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Este estudo apresenta um panorama internacional da previdência no serviço público e descreve a experiência brasileira de uma perspectiva histórica. Os militares e servidores civis desse país, assim como de outras partes do mundo, obtiveram a proteção do Estado durante o período de inatividade ainda no século XIX, antes das aposentadorias se tornarem acessíveis aos trabalhadores do setor privado. Sua configuração político-administrativa resultaria em uma série de esquemas previdenciários no setor público funcionando de forma descentralizada, tal como verificado em outras grandes federações. Os montepios e as caixas, que surgiram com a finalidade de se instituir pensões e outros benefícios aos herdeiros dos servidores, deram origem, no século XX, aos institutos de previdência nos estados e em alguns municípios. As aposentarias no setor público eram não contributivas e permaneceriam assim até recentemente.

No início dos anos 1990, em decorrência da legislação que seguiu a Constituição de 1988, os entes federativos tiveram que escolher entre vincular todos os seus funcionários ao RGPS ou instituir formalmente um regime de previdência específico dos seus servidores. Naquela época, as contribuições patronais cobradas no regime geral já eram superiores a 20% da folha de pagamentos e, ademais, atrasos nos repasses poderiam ensejar penalidades severas, notadamente o bloqueio das transferências do FPM. Em contraste, inexistiam normas gerais regulando a organização e o funcionamento dos RPPS, o que tornava possível a manutenção de regimes de previdência intertemporalmente desequilibrados. Deve-se ressaltar que a dívida atuarial que era acumulada por um regime próprio significava que uma fração dos custos das políticas públicas do ente federativo era transferida para as administrações seguintes.

Essas considerações sugerem que a decisão de se instituir um RPPS poderia ser motivada tanto pela percepção de que as contribuições atuarialmente calculadas seriam inferiores aos encargos cobrados no RGPS como pela possibilidade de se evitar parte dos

custos com a folha salarial por meio do subfinanciamento dos benefícios previdenciários. Para representar esse problema de maneira formal, descreve-se um modelo no qual a criação de um regime de previdência modifica a restrição orçamentária do governo e torna o incumbente capaz de aumentar a oferta de bens e serviços públicos no presente calibrando a sua política de fundeamento. Por fim, os resultados de estática comparativa indicam que as mudanças no quadro institucional promovidas no final dos anos 1990 (sobretudo a regulamentação dos RPPS, dado que o efeito da reeleição é mais incerto) devem ter contribuído para reduzir o uso estratégico da previdência.

2 Incentivos eleitorais, política fiscal e contri-

buições para a previdência dos servidores

2.1

Introdução

O efeito dos incentivos eleitorais sobre a arrecadação e os gastos públicos figura entre os temas mais estudados no campo da economia política moderna. De acordo com

Barro(1973), as eleições podem reduzir o problema do risco moral, uma vez que constituem um instrumento de prestação de contas capaz de alinhar os incentivos dos políticos às preferências do eleitorado. Dito de outro modo, o mecanismo de “controle eleitoral” tende a gerar mais esforço dos governantes que visam a reeleição. Ademais, as eleições podem diminuir o problema da seleção adversa, na medida em que possibilitam a escolha de políticos mais competentes. Mais especificamente, conforme Rogoff(1990), os incumbentes podem manipular a política fiscal para sinalizar sua competência, dando origem a “ciclos político-orçamentários”.

Segundo Shi e Svensson(2006), a forma de interação entre eleições e política fiscal depende da estrutura de incentivos presente em cada país. Nas nações que apresentam maior nível de desenvolvimento político-institucional, verifica-se que ocorre o controle dos governantes por meio das eleições. Brender (2003) nota que esse tipo de disciplina é improvável nos ambientes onde os gastos são descentralizados e financiados através de transferências, dado que os eleitores não percebem o custo total dos serviços públicos. Para Brender e Drazen (2005), os ciclos político-orçamentários constituem um fenômeno das democracias jovens. Não obstante, assim como Drazen e Eslava (2005) e List e Sturm

(2006), diversos estudos documentam manipulações em elementos específicos do orçamento nos períodos pré-eleitorais em diferentes países.

O objetivo do presente estudo é caracterizar a relação entre os incentivos eleito- rais e a política fiscal dos municípios brasileiros a partir de 2000 – após a Emenda da Reeleição, promulgada em 1997 –, testando as hipóteses de controle eleitoral e ciclos político-orçamentários. Pode-se dizer que o trabalho possui duas contribuições relevantes. Nas estimativas em geral, a metodologia econométrica adotada interage margem de vitória e limites de mandato, concentrando-se somente nas eleições mais disputadas, visando assim reduzir o problema da endogeneidade. Adicionalmente, investiga-se o efeito de tais incentivos sobre as contribuições para os regimes próprios de previdência social (RPPS), destinados aos servidores públicos municipais. Nessas estimativas, o estudo se beneficia de uma fonte de variação adicional, gerada pela introdução de alíquotas mínimas na reforma da previdência de 2003.

Grande parte dos estudos anteriores adotam estimadores apropriados para dados em painel para captar diferenças no comportamento entre governantes elegíveis ou não à reeleição, seguindoBesley e Case(1995). No entanto, essa abordagem ignora que os limites de mandato não são distribuídos aleatoriamente entre as unidades amostrais. O enfoque adotado neste estudo se espelha em Lee (2008), que analisa a “vantagem da incumbência” nas eleições para a Câmara dos Representantes americana por meio da descontinuidade na margem de vitória do partido Democrata. No presente contexto, a identificação é baseada na hipótese de que a existência de limite de mandato pode ser considerada aleatória nos municípios que tiveram eleições envolvendo prefeitos candidatos decididas por uma diferença proporcionalmente pequena de votos.

Acredita-se que este estudo seja o primeiro a analisar empiricamente o efeito dos incentivos eleitorais sobre os regimes de previdência dos servidores públicos. Por um lado, as contribuições para os RPPS a cargo das prefeituras constituem uma parcela pouco visível das despesas, cuja redução poderia eventualmente viabilizar gastos adicionais naqueles elementos mais valorizados pelo eleitorado. Por outro lado, as contribuições retidas dos servidores municipais equivalem a uma espécie de tributação focalizada, de modo que mudanças nos percentuais cobrados poderiam igualmente apresentar reflexos nas urnas. Isto posto, deve-se ressaltar que tais repasses são de extrema relevância para o equilíbrio de longo prazo dos RPPS, na medida em que tais regimes realizam promessas na modalidade de benefícios definidos e adotam a capitalização como método de financiamento.1

De modo geral, os resultados sugerem que as eleições exercem um papel disciplina- dor sobre as ações dos governantes que podem se reeleger, bem como que tais incumbentes manipulam estrategicamente determinados elementos do orçamento, gerando ciclos. Os pre- feitos elegíveis à reeleição apresentam deficits orçamentários menores (superavits maiores) durante o mandato como um todo, além de se esforçarem mais para atrair transferências discricionárias. Adicionalmente, os prefeitos nessa situação geram ciclos nos investimentos – que aumentam no último ano do mandato e diminuem no segundo ano após a reeleição –, custeados pelos recursos extras obtidos por meio de transferências de capital das outras esferas da administração pública.2

1 Assim, o presente trabalho dialoga com a literatura acerca da determinação dos níveis de fundeamento

dos sistemas de previdência dos servidores públicos, a qual conta com muitos estudos sobre a influência de pressões fiscais (EPPLE; SCHIPPER,1981;MITCHELL; SMITH,1994), do grau de mobilidade dos residentes (INMAN,1982;JOHNSON,1997) e dos sindicatos (GLAESER; PONZETTO,2014;

KELLEY,2014; SCHIEBER, 2011). Bagchi(2016) tenta estimar o efeito da concorrência política nos planos municipais da Pensilvânia. Porém, a proxy de competição adotada (fração de votos média obtida pelo partido Democrata no município em uma série de disputas) não apresenta relação com o resultado das eleições dos governos locais.

2 Cabe observar que as estimativas para as transferências voluntárias estão de acordo com a proposição

de Mendes(2004), segunda a qual uma estratégia vitoriosa para os prefeitos que buscam a reeleição consiste em atrair a maior parcela possível do “poço comum” das receitas de impostos arrecadadas pelos governos federal e estaduais. As evidências de manipulação nos investimentos confirmam os resultados qualitativos de outros autores, especialmente Klein e Sakurai(2015). No entanto, os demais resultados (disciplina eleitoral e ausência de ciclo nas variáveis fiscais agregadas) contrastam com as

No que se refere aos RPPS, as estimativas indicam que os prefeitos que podem se reeleger recolhem menos contribuições dos servidores do que aqueles que enfrentam limites de mandato. No entanto, quando divide-se a amostra, os coeficientes estimados usando os dados das eleições mais recentes não continuam significantes. Esse resultado não é inesperado, devido a dois fatores. Cabe notar que mudanças grandes nas contribuições dependem de revisões do plano de custeio, o que só pode acontecer mediante autorização prévia do Poder Legislativo. Ademais, deve-se observar que os repasses são fiscalizados pelo governo federal, através da Secretaria de Previdência, bem como pelos estados, por meio dos seus Tribunais de Contas.

A reforma da previdência de 2003 introduziu uma fonte de variação única ao estabelecer alíquotas mínimas no âmbito dos RPPS. Quase todos os municípios tiveram que elevar suas contribuições nos anos seguintes para obedecer o novo limite. Contudo, enquanto alguns prefeitos aumentaram os repasses em 2004, outros postergaram tal mudança para o mandato seguinte. De acordo com as estimativas deste estudo, os governantes que podiam se reeleger recolheram menos contribuições dos servidores naquele ano, no qual ocorreram eleições municipais. Cabe observar que os coeficientes estimados são mais imprecisos e que tais estimativas não podem ser generalizadas para as demais eleições ou outros contextos.

O restante do trabalho está divido em cinco seções. A seção 2.2 apresenta um sumário da literatura relacionada. Em seguida, a seção 2.3 expõe o contexto institucional e mostra algumas estatísticas descritivas, enquanto a seção 2.4 descreve a metodologia adotada. A seção 2.5 discute alguns testes da hipótese de identificação, apresenta as estimativas dos efeitos dos incentivos eleitorais sobre a política fiscal e as contribuições para a previdência e analisa a sensibilidade dos resultados. Por fim, a seção 2.6 apresenta as conclusões da pesquisa.