívidas de tomadores que perderam seus bens por conta de enchentes, não busca a remuneração sobre o capital emprestado, apóia iniciativas de jovens inexperientes e mulheres em situação de risco social, enfim, todas as características da influência de uma lógica solidária na gestão. Ao mesmo tempo, ao conceder financiamento aos produtores locais objetivando que a renda e o consumo do bairro se amplie, indiretamente, está promovendo alguns princípios, eminentemente, mercantis, como: a livre iniciativa, a lei da oferta e demanda como justificativa para especulação e a exploração da finalidade lucrativa baseados na competição entre os empreendedores locais, ou seja, o Banco Palmas pode até não objetivar a exploração da população local, mas os tomadores do crédito acabam explorando-os – como a intenção de ampliarem seus lucros. Podemos afirma que, neste caso, a lógica mercantil está sendo “financiada” pela lógica solidária.

Este não foi o único momento em que constatamos a presença da tensão entre as lógicas mercantil e solidária na gestão da ASMOCONP/Banco Palmas. Ao tratarmos do capítulo do caso, procuramos evidenciar a presença desta tensão em várias passagens e ao analisarmos tal tensão, verificamos que a ASMOCONP/Banco Palmas vem buscando dialogar com a lógica mercantil para o fortalecimento da comunidade – e não procurando sua eliminação. Haja vista, a constatação que a gestão da ASMOCONP/Banco Palmas vem

tentando conviver com a lógica mercantil, a partir da inserção de princípios da natureza da lógica solidária, como: fazer a oferta e a demanda crescerem de forma conjunta, criar opções de negócios apoiados e incubados pela associação que busquem o lucro, mas se baseiem na cooperação e na ação solidária, reforça o uso de meio circulante local (como a moeda Palma$), dentre outras formas de convivência das duas lógicas.

A gestão organizacional da ASMOCONP/Banco Palmas nos faz compreender que os princípios da participação, autonomia e interdependência são seguidos como os principais elementos deste modelo de gestão na regulação desta tensão. Aliás, convém lembrarmos que a questão de partida deste trabalho, era entender “Como a gestão organizacional se apresenta

diante da tensão entre as lógicas de ação (mercantil e solidária) mobilizadas na experiência da ASMOCONP/Banco Palmas no Ceará?”. Em outras palavras, nosso propósito foi

apresentar o modelo gestionário da ASMOCONP/Banco Palmas e compreender como a gestão interage com a tensão entre lógicas - mercantil e solidária – em um empreendimento da economia solidária, e de que modo vem contribuindo para sobrevivência desta organização.

Dos vários momentos vividos in loco, no Conjunto Palmeiras, aliado ao tempo que passamos debruçados em ponderações sobre o que representa – enquanto fato associativo – a ASMOCONP/Banco Palmas, sua gestão na tensão entre as lógicas mercantil e solidária e a sua relação com o emergente fenômeno da Economia Solidária, chegamos a dois ajuizamentos finais.

Primeiro, sendo o foco das análises desta dissertação, perceber como a gestão contribui na regulação da tensão entre os valores da lógica solidária e da lógica de ação mercantil, enfatizamos que a ASMOCONP/Banco Palmas possui uma natureza singular: encontra-se de forma, intimamente, ligada à vida do bairro, ou seja, que sua dinâmica, como organização, não se compreende senão numa relação, absolutamente, estreita com a própria vida do bairro. E isto pode ser refletido no seu modo de gestão, que entre outras coisas, vai além da gestão da organização em si, para significar muito mais – de certo modo – a gestão da organização na sua relação com o bairro, enfim, na gestão do próprio bairro. Esta gestão seria a intermediação dos espaços públicos coletivos do bairro.

E por fim, que a “ASMOCONP/Banco Palmas e suas práticas solidárias,

inevitavelmente, estabeleceram-se numa sociedade de lógica mercantil”. Entretanto,

acreditamos que o desenvolvimento desse empreendimento se dá, justamente, na tensão entre as lógicas mercantil e solidária que implicaria em oscilações na ação organizacional com impactos econômicos e associativos. Assim sendo, a gestão da instituição

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ASMOCONP/Banco Palmas teria assumido uma perspectiva mais democrática, autônoma e reguladora para promover a sobrevivência de tal empreendimento da economia solidária, diante de um sistema consolidado externamente que baseia suas relações em práticas mercantis.