• Nenhum resultado encontrado

A EUROPA E SEUS ImPéRIOS COlONIAIS NO CINEmA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dada a relativa exiguidade dos respetivos mercados nacionais, as indústrias de cinema francesa e italiana cedo apostaram na internacionalização da sua produção cinematográfica, estabelecendo parcerias de coprodução que permitiram o desenvolvimento de um cinema transnacional, largamente baseado na adaptação da obra de autores como Alexandre Dumas, Victor Hugo, Júlio Verne, Michel Zévaco e Emilio Salgari, criadores de um imaginário ficcional imensamente popular, que permitiu ao cinema da europa mediterrânea conquistar mercados estrangeiros, graças à familiaridade dos espetadores com uma literatura de massas que influenciou o modelo narrativo e formal do cinema “clássico”, o qual foi adotado num conjunto de filmes históricos que estabeleceram uma relação de influência mútua com o cinema de Hollywood, mas revelam as marcas de uma identidade cultural e cinematográfica mediterrânea, que constitui o grande elemento diferenciador dos filmes históricos europeus.

Numa era em que o modelo do blockbuster hollywoodiano domina o mercado internacional, Alatriste (A.P.Yanes, 2006), assumiu claramente a tradição do filme histórico europeu enquanto obra de qualidade dirigida a um público transnacional “culto”, adotando uma estratégia de distribuição que, fora de Espanha, apostou num reduzido número de salas selecionadas e na apresentação do filme em grandes festivais internacionais de cinema como os de Veneza, Roma, Toronto e Miami.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

ACCIAIUOLI, Margarida (2012). Os Cinemas de Lisboa: um fenómeno urbano do século XX. Lisboa: Bi- zâncio.

BAPTISTA, Tiago; PARREIRA, Teresa; BORGES, Teresa (2010). Cinema em Portugal: os primeiros anos. Lisboa: Museu de Ciência da Universidade de Lisboa e Cinemateca Portuguesa-Museu de Cinema. BERGFELDER, Tim (2000). “THE NATION VANISHES: European co-productions and popular genre formula in the 1950s and 1960s” In: Mette Hjort; Scott Mackenzie (eds), CINEMA AND NA-

TION. London: Routledge, pp. 131-142.

BERGFELDER, Tim (2005). International Adventures: German Popular Cinema and European Co-Produc-

tions in the 1960s. New York: Berghahn Books.

BRUNETTA, Gian Piero (2009). The History of Italian Cinema. Princeton University Press. CRISP, Colin (1997). The Classic French Cinema, 1930-1960. London: IB Tauris.

DI CHIARA, Francesco (2016). Peplum, il cinema italiano alle prese col mondo antico. Roma: Donzelli editore.

DRAZIN, Charles (2011). The Faber Book of French Cinema. London: Faber & Faber.

GINGA, Adelaide (2005). “Do momento à eternidade: cartazes de cinema da colecção Joaquim An- tónio Viegas”, in: Catálogo da Exposição Cinema em Cartaz (n/publicado), Faro.

HJORT, Mette (2009). “On the plurality of cinematic transnationalism” In: DUROVICOVÁ, Natasa e NEWMAN, Kathleen E. World Cinemas, Transnational Perspectives (new edition). New York: Rout- ledge, pp.12-33.

HOLLAND, Jonathan (2006). ALATRISTE Review, In: Variety.

Disponivel em: http://variety.com/2006/film/markets-festivals/alatriste-1200513074/ (data de consulta: 27/07/2017).

NOWELL-SMITH, Geoffrey (org) (1997). The Oxford History of World Cinema. Oxford University Press.

PALMA, Paola (2017). “Les coproductions cinématographiques franco-italiennes 1946-1966”, In: FOREST, C. (dir), L’internationalisation des productions cinématographiques et audiovisuelles, Les Presses Universitaires du Septentrion, pp. 215-234.

PUGA, Rogério Miguel (2006). O Essencial sobre o Romance Histórico. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.

RÊGO, Manuela, CASTELO-BRANCO, Miguel (org) (2003). Antes das Playstations: 200 anos do roman-

ce de aventuras em Portugal. Lisboa: Biblioteca Nacional.

RENZI, Thomas C. (1998). Jules Verne on Film: a filmography of the cinematic adaptations of his works,

1902 through 1997. London: McFarland & Company.

RICHARDS, Jeffrey (2008).Hollywood’s Ancient World’s. London: Continnum.

RODRIGUES, Ernesto (1998). Mágico Folhetim: Literatura e Jornalismo em Portugal. Lisboa: Editorial Noticias.

SHAW, Deborah (2013). “Deconstructing and reconstructing transnational cinema” In: DENNIN- SON, Stephanie (ed). Contemporary Hispanic cinema: interrogating transnationalism in Spanish and Latin

American film. London: Tamesis, pp. 47-66. 2013.

TAVARES, Mirian (2008). Cinema digital: novos suportes, mesmas histórias. In: ARS, vol.6 no.12: São Pau- lo. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202008000200004 (data de consulta: 31/01/2017).

TAVARES, Mirian (2010). Compreender el cine: las vanguardias y la construcción del texto fílmico In: Re- vista Comunicar nº 35, vol. XVIII, pp. 43-51.

TAVARES, Mirian (2014). A HISTÓRIA ENCENADA: O Processo do Rei, de João Mário Grilo, A Imagem

Melancólica de um País. In: ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura, Vol. 190-766, marzo-abril 2014,

a118. Disponível em:

http://arbor.revistas.csic.es/index.php/arbor/article/viewFile/1920/2177 (data de consulta: 17/07/2017).

TEMPLE, Michael; WITT, Michael (edit) (2004). The French Cinema Book. London: BFI.

WEBSITES:

European Audiovisual Observatory

http://lumiere.obs.coe.int/web/film_info/?id=26137

Internet Movie Database

http://www.imdb.com/title/tt0395119/

LUMIERE: Database on admissions of films released in Europe

Natália Laranjinha

CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve

Resumo: O filme La controverse de Valladolid (1992) de Jean-Daniel Verhaeghe pretende dar a conhecer ao grande público um debate histórico fundamental, ao fazer reviver as mentalidades da época e as tensões do debate de Vallado- lid. Propõe-se uma análise do filme na sua relação com a verdade histórica, os recursos escolhidos pelo cineasta para representar no cinema um debate e as questões antropológicas e teológicas discutidas e, por fim, as consequências surpreendentes do debate na Europa do séc. XVI.

Palavras-Chave: La controverse de Valladolid, debate de Valladolid, filme histó- rico, história de Espanha, Jean-Daniel Verhaeghe.

Abstract: The film La controverse de Valladolid (1992) by Jean-Daniel Verhaeghe aims to make known to the general public a fundamental historical debate, by reviving the mentalities of the time and the tensions of the debate in Vallado- lid. This article proposes to analyse the film in its relation with historical truth, the anthropological and theological questions discussed, the resources chosen by the filmmaker to represent it on film and the astonishing consequences of this debate in 16th century Europe.

Keywords: La controverse de Valladolid, The Valladolid debate, historical film,

“A descoberta do outro, tem vários graus, desde do outro como objeto, confundido com o mundo que o cerca, até ao outro como sujeito, igual ao eu, mas diferente dele, com infinitas nuanças inter- mediárias.”

Tzvetan Todorov

A controvérsia de Valladolid teve lugar no séc. XVI, após várias acusações dirigidas ao papa Júlio III contra o reino de Espanha em relação ao tratamento dos índios na América do Sul pelos colonos espanhóis. O rei de Espanha, Car- los V, viu-se na obrigação de levar este problema a discussão, como afirma José Neto: ‘A Espanha necessitou invocar e construir valores universais para colo- nizar e estender o seu império sobre culturas e raças distintas das deles. A dis- cussão entre Las Casas e Sepúlveda retratou isso.’ (Neto, 2003: 53). Realizou-se então um debate no Colégio de São Gregório, em Valladolid, para discutir o estatuto dos Índios do Novo Mundo.

O debate teve duas sessões (uma em 1550 e a outra em 1551) e foi enrique- cido pela troca de correspondência entre os dois opositores: O dominicano Bar- tolomé de Las Casa e o teólogo, jurista e cronista Juan Ginés Sepúlveda. O his- toriador Angel Losada (citado em Manero, 2009) refere que pela primeira vez na História, uma nação e o seu rei deram origem a um debate jurídico e social sobre as conquistas e a colonização. O Rei Carlos V chegou mesmo a suspender a guerra até à deliberação do debate. Este, valioso do ponto de vista do direito internacional, daria origem a Legislação das Índias. Do ponto visto humano, o debate foi considerado não só inédito, mas também pioneiro em questões dos Direitos Humanos, tal como a discussão sobre a liberdade e a igualdade entre ameríndios e europeus.

Em 1992, J.C. Carrière, (que trabalhou com Luis Buñuel) escreveu uma peça de teatro1 e o argumento do filme para a televisão realizado pelo fran-

cês Jean-Daniel Verhaeghe (La controverse de Valladolid). Só após a estreia do filme veio a ser publicado pelo escritor um romance histórico com o mesmo título. O filme foi estreado no 500 aniversário da descoberta da América. O realizador na apresentação do filme explica que o seu objetivo principal foi dar a conhecer ao grande público um debate histórico fundamental, ao tentar reconstituir a mentalidade da época e fazer reviver a tensão do de- bate: uma conciliação entre a verdade histórica e a ‘verdade dramática’. No

1 O livro foi publicado em 1992 nas Edições Le Pré aux Clercs e a peça de teatro estreada em 1999 por

entanto, em prol do que ele chamou de ‘verdade dramática’, o realizador ficcionou alguns factos históricos, como o tempo cronológico, condensado no filme em três dias ou ainda a presença dos dois adversários na mesma sala. Historicamente, Las Casas e Sepúlveda nunca se teriam encontrado no Colégio. Todavia, segundo o realizador, estas alterações guardaram um grau de verosimilhança.

O realizador optou por filmar num cenário que se identifica com uma peça de teatro. De facto, as cenas do exterior são praticamente inexistentes, somente três vêm interromper o ritmo do filme. No seu texto sobre cinema e teatro, André Bazin refere a influência do teatro no cinema e defende que o cinema ultrapassou as restrições espácio-temporais da cena teatral, porque uma parte da vida não existe no teatro, e essa ausência poderia ser ultrapas- sada pelo cinema. André Bazin refere a propósito do teatro: “Não poderia haver teatro sem arquitetura (...) porém seu signo mais evidente é o palco, cuja arquitetura variou sem no entanto deixar de definir um espaço privile- giado, real ou virtualmente, distinto da natureza” (Bazin, 1991:146). Ora, o palco obriga, no teatro, a um cenário fechado e voltado para o interior que, inevitavelmente se distancia da natureza, ao cinema pertence a capacidade de apreender essa mesma natureza. Essa possibilidade do cinema de enri- quecer o cenário com a integração de cenas exteriores tão pouco se concre- tiza na Controvérsia de Valladolid. Filmado no interior, a ação restringe-se ao espaço do palco (a sala do Colégio) e ao debate entre os dois adversários. Desta forma, a atenção do público não se desvia com a riqueza dos exte- riores. No filme, somos antes cativados pelo dinamismo da argumentação, pelas intervenções do Cardeal Roncieri, representante do Papa, e sobretudo esperamos ansiosos por saber qual o desfecho da controvérsia. O realizador introduz várias técnicas para manter o seu público atento e para ultrapassar as limitações de uma peça de teatro filmada.

As restrições a que um palco obriga, neste caso uma sala capitular, levam o realizador a recorrer a algumas técnicas de filmagem tais como avançar lentamente a câmara quando está a filmar uma das personagens até ao grande plano do rosto de forma a transmitir toda a vibração do seu discurso. Há igualmente toda uma mise en scène, ao entrar na sala, o cardeal ajoelha-se perante um grande crucifixo de madeira sombria, esta imagem de grande plano transmite a mensagem inequívoca da autoridade absoluta da igreja que reina, não somente na sala, mas também na sociedade do séc. XVI. O cardeal com as suas vestes vermelhas, o que o faz sobressair, no seu papel de juiz e de representante supremo da igreja, senta-se num estrado na cabeceira da sala.