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2.3. Gerards (2018)

2.3.7. Considerações finais

De tudo que acabamos de apresentar conclui-se que Gerards (2018), apesar de utilizar

muito os argumentos de Soma Adriano (2015), segue muito mais a posição que é

sustentada por Chavagne (2005) e Inverno (2009), que apresentam a generalização da

próclise no PA como um dado certo. E tendo analisado e constatado a presença de próclise

nos contextos em que para o PE a ênclise seria obrigatória então conclui que o PA está a

evoluir no sentido da convergência com o PB, mesmo não tendo apresentado

suficientemente os factores subjacentes a este fenómeno.

Sem descartar a possibilidade da influência da media e da literatura brasileiras no

PA, acreditamos que a razão fundamental deve residir no contacto (substracto) com as

línguas bantu, que não têm clíticos como tais, mas que usam prefixos argumentais,

indexados no radical verbal, visto que estas línguas ainda são a língua materna de muitos

falantes. Este assunto, poderemos abordá-lo com maior propriedade no quarto capítulo.

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III CAPÍTULO

Pepetela, 1980 (Mayombe) vs. Pepetela, 2011 (A Sul o Sombreiro)

A emergência de uma norma para o português angolano escrito?

Depois de termos feito a comparação dos dados recolhidos por Gerards dos perfis

livres dos internautas angolanos da rede social Faceboock com os resultados de outros

estudos precedentes, partimos, agora, para um estudo diacrónico, comparando o mesmo

autor, que escreve em fases distanciadas no tempo, mas com o mesmo género literário, e

que, a nosso ver, pode ser um grande facilitador da compreensão deste processo evolutivo

da língua Portuguesa em Angola no que tange à colocação dos pronomes clíticos.

Os nossos argumentos andarão à volta da comparação dos dados das duas obras,

perseguindo a direcção da colocação, pondo em relevo as marcas sintácticas que

comprovam que Mayombe (a primeira obra do autor, escrita antes de 1975 e publicada

em 1980 – Lisboa: Edições 70), segue a norma do PE, enquanto A Sul. O Sombreiro

(publicado pelas Publicações Dom Quixote: Lisboa 2011), se afasta, marcadamente, do

PE (apresentando próclises em frases finitas sem proclisadores, próclise ao infinitivo e ao

gerúndio, sem proclisadores e, algumas vezes, próclise ao particípio passado, como

teremos a ocasião de mostrar).

A questão coloca-se da seguinte forma: porquê duas normas para um mesmo

autor? Será que o edictor-revisor de Mayombe lhe terá alterado a sintaxe, ou o autor vive

um contexto sintáctico diferente?

Para além da comparação que faremos das principais zonas de divergências e/ou

convergências sintácticas, ilustraremos também algumas características morfossintácticas

muito marcadas em Mayombe (grupos clíticos, interpolação, mesóclise) que, de alguma

maneira, “timbram” a identidade do PE comparativamente ao A Sul. O Sombreiro, que

apresenta uma ausência total ou uma percentagem insignificante. Porém, o nosso foco vai

para a direcção de clitização nas frases matriz, com proclisadores (3.1); próclise

obrigatória no PE e PB (3.2) e a direcção de cliticização de ênclise obrigatória no PE e

próclise no PB (3.3). Passaremos rapidamente para a realidade de +SC/-SC (3.4) e só

depois apresentaremos algumas características morfossintáticas da posição dos clíticos

em Mayombe (3.5), que nos convém fazer aqui por causa das ocorrências insignificantes

nas outras obras.

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3.1. Direcção de Clitização

A tabela abaixo mostra a distribuição de 2045/2157 clíticos de Mayombe e

1752/1887 de A Sul. O Sombreiro nos contextos em que o PE seria

divergente/convergente do PB. A presente tabela resulta de uma adaptação feita ao quadro

3.2 de Gerards (2018), com o qual se pretende apresentar a direcção da clitização no PE.

Na verdade, a tabela é bastante elucidativa, na medida em que permite apresentar de

forma quantitativa as ocorrências que constituem traços comuns ou divergentes entre o

PE e o PB. Assim, a segunda coluna, da esquerda para direita, apresenta as ocorrências

de ênclise obrigatória no PE e próclise no PB (✓PE / *PB) e integra: as ênclises em frases

matriz V1 e frases matriz não-V1, assim como em orações com infinitivo simples,

infinitivo flexionado, com gerúndio e, só para Mayombe, os casos da mesóclise; a terceira

coluna apresenta as ocorrências de próclise em contexto de ênclise obrigatória no PE vs.

próclise no PB (*PE/✓PB) e integra: a próclise em frases matriz v1 e não v1, em orações

com infinitivo flexionado, incluindo as orações introduzidas pela preposição a, e com

gerúndio; a quarta coluna apresenta a próclise obrigatória tanto no PE como no PB

(✓PE+✓PB) e integra a próclise em frases matriz negativas, frases matriz afirmativas

com proclisador, orações subordinadas, orações com o infinitivo flexionado, com

excepção das introduzidas pela preposição em, e com o gerúndio; a quinta coluna é

constituída pelos casos atípicos, tanto no PE como no PB, como a ocorrência de ênclise

em contextos de próclise obrigatória, como teremos a ocasião de ilustrar.

Um olhar atento aos dados quantificados apresenta-nos duas “setas paralelas” a

indicarem em sentidos opostos. Enquanto em Mayombe a seta aponta para a ênclise

obrigatória, com uma única ocorrência de próclise em contextos de ênclise, em A Sul. O

sombreiro temos mais ocorrências de próclise em contextos de ênclise, o que comprova

a hipótese da variação diacrónica com a direcção da mudança relativa à colocação dos

pronomes clíticos (na língua escrita) a apontar, de acordo com as duas obras de Pepetela,

para a próclise, mesmo que ainda o momento não conheça um período de estabilidade, o

✓PE / *PB *PE/✓PB ✓PE+✓PB *PE + *PB Total

Mayombe 1320 1 723 1 2045

A Sul. O Sombreiro 380 507 865 0 1752

Total 1700 508 1588 1 3797

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que, de certa forma, vai revelando dados inesperados, como a ocorrência de ênclise em

orações subordinadas, exemplo 20, o que é atípico. É, no entanto, de salientar que se trata

de um exemplo único em 460 ocorrências de pronomes clíticos em orações subordinadas

finitas na obra da década de 70 (Mayombe) e que na obra mais recente e reveladora de

mudança (A Sul. O Sombreiro) não há nenhuma ocorrência deste tipo.

28

A seguir, em (21)

a (24) exemplifica-se a divergência entre português angolano e PE, ou seja, os casos

correspondentes à terceira coluna, a partir da esquerda, da tabela 3.1. (*PE/✓PB).

20. O que sei é que os homens teimosos são-no geralmente até ao fim, sobretudo quando há um risco. (Mayombe, 6)

21. a. O teu desejo será realizado, pois se precisa dum Comandante para avançar para lá das

regiões atualmente em guerra. (Mayombe,110)

b. No entanto, o sacerdote sufocava e se derretia em suor. (A Sul. O Sombreiro, 20)

c. Depois o governador se chegou à frente na cadeira. (A Sul. O Sombreiro, 21)

d. Se recostou na cadeira, mexeu o pé direito docemente dentro da bota, sentindo a dorzinha no meio do líquido. (A Sul. O Sombreiro, 20)

e. Lhe passou brevemente pela cabeça a tentação de regatear um pouco, negociando futuros apoios do governador. (A Sul. O Sombreiro, 21)

22. a. O vigário voltou a se servir do maluvo. (A Sul. O Sombreiro, 24)

b. A um certo momento, os rapazes não sabiam ou queriam se defender, achavam serem nojentos, fracos, estúpidos, não havia ninguém mais asqueroso que eles no mundo

(A Sul. O Sombreiro, 31)

c. Quis se virar para mim, tentou bater com a mão peluda, mas eu usava punhal. (A Sul.

O Sombreiro, 31)

d. O negócio podia se fechar a qualquer momento. (A Sul. O Sombreiro, 36)

e. Outra era se meter pelo mato e caçar elefantes. (A Sul. O Sombreiro, 36)

23. a. A ideia era evitar Luanda e nos metermos pelo Kongo. (A Sul. O Sombreiro, 44)

b. Entretanto, nunca acontecia os espanhóis se identificarem como portugueses. (A Sul.

O Sombreiro, 51)

24. a. Sobretudo se tratando desse ladrão. (A Sul. O Sombreiro, 119)

b. Tremeu e gemeu durante uma semana, sendo Nzoji a sua ama-seca, lhe dando infusões de plantas desconhecidas. (A Sul. O Sombreiro, 228)

c. Só que, conforme explicara o Kingrêje, era preciso ter cuidado com essas relações de parentesco, se tratando de jagas. (A Sul. O Sombreiro, 185.

Fazendo uma comparação entre as duas obras do autor, é possível compreender

que Mayombe cumpre com a ênclise obrigatória 1320/1321(99,99%/100%), o que

confirma, quantitativamente, a hipótese de seguir plenamente o PE, apenas um único caso

aparece como próclise em frase matriz, sem proclisador (21a), ao passo que em a A Sul.

28Deve notar-se, além disso, relativamente ao exemplo (20), que a ênclise também ocorre marginalmente nas estruturas clivadas de é que em obras literárias de autores portugueses, como neste exemplo de José Cardoso Pires apontado em Martins (2003: 2277):

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O Sombreiro aparecem 380/887, em ênclise, contra 507/887, isto é, a próclise leva uma

vantagem de 57,15%/100%, o que é muito significativo para um país que ainda tem como

norma oficial o PE. Porém, isto refuta a afirmação categórica de Geralds (2018) segundo

a qual o PA evoluiu na direcção do PB, em favor de um estágio de variação.

3.2. Próclise obrigatória no PE e PB

A posição proclítica, induzida por factores de natureza sintáctica no PE, permite-

nos visualizar o que acontece nos contextos em que PE e PB convergem na colocação dos

pronomes clíticos. Nesta secção, a exemplo do que foi apresentado acima, analisámos

724/2157 clíticos que ocorrem em contexto de próclise obrigatória no PE e no PB. A

segunda e terceira colunas, a partir das esquerdas, incluem respectivamente as frases

finitas negativas e as orações subordinadas finitas. A penúltima coluna inclui frases matriz

finitas, com proclisador, assim como as orações de infinitivo flexionado e gerúndio, com

proclisador. Apresentaremos primeiros a tabela das ocorrências de Mayombe (3.2.1),

depois as de A sul. O Sombreiro (3.2.2) e finalmente uma tabela comparativa dos dados

dos das duas obras (3.2.3).

A tabela mostra que Mayombe segue o PE, excepto em 1/724 (0,02%) que

apresenta ênclise. Este caso, já foi referenciado acima correspondendo ao exemplo (21),

que aparece como uma ocorrência não normativa de ênclise numa estrutura clivada de é

que.

8Tabela 3.2.2 Direcção de cliticização nos contextos de próclise obrigatória (PE e PB) em A Sul. O Sombreiro Mayombe ( Proclise obrigatória) Só Negativas Orações Subordinadas Outros contextos Total 145 459 119 723 100,0% 99,8% 100,0% 99,9% 0 1 0 1 0,0% 0,2% 0,0% 0,1% Total 145 460 119 724 Próclise Ênclise

7

Tabela 3.2.1 Direcção de cliticização nos contextos de próclise obrigatória (PE e PB) em Mayombe

Dados de A Sul. O Sombreio Negativas Orações Subordinadas Outros Contextos Total 171 440 254 865 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 0 0 0 0 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% Total 171 440 254 865 Ênclise Próclise

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Em A Sul. O Sombreiro não há qualquer ocorrência de ênclise em orações

subordinadas nem em frases matriz negativas ou afirmativas com proclisadores, tal como,

nos mesmos contextos sintácticos, aconteceria no PE contemporâneo. Porém, este dado

não revela apenas a conformidade com o PE, na medida em que, pelo menos, mostra que

nestes contextos a posição proclítica é estável, o que refuta a ideia de atipicidade ou

instabilidade do PA. Uma vez que os dados revelam que há estabilidade com a próclise

obrigatória, pode esperar-se que os dados revelem que o mesmo acontece com a ênclise

obrigatória, o que iremos verificar no tópico que se segue.

Esta tabela apresenta a totalidade das ocorrências em contextos de próclise obrigatória

nas obras de Mayombe e A Sul. O Sombreiro, fazendo um total de 1589 ocorrências com

um único caso de ênclise.

3.3. Ênclise obrigatória em PE (Próclise no PB)

Tal como procedemos com as frases em que ocorre a próclise obrigatória no PE,

que nos permitiu identificar uma ocorrência da ênclise de forma atípica, analisamos agora

1296/2157 (60,08%) dos clíticos que ocorrem em contexto de ênclise obrigatória para o

PE, mas que no PA, tal como já foi referenciado, mostram uma tendência de ocorrência

da próclise. Veremos que nos contextos de ênclise obrigatória no PE, a obra Mayombe

apresenta, em geral, esta colocação, em contraste com A Sul. O Sombreiro. Por isso, nos

próximos capítulos abandonaremos o trabalho com o Corpus de Mayombe, porque

revelando conformidade com o PE, é irrelevante para o objectivo de determinar em que

aspectos o PA (escrito) diverge do PE.

Fazem parte deste conjunto as frases matriz, não V1, sem proclisador, as frases

matriz V1, o infinitivo flexionado, sem proclisadores, as frases gerundivas, sem

Total P 145 20% 171 20% 316 E 0 0% 0 0% 0 P 459 63% 440 51% 899 E 1 100% 0 0% 1 P 119 16% 254 29% 373 E 0 0% 0 0% 0 P 723 99,9% 865 100% 1588 E 1 0,1% 0 0% 1 A Sul. O Sombreiro Proclise Obrigatoria Total Outros contextos Subordinadas finitas Frase negativas Mayombe

9Tabela 3.2.3 Comparação da direcção de cliticização nos contextos de próclise obrigatória (PE e PB) em Mayombe e A Sul. O Sombreiro

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proclisadores, e o particípio passado,

29

sem proclisador, apesar de este último, no PE, não

ser objecto de clitização. A ocorrência de próclise nestes contextos é indicativa da

divergência em relação ao PE contemporâneo. A presença da ênclise é sinónimo de

divergência com o PB. Começamos por Mayombe (tabela 3.3.1) passamos para A Sul. O

Sombreiro (tabela 3.3.2) e terminamos com a tabela comparativa (3.3.3).

Como se pode observar, a tabela 3.3.1 revela que existe apenas um caso irregular

nas produções de Pepetela em Mayombe, já apresentado em 21a, que tem a ver com a

única ocorrência de próclise em frase matriz, não V1, sem proclisador.

29- Não há cliticização ao particípio passado no PE. Porém, tivemos que incluir este contexto na classificação em função dos casos atestados no PA.

Mayombe -P Verbo Fto, SP V1 Fto, SP Gerúndio SP Part. Passado SP TOTAL 1 0 0+0 0 0+0 0 0 0 1 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1% 675 256 49+2 51 252+7 259 54 0 1295 99,9% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 99,9% TOTAL 676 256 51 259 54 0 1296 Inf. CP a Inf. SP Próclise Ênclise A Sul. O Sombreiro Frases SP Verbo Fto, SP V1 Fto, SP Gerúndio SP Part. Passado SP TOTAL 275 77 22+8 30 68+10 78 47 0 507 66,7% 58,8% 61,2% 36,3% 58,8% 57,2% 137 54 16+3 19 126+11 137 33 0 380 33,3% 41,2% 38,8% 63,7% 41,3% 42,8% TOTAL 412 131 49 215 80 0 887 Ênclise Próclise Inf. CP a Inf. SP

Ênclise Obrigatória PE (proc. PB) Total

P 0 0% 77 15% 77 E 256 20% 54 14% 310 P 1 100% 275 54% 276 E 675 52% 137 36% 812 P 0 0% 30 6% 30 E 51 4% 19 5% 70 P 0 0% 78 15% 78 E 259 20% 137 36% 396 P 0 0% 47 9% 47 E 54 4% 33 9% 87 P 0 0% 0 0% 0 E 0 0% 0 0% 0 P 1 0,1% 507 57% 508 E 1295 99,9% 380 43% 1675 Participial Total Mayombe Frase matriz afirmativa V1

Frase matriza afirmativa não V1 Infinitiva com preposição a

A Sul. O Sombreiro

Infinitiva sem preposição Gerundiva

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