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Mesmo que tenhamos a certeza de nunca esgotar as possibilidades de análise de um corpus, temos que produzir um efeito de fim. Pois bem, chegamos a esse momento em que somos impelidos a parar. Mesmo assim, inquietamo-nos por reavivar os caminhos pelos quais passamos ao analisarmos o funcionamento discursivo do Jornal Igreja Nova.

Iniciamos, apresentando um pouco da estrutura da Igreja, seus dogmas e hierarquia, dando ênfase ao papel desempenhado pela Cúria Romana e pelo Papa a fim de entendermos onde se alicerça essa religião e quais foram as portas abertas pela própria Instituição para que se instalasse o novo, aquilo que surgiu de uma interpretação da missão de Cristo à luz de dizeres vindos de outros lugares, muitas vezes entendidos como antagônicos em relação ao discurso religoso, como foi o caso do discurso marxista. A religião católica apostólica Romana deixou-se penetrar por alguns preceitos estranhos ao convívio dos cristão, e foi isso que nos impeliu a estudar as atitudes institucionais que deram espaço para que tais vozes tensionassem o sujeito universal da FD religiosa católica: o Concílio Vaticano II e as Conferências episcopais, principalmente as de Medellín e Puebla.

Seguimos nossa caminhada, no âmbito mais regional, discorrendo sobre sacerdotes da hierarquia da Igreja que encarnaram os discursos conservador e progressista – Dom José Cardoso Sobrinho e Dom Hélder Câmara, respectivamente – marcando, por meio dos seus dizeres/fazeres, os lugares que ocupam dentro da Instituição e a repercussão que seus discursos tiveram.

Sentimo-nos aptos a analisar o que marca o funcionamento do discurso do Jornal Igreja Nova, à luz do que nos apresenta a Escola Francesa de Análise do Discurso. Essa posição teórica que descrevemos na seção “Pressupostos Teóricos” cumpriu o seu papel como disciplina que assevera, como sendo idissociáveis, os processos linguísticos e os aspectos sócio-histórico-ideológicos e interdiscursivos.

A descrição do corpus de análise, capítulo fundamental na compreensão das condições de produção do discurso do Jornal Igreja Nova, foi o terceiro passo empreendido, com o intuito de que houvesse a clareza na análise do corpus, afinal, pudemos concluir, pelo fato de a linguagem não ser transparente, que

O sentido de uma palavra ou expressão, de uma proposição etc., não existe em si mesmo (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do

significante) mas ao contrário é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras expressões e proposições são produzidas. (Pêcheux, 2009p. 146)

Logo percebemos o quanto os três primeiros capítulos foram complementares entre si, guardando uma trajetória geral e regional dos aspectos da Igreja, associados aos pressupostos teóricos para permear todo o quarto capítulo no qual se efetivaram as análises.

Continuamos, assim, as nossas análises, observando as especificidades do discurso do Jornal que ora se acercam, ora se afastam dos saberes que norteiam a FD religiosa católica. Percebemos, então, que, pelo viés da hierarquia, o Igreja Nova se vincula à Instituição e, pela aproximação com a TL, afasta-se dela, num eterno ir e vir que delineia os contornos do seu discurso de Igreja. Discurso este que, ao propor um “novo jeito de ser Igreja”, assume uma posição-sujeito que ameaça a hegemonia do discurso teológico tradicional, mas não chega a romper com ele. Pois vimos, na figura de Dom Hélder Câmara e nos que se intitulam “helderianos” a tendência de assumir um lugar muito bem marcado dentro da Igreja, quer inseridos na hierarquia, quer não.

Nós, dialogamos com as contradições que permearam o discurso do Igreja Nova, dando visibilidade aos traços do discurso burguês e institucional, que não representaram, em sua caminhada, a causa dos empobrecidos pela qual eles se propunham a lutar. Como que, por um lapso, eclodiam dizeres que não identificavam o discurso do grupo com o da TL. O que não fez, porém, com que houvesse a instauração de um discurso que inaugura uma nova FD. Pois o que os liga é mais significativo, discursivamente do que o que os separa.

A retomada do poder hierárquico operacionalizada pelo Bispo Dom José Cardoso Sobrinho – motivo do surgimento do Jornal – fez com que se instalasse a convicção de que a organização helderiana estava sendo desmontada. O afastamento de padres progressistas; o fechamento dos dois seminários emblemáticos da TL (ITER e SERENE); a desvinculação das comissões de luta da Igreja geraram discursos que se rebelavam contra parte da hierarquia mantendo o Vaticano ileso em relação às críticas e às acusações de desmonte.

Pudemos concluir que, apesar das diferenças entre correntes dentro da própria TL – diferenças essas que deverão ser tema de um aprofundamento maior em oportunidade próxima – ela possui um eixo comum entre todas as tendências que é a opção preferencial pelo pobre. A opção pelos pobres, pelo povo, pelas bases justifica a utopia de uma “Igreja popular”. No caso específico de Olinda e Recife, com a experiência de Dom Hélder à frente da Arquidiocese, cria-se uma forma colegiada de administrar, parte do clero chegou a pensar que, finalmente, as igrejas regionalizadas poderiam se tornar independentes da Santa Sé...

Mas foi em Puebla que a orientação neoconservadora começou a se firmar sob o olhar atento de João Paulo II...

E daí, sobreveio a noite escura, houve gritos e lamentos, mas a Igreja tridentina triunfou e já não mais se ouvem os cânticos engajados nas missas, o povo de pé no chão não mais participa das solenidades litúrgica. Em Olinda e Recife tudo está “tranquilo”, tudo voltou a ser como antes...

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