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Neste capítulo estudamos o último pólo que compunha a direita nacionalista brasileira do início do século XX: o pólo autoritário científico, que aqui nos referimos pela sigla PAB (Pensamento Autoritário Brasileiro). Vimos que este pólo era assim denominado justamente por recorrer à ciência, fundamentalmente à sociologia, na tarefa de legitimação de suas propostas. Segundo esses intelectuais, o atraso brasileiro derivava do distanciamento das instituições políticas vigentes com a índole de seu povo; o chamado exotismo institucional. O caminho à superação desta crise passava, necessariamente, pela formação de um novo modelo político assentado nas características nacionais, reveladas através de estudo científico da sociedade. Estava aí delineado o caráter científico desta última corrente do pensamento social dos anos 30.

Ademais, observamos que essa posição cientificista do PAB foi responsável por caracterizar suas idéias enquanto representativa de uma nova ideologia política. A despeito das análises que caracterizavam o autoritarismo do PAB como classista, desmobilizador ou meramente instrumental, notamos que o PAB propunha e justificava a instauração do autoritarismo enquanto o resultado último das características da sociedade brasileira, o que deixava claro o caráter essencialmente ideológico que circundava suas proposições. O PAB nasceu tendo em vista a ação política. Nasceu buscando não apenas dar respostas à superação da crise, mas, sim, construir um aparato estatal que levasse à modernização brasileira. Logo, ele não foi somente mais uma corrente de pensamento em voga nos anos

30, mas antes uma ideologia minuciosamente sistematizada: a ideologia do Estado

autoritário.

A construção desta ideologia, como de qualquer outra, não se centrou apenas na sistematização do Estado, mas principalmente na legitimação do mesmo. Foi aí que sobressaíram os temas do PAB que tinham como objetivo único deslegitimar o liberalismo e qualquer princípio associado a este, apresentando o autoritarismo como o resultado lógico das características e necessidades (econômicas, sociais e históricas) da sociedade brasileira. Foi com base nesses temas que os autores do PAB propuseram a instauração do Estado autoritário, apresentando-o como a única solução para o Brasil.

Como vimos, segundo o PAB, para se alcançar os grandes objetivos nacionais fazia-se necessário a modernização dos campos político, institucional e econômico do país. No campo estritamente político, era fundamental substituir as elites dirigentes e alterar o sistema de eleição e representação, de modo a cooptar quadros mais capazes para realizar as políticas necessárias ao país. No campo político-institucional, eram urgentes a organização nacional e a formação de sua unidade, a ser instaurada pela consolidação do poder central e do Estado nacional. E, por fim, no campo econômico devia-se superar a longa e traumática trajetória de sustentação do preço do café e incentivar a diversificação da produção a partir da formação de um Estado intervencionista. Logo, para possibilitar o desenvolvimento do país, fazia-se necessário reorganizar a política e a economia nacional, dotando a União de maiores poderes e organização.

Para o PAB, o sufrágio universal e o sistema de partidos eram os maiores vilões da sociedade brasileira. Teoricamente tidos como instrumentos para exprimir a vontade popular, esses elementos eram, na verdade, ilusões perigosas, pois movimentavam a massa que, desorganizada, facilmente se curvava a interesses demagógicos, produzindo desordem social. As instituições representativas geravam o efeito contrário ao esperado, proliferando a agitação de antagonismos violentos e a oposição de interesses transitórios.

Ademais, o PAB sustentava que a divisão dos poderes deveria ser suprimida na medida em que os Parlamentos eram decadentes. Segundo Azevedo Amaral, o trabalho legislativo assumia um caráter cada vez mais complexo, envolvendo a solução de problemas técnicos que tornava necessária a monopolização da atividade administrativa pública pelo Executivo, em colaboração com elites técnicas. Caberia, pois, ao Executivo e não ao Legislativo - instituição anacrônica, produto ultrapassado das revoluções populares do séc XVIII, - elaborar as leis com a colaboração dos órgãos técnicos de administração.

Os pensadores autoritários opunham-se, portanto, à democracia liberal defendendo o poder emanado do Estado e não do povo, a eliminação dos partidos, e a representação da sociedade organizada e não dos indivíduos. Trabalhavam com esta idéia de representação, uma vez que defendiam uma ordem centralizada e autoritária, porém não totalitária. Propunham, aí, a representação da sociedade através de um sistema corporativo de poder, influenciados pelas idéias fascistas então em voga. Os canais de ação política das massas eram as corporações, que tinham por função levar as demandas de sua classe à esfera política. A sociedade estaria representada junto ao Estado através das corporações, contrabalançando seu poder e possibilitando o equilíbrio social.

Todavia, por mais que tenham sido seus próprios pensadores a proporem esse tipo de sistema político, eles reconheciam como não sendo possível sua implementação imediata, dada a desarticulação histórica da sociedade brasileira. Por ora, seria necessário que o Executivo assumisse a primazia da administração pública, encarnando a nação e guiando-a para seu futuro, ao menos até que esta tivesse condições de concretizar o modelo corporativo de poder. Eram, portanto, pensadores fundamentalmente autoritários e apenas teoricamente corporativos. Desenvolviam um culto ao Estado, materializado na figura de um presidente carismático, entendendo-no como a única instituição capaz de ligar os fios do tecido social do país e elevá-lo ao nível de uma verdadeira nação. Contavam para isso com a participação também das elites esclarecidas, mas jamais do povo. Logo, o modelo de Estado proposto pelo PAB era efetivamente o de um Estado Autoritário.

Entretanto, apesar deste excessivo autoritarismo que permeava a ideologia de Estado do PAB, foi esta a corrente de pensamento que aparentemente mais influenciou a política praticada nos anos 30. Talvez porque tenha sido ela a única que não só sistematizou um modelo de Estado, mas também elaborou um poderoso discurso para sua legitimação.

Segundo Boris Fausto, é possível identificar duas fases na constituição e influência das idéias do PAB no Brasil:

Na primeira delas, situada na década de 1920, ocorreu uma espécie de maturação ideológica dos autores, com relativa influência na vida social e política. Na segunda, o pensamento autoritário ganhou considerável prestígio e os principais ideólogos da corrente tiveram papel significativo na criação de instituições e na vida política em geral. (Fausto, 2001, p.20).

O Estado Novo representou o apogeu dos ideólogos autoritários que constituíram um grupo amplo, não redutível a suas principais estrelas. Eles estiveram presentes nos campos mais diversos, da economia à cultura e tiveram canais de expressão em jornais e revistas controlados ou censurados pelo governo (Fausto, 2001, p. 67).

Frente a esses dados, fica claro que dentro do amplo debate político-ideológico travado no Brasil durante as décadas de 1920, 30 e 40, a proposta de Estado que efetivamente teve maior destaque foi a encampada pelo PAB. Cabe-nos agora ver se isso também se deu ao nível das Constituições.

CAPÍTULO III

As Constituições dos anos 30

“A federação, como existia entre nós, e o individualismo foram os dois processos de dissociação que nos trouxe a Constituição de 1891. A primeira ia nos desagregando politicamente; o segundo criou este espírito de dissolução social que nos priva, até hoje, de qualquer sentimento coletivo, tão necessário à própria existência da nação. Impõe-se uma tendência para a unidade, mas de maneira que a subsistência da forma federativa não se torne incompatível com a organização de um Estado (...) que seja a expressão da unidade nacional”.

Juarez Távora1

1. Confrontos e compromissos do pós-30: ação política,