• Nenhum resultado encontrado

Partindo da hipótese de que as diferentes representações que professores e alunos possuem sobre ser professor não têm permitido a integração de interesses e expectativas pessoais dos licenciandos com interesses coletivos do curso e da instituição investigada, buscou-se identificar as concepções e representações a partir das quais formadores e formandos criam expectativas em relação às necessidades que devem ser atendidas pela formação inicial de professores, nos cursos de Licenciatura em Letras, Matemática, Geografia e História. Para atingir os objetivos propostos, foram realizadas entrevistas com quatro professoras da disciplina Didática e utilizados 115 questionários respondidos pelos alunos dos cursos anteriormente citados. Tomou-se como referência a disciplina Didática porque esta tem como eixo central as questões de ensino e aprendizagem.

A condição de elemento cognitivo, estruturante e orientador de condutas justifica e ao mesmo tempo revela a importância do estudo das representações que formadores e formandos têm da profissão docente, principalmente porque se trata de um processo de socialização no qual o indivíduo é introduzido em um submundo específico da realidade social em que tais representações funcionam como filtros, que selecionam e calibram as experiências de formação, orientando os seus resultados. Trabalhar com a análise de representações sociais exige que se leve em consideração tanto os aspectos subjetivos quanto os objetivos do contexto no qual estas representações se constroem. Por esta razão, o presente estudo tem como conceitos nucleares as noções de representação na perspectiva de Pierre Bourdieu e Roger Chartier; de práticas educativas, entendidas como processos de socialização institucionalizados, por meio dos quais ocorre a construção social da realidade, no sentido proposto por Peter Berger e Thomas Luckmann. Além disso, utilizamos aqui as noções de ação pedagógica, postulada por Gimeno Sacristán como expressão individual e coletiva da condição humana, e os saberes específicos da docência inventariados e descritos por Maurice Tardif.

A análise dos dados coletados revelou que as quatro professoras entrevistas são docentes estabilizadas na carreira profissional e detentoras de bastante experiência no magistério. Elas se referem à docência como exercício profissional, que requer formação específica e continuada, porém, suas declarações deixam entrever representações sobre o

ensino e sobre a profissão que remetem a uma concepção de magistério como missão, como sacerdócio em que o espírito de sacrifício e de abnegação é inerente ao difícil caminho a ser trilhado. Tal concepção aparece também com freqüência nas declarações dos licenciandos.

No que diz respeito aos licenciandos, constatou-se a existência de dois subgrupos no conjunto de alunos. O primeiro, envolvendo aproximadamente 70% dos graduandos, destacou-se por responder às questões de forma mais precisa, mais articulada, demonstrando maior clareza sobre o que acreditam ser necessário na formação para o magistério. Tais licenciandos reconhecem tanto os pontos positivos dos cursos, quanto os pontos negativos como elementos capazes de interferir no processo de formação, desenvolvimento e aprimoramento profissional. O segundo grupo, formado por aproximadamente 30% dos graduandos, caracterizou-se por não ter ou não saber o que dizer. As respostas emitidas por este grupo são confusas, dispersas e desarticuladas, denotando que o curso de formação não conseguiu lhes acrescentar quase nada.

O estudo mostrou também que formadores e licenciandos têm consciência de que a UNIFAP, assim como a maioria das universidades brasileiras, apresenta uma série de problemas estruturais que vão desde a escassez de recursos materiais até a carência de recursos humanos em número suficiente para atender às demandas da instituição. Mas apesar dos problemas e das dificuldades enfrentados, há um consenso em relação à fundamentação na área específica de conhecimento das licenciaturas que tanto formadores quanto formandos declaram ser bastante consistente. Entretanto, no que diz respeito à formação pedagógica dos licenciandos, o que se constatou é que a receptividade em relação às disciplinas pedagógicas varia de acordo com o curso de licenciatura, sendo mais rejeitadas em uns e menos rejeitadas em outros. Mas, de maneira geral, a formação pedagógica continua sendo colocada em segundo plano. Contraditoriamente a esta situação, todos concordam com a importância das disciplinas pedagógicas, inclusive declarando que são elas que proporcionam o embasamento teórico/prático para o exercício da profissão docente.

A insatisfação ou a frustração dos licenciandos em relação ao curso é outro ponto de convergência nas declarações de formadores e formandos, mas as explicações para tais frustrações ou decepções são bem diferentes. As professoras apontam os problemas estruturais da universidade e as questões pessoais dos licenciandos como as principais causas dessa insatisfação. Já os licenciandos apontam principalmente como razão de suas frustrações questões ligadas ao ensino, como por exemplo, o desinteresse ou falta de compromisso de

alguns professores, a qualificação inadequada ou insuficiente de parte dos professores, metodologias de ensino ultrapassadas, o não cumprimento da carga horária das disciplinas, muitas discussões teóricas e poucas atividades práticas, entre outras razões.

Os problemas estruturais são citados pelos licenciandos, porém, com incidência muito menor do que os que estão diretamente relacionados com as atividades pedagógicas. Os dados revelaram que as representações e concepções de formadores e licenciandos a respeito da profissão docente não são muito diferentes, mas, no que diz respeito às necessidades que devem ser atendidas na formação inicial de professores, as divergências são bem claras. Enquanto as professoras estão preocupadas em proporcionar (por meio de leituras, debates e discussões) uma compreensão mais ampla dos fatores socioeconômicos, políticos e culturais que perpassam o processo de ensino e de aprendizagem, os licenciandos sentem necessidade de vivenciar situações concretas de exercício profissional, ou seja, eles se ressentem de não possuir um saber experiencial – comentado anteriormente – capaz de articular recursos intelectuais, sociais, éticos, morais e afetivos.

Esse ressentimento dos graduandos é bastante compreensível quando se considera que as competências profissionais são construídas a partir de uma prática, de uma experiência na qual o indivíduo se confronta com situações reais e precisa tomar decisões coerentes e eficientes. Entende-se que este confronto requisitado pelos licenciandos possa ser preparado por meio de mecanismos de formação que favoreçam a tomada de consciência e a transformação das representações sobre o ensino e a aprendizagem, e que já são bastante utilizados nos cursos de formação de professores, como por exemplo, a escrita clínica, a videoformação, os casos de ensino, entre outros. Este tipo de mecanismo ou atividade de formação não foi mencionado pelas formadoras, muito embora a questão da reflexividade como fonte de conhecimento para uma ação mais eficiente tenha permeado as declarações de todas as entrevistadas.

As declarações dos licenciandos permitem que se conclua que a formação para o magistério tem se efetivado muito mais pelas influências da prática educativa à qual são submetidos do que pela conscientização da educação como prática social que está permeada de valores e de intenções. A lógica disciplinar, ainda dominante nos cursos de licenciatura, fortalece procedimentos tradicionais que perpetuam a transmissão de conhecimentos em detrimento da construção de saberes. Esta é uma das razões pelas quais é necessário trabalhar as representações que se tem da profissão docente, no sentido de identificar as imagens e expectativas sobre a formação e o exercício da profissão, de maneira que estas possam ser

redefinidas, transformadas, principalmente no que concerne ao saber-fazer e saber-ser professor.