• Nenhum resultado encontrado

Considerações Finais

O presente estudo buscou contribuir para a compreensão da estabilidade da inteligência em um grupo de jovens adultos avaliados inicialmente quando eram crianças em virtude do Estudo Longitudinal da Inteligência e Personalidade iniciado em 2002 no Centro Pedagógico da UFMG.

108 A inteligência humana é uma das características mais valorizadas nos mais amplos setores da sociedade. O interesse por aumenta-la ou evitar o seu declínio perpassa pelos meios educacionais e tem levado inúmeros pesquisadores a se dedicarem à compreensão deste construto tão complexo. Todavia, até o momento não se encontrou um estudo nacional de delineamento longitudinal que se dedicasse ao estudo da estabilidade intelectual.

Nesse sentido, apresentou-se inicialmente o referencial teórico no qual se abordou as principais concepções sobre a inteligência humana. Assumiu-se um posicionamento psicométrico considerando-se que as diferenças individuais em inteligência podem ser medidas por meio dos testes. A inteligência humana estaria associada às capacidades de realização, solução de problemas e lidar com situações complexas. Em seguida se abordou a influência da inteligência em diversas áreas da vida como no trabalho e nas experiências educacionais. Por fim, examinou-se estudos anteriores sobre inteligência, com delineamento longitudinal. Na parte de Método examinou-se as estatísticas descritivas, correlações, diferenças entre os sexos e as possíveis associações com a realização acadêmica.

O objetivo do presente estudo dedicou-se a examinar a estabilidade da inteligência fluida (Gf) e da inteligência cristalizada (Gc). A hipótese segundo a qual haveria uma estabilidade intelectual entre a infância e idade adulta foi confirmada, assim como apresentado por diversos estudos internacionais. As análises consistiram em examinar as pontuações brutas do SPM-criança e SPM-adulto, os escores ponderados dos subtestes verbais das Escalas Wechsler de Inteligência, as diferenças entre as médias dos escores totais, as correlações entre os subtestes verbais na infância e na idade adulta, as diferenças entre os sexos quanto ao desempenho em Gf e Gc e, por fim, a examinou-se a associação entre os QIs (verbal e não-verbal) com uma Escala de Realização acadêmica elaborada para o presente estudo.

Como se trata de uma amostra no início da idade adulta, ainda não foi possível identificar um eventual declínio da inteligência. Para verificar a estabilidade intelectual em outras fases da vida (meia-idade, idade adulta avançada) seria interessante avaliar esses mesmos participantes em um follow-up de aproximadamente 10 ou 20 anos, tal como o estudo de Deary, Pattie e Starr (2013) e o estudo de Hertzog e Schaie (1988). Ao apresentar os objetivos do presente estudo aos participantes, os mesmos foram informados dessa possibilidade, sendo convidados para uma nova avaliação. Pode-se sugerir que outros estudos se dediquem a investigar os correlatos sociais da inteligência ao longo do ciclo vital.

109 Os resultados do presente estudo demonstraram uma associação positiva moderada entre Gf-criança e Gf-adulto (r=0,480; p<0,001). Por sua vez, encontrou-se uma associação positiva moderada de Gc-criança com Gc-adulto (r=0,461; p<0,001). Conforme apontado por Schaie (1988), a estabilidade da inteligência indicaria um aumento de Gf e Gc desde o início da vida, passando por uma estabilização por volta dos 30 anos e um declínio mais acentuado na idade adulta avançada. Importante ressaltar que a estabilidade intelectual não significa uma “imutabilidade”. Todavia, como pondera Silva (2003) a inteligência seria mais maleável na infância – período no qual as intervenções educacionais poderiam ser mais efetivas.

No tocante à Inteligência Cristalizada, verificou-se não haver diferenças significativas entre Gc medida na infância e Gc medida na idade adulta. No entanto, os subtestes apresentaram alguma variação. Informação, Vocabulário e Compreensão tiveram maiores diferenças entre os dois tempos, indicando uma melhora no desempenho na idade adulta. A estabilidade de Gc foi examinada por meio das correlações de Pearson.

Para que os testes de inteligência sejam capazes de fazer predições quanto a importantes resultados sociais, sejam na escola ou no trabalho, é importante identificar se os construtos avaliados permanecem estáveis ao longo do ciclo vital. Se um indivíduo apresentou um QI não-verbal 70 na infância e 130 na idade adulta, provavelmente houve algum problema durante a primeira aplicação do instrumento ou mesmo a implicação do participante no momento da avaliação. Da mesma forma, se um indivíduo obteve um QI não verbal de 125 na idade adulta mas obteve um QI 80 na infância, ou ele apresentou um desempenho superior fruto de um processo de amadurecimento e de estímulos cognitivos, ou durante a infância não houve empenho na resolução dos testes.

No tocante à estabilidade cognitiva de Gc, se um participante obteve um QI 80 na infância e um QI 120 na idade adulta, pode-se inferir que as intervenções educacionais e culturais tiveram um papel fundamental no desenvolvimento das capacidades de raciocínio verbal. Gc está mais suscetível às informações e conhecimentos aos quais o indivíduo é exposto. Se um indivíduo tinha um QI 100 na infância e permaneceu assim na idade adulta, constatou-se nesconstatou-se momento uma estabilidade.

Deve-se ressaltar que os indivíduos apresentam trajetórias de desenvolvimento intelectual diferentes. Embora o nível socioeconômico não seja determinante da inteligência humana, percebe-se que em famílias menos favorecidas frequentemente há menos estímulos os

110 quais poderiam contribuir para a expressão do potencial intelectual. Nesse sentido, outros estímulos poderiam influenciar o desenvolvimento da inteligência tais como a escolaridade dos pais, a qualidade de comunicação, o acesso a informações novas, ambientes que demandem a resolução de problemas complexos, dentre outros. Percebe-se ainda que os participantes oriundos de famílias mais bem sucedidas permaneceram mais tempo na escola e ingressaram mais tarde no mercado de trabalho.

A literatura internacional sustenta que a inteligência humana contribui para o alcance de importantes resultados na vida e se constitui como um fator de proteção contra doenças, comportamentos de risco, etc. No presente estudo, talvez devido à amostra ser oriunda de um país heterogêneo, marcado por inúmeras desigualdades sociais, verificou-se que mesmo os participantes de origem mais humilde conseguiram ingressar em uma universidade, ou, se não escolheram uma carreira de nível superior, buscaram alternativas como um curso técnico ou abriram seus próprios negócios. A inteligência se mostrou flexível no sentido de permitir aos indivíduos a busca de novos caminhos.

Este estudo não teve a pretensão de responder todas as perguntas sobre a estabilidade cognitiva e os correlatos sociais da inteligência. Reconhece-se os limites de tempo, de se avaliar uma mesma amostra na infância e avalia-la novamente no início da idade adulta. Contudo, este estudo buscou contribuir para um tema da psicologia tão importante, mas ainda pouco explorado no Brasil. Ao se reconhecer as peculiaridades do desenvolvimento de Gf e Gc, pode-se traçar caminhos, estratégias de intervenção na infância de modo que possibilitem aos indivíduos o desenvolvimento pleno de suas capacidades mentais e, por assim dizer, desfrutar dos benefícios que a inteligência pode proporcionar.

Nesse sentido, é importante salientar que houve limitações próprias de um delineamento longitudinal no presente estudo, tais como a localização e avaliação de parte da amostra original, a ausência de informações específicas na primeira fase do estudo (como os dados socioeconômicos dos pais, informações sobre saúde, etc.), e uma predominância de estudantes universitários. A composição da amostra se deu de acordo com os aceites dos convites para as avaliações bem como a disponibilidade e interesse dos participantes. Todavia essas limitações abrem as portas para novas investigações sobre a estabilidade intelectual.

Abre-se, portanto, o convite a novos estudos que se dediquem ao estudo da inteligência humana em diversos contextos. Nas empresas, nos hospitais, em comunidades carentes, em

111 escolas públicas e particulares, assim como em projetos sociais. A inteligência não seria apenas “aquilo que os testes medem”. Mas, seria o que os indivíduos fizeram de suas vidas.