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As questões levantadas no decorrer deste estudo levam-nos a compreender que a velhice pode ser encarada como a fase da vida representada pelo pôr do sol, ou seja, o entardecer. Como cada um irá entardecer dependerá de como viveu ao longo de toda a vida, e para entender a complexidade que envolve essa questão é necessário visualizá-la sob a perspectiva da gerontologia.

Era nossa intenção, ao realizar esta dissertação de mestrado, compreender que significado os contadores de histórias atribuem à relação que se estabelece entre eles e as crianças. A pesquisa realizada e a interpretação dos depoimentos, colhida à luz da teoria utilizada, confirmaram a premissa inicial de que a comunicação entre as duas gerações acontece de forma intensa, em termos de troca e de reciprocidade.

Entretanto, a suposição de que nem sempre a aproximação é interessante para os dois segmentos não se mostrou verdadeira, ao contrário, pois encontramos por parte dos contadores de histórias uma predisposição que facilita o diálogo e a reciprocidade por parte das crianças ouvintes.

Tínhamos como objetivos específicos compreender os fatores que motivam os idosos a se integrarem em projetos como contadores de histórias para crianças, além de conhecer a percepção que detêm sobre esse contato intergeracional. Procuramos, dessa forma, entender como o ato de contar histórias afeta a vida dos idosos, e também contribuir, com o presente estudo, para a organização de programas intergeracionais.

Consideramos que os objetivos propostos foram alcançados e os aspectos relevantes encontram-se explicitados no capítulo Era uma vez...os contadores de história entram em cena.

A análise dos dados coletados seguiu a metodologia qualitativa, privilegiando a voz dos próprios sujeitos da pesquisa, que nos contaram, com seus olhos de ver e ouvidos de escutar, sobre as questões relevantes do processo de envelhecer, sobre o relacionamento intergeracional, sobre o que é contar histórias e ainda, sobre o significado da relação que se estabelece nessa atividade.

Podemos concluir que envelhecimento e velhice acontecem de maneira diferenciada e diversa, envolvendo um contexto sócio-econômico e cultural, em que cada indivíduo trilha seu próprio caminho. Sem dúvida existe uma diversidade no modo de envelhecer, pois a dimensão existencial modifica a relação que cada um mantém com a sua própria história.

Para os sujeitos da nossa pesquisa, o envelhecimento pode ser entendido como um processo de desenvolvimento e crescimento pessoal. No grupo pesquisado, observa-se que os contadores são esperançosos e otimistas quanto ao futuro, acreditam em seus potenciais e desejam prosseguir com o que fazem, ampliando as suas realizações, criações e participações. Mesmo os que enfrentam dificuldades financeiras e problemas sócio-familiares também procuram o caminho da realização pessoal.

Identificamos em nossa pesquisa que cada contador apresenta características específicas e, mesmo assim, relaciona-se com crianças e adolescentes, criando e ampliando um trabalho de relevância em espaços públicos e privados.

O engajamento em projetos dessa natureza contribui para a elevação da auto-estima dos idosos, que assim poderão participar de forma ativa na sociedade, ocupando o tempo disponível e favorecendo a atuação consciente em relação à cidadania. Essas ações têm repercussões positivas, causando um eco e abrindo fronteiras, inspirando outros projetos sociais.

Sabemos que, em nossa sociedade ocidental, nem todos se mostram interessados em ouvir o que dizem os idosos; porém, este é um grupo diferenciado e privilegiado. Sabem que fazem a diferença no local onde atuam. Eles transformam a existência de crianças, adolescentes e até adultos, levando alegria, entretenimento, a possibilidade de sonhar, de imaginar e, principalmente, de acreditar na mudança dentro de si.

Todos os depoimentos mostram a participação e inserção dos sujeitos da pesquisa, que atuam em locais diversos, tais como: creches, hospitais, bibliotecas, escolas e igrejas. Os idosos podem marcar sua presença na história como protagonistas e atores sociais que não ficam aguardando, não esperam acontecer, mas se propõem a realizar e realizam.

Os contadores descrevem o aspecto afetivo do relacionamento intergeracional que estabelecem com as crianças. As contadoras mencionam que gostam de ser chamadas de avós pelos seus pequenos ouvintes, o que denota uma relação tranqüila quanto à avosidade.

Percebemos que as crianças freqüentadoras das creches passam muito tempo institucionalizadas em locais onde os contatos e os vínculos relacionais são dados de maneira mais distante, profissional e restrita. Adultos sobrecarregados com as exigências do mundo do trabalho parecem ter dificuldades em se relacionar com idosos e crianças, duas gerações sobrantes. Estas se aproximam por meio da atividade de contar histórias e, nesse clima, compõem o tecido de transmissão, reprodução e transformação do mundo social.

Os entrevistados concordam que a autonomia, o discernimento, a responsabilidade, a memória e a capacidade de se comunicar, na interação com a criança, são ações capazes de desenvolver as habilidades recíprocas de aprender e de ensinar.

A conversação nas narrativas e a predisposição para a interação social são confirmadas na pesquisa pelos idosos, os quais estimulam a curiosidade, a imaginação e o interesse das crianças. Tendo em vista que se deleitam na arte de narrar histórias, os idosos estabelecem um clima lúdico de encanto que desperta a criatividade e a emoção das crianças.

Ficou claro em nossa pesquisa que os idosos, em sua maioria, iniciaram a atividade de contar histórias após a viuvez e/ou aposentadoria. Pode- se inferir que a disponibilidade de tempo, bem como a necessidade de preenchimento dos espaços afetivos, foram a motivação que levou os sujeitos da pesquisa a iniciarem a atividade.

Contar histórias aproxima as gerações. A sensibilidade e o sentimento revelados pelo idoso levam-no a apresentar às crianças uma interpretação do mundo, comentando situações alegres ou tristes, de dificuldades e de superação. Assume, assim, o papel de mediador, utilizando a linguagem e estimulando nas crianças o gosto pela escuta, despertando, ao mesmo tempo, o aprendizado.

Os depoimentos mostram que existe semelhança entre os contadores, não obstante as diferenças sentidas quanto aos aspectos sócio-econômicos e culturais. Todos demonstram ter boa memória, são lúcidos, criativos, inventando

histórias quando necessário. Dependendo do local e do interesse das crianças, ampliam o repertório de histórias, utilizando a imaginação e a improvisação.

A participação e inserção dos sujeitos da pesquisa em locais diversos apontam um idoso ativo e consciente de suas perspectivas, pois os contadores de histórias mostram, em seus depoimentos, serem depositários tanto da memória individual quanto da coletiva. Identificamos a memória lembrança em todos os depoimentos e, por conseqüência, a sobrevivência do passado.

Concluímos, portanto, que para esse grupo, quando as certezas entram em crise precisamos parar, refletir e analisar, porque a transformação já começou.

Os idosos, sujeitos desta pesquisa, são os semeadores, atores e protagonistas desta dissertação. Atuando como contadores, lançam suas histórias como pássaros lançam as sementes em terra fértil, que no caso são as crianças, ouvintes atentos. Aos frutos dessas sementes, podemos chamar de transformações.

Quando a lagarta se transforma em borboleta e quando os idosos, desacreditados em suas potencialidades, transformam inicialmente suas próprias vidas e posteriormente, transmitem conhecimentos, valores e sabedoria, mudam o espaço e a realidade em que se encontram. Contando histórias, passam a fazer parte da história, desvelando uma face antes escondida, transformando-se, crescendo e evoluindo.

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