Considero, neste trabalho, a criação da videodança como produto da interação, a partir do devanear na linguagem de improvisação como materialização de imagens através dos aparatos tecnológicos (celular), que, por sua vez, se dá no diálogo da dança entre o videomaker e o intérprete. A partir dos textos de Bachelard foi possível explorar a poética da imagem dentro da fenomenologia da imaginação que, por conseguinte, parte do estado consciente e presente do ser em sua atualidade.
As videodanças Hidromancia e Corpo Onírico, fruto da produção em análise fundamentada nas três dimensões de Schulze (2010), a partir da dimensão primária que refere-se a percepção do espaço, movimentos, sons, dinâmica e o corpo do intérprete na locação ou espaço material onde ocorre a gravação das imagens. Na dimensão secundária, é levado em conta o olhar da câmera em devaneio, no fluxo das imagens, assim como possíveis movimentações que estão presentes no espaço. Só na dimensão terciária o devanear encontra-se na construção poética da edição na videodança. Percebe-se aqui que as dimensões potencializam a construção da videodança de forma dinâmica a partir dos fatores de Laban. Não se trata de um material teórico que ensina a filmar, mas traz uma reflexão na criação de imagens como possibilidade da dança para apreciação.
Na perspectiva de edição e reflexão de Maya Deren, foi possível encontrar uma construção narrativa de imagens que a câmera proporciona como fragmentos do devanear, trazendo uma singularidade individual que faz com que, na montagem do tempo-espaço na videodança, a imagem sequencial não dependa de uma narrativa lógica e casual no processo de coreoedição, mas que esta narrativa emerge de uma poética peculiar do coreoeditor. Na videodança, a imagem pode e deve ser apenas o começo, o material básico da ação criativa que permite a construção da poesia da imagem através da perceção em contemplação.
O diálogo da dança com a tecnologia é signicativo e constitui-se, na dança contemporânea, como um processo da cena que potencializa o movimento durante o diálogo cênico e, no âmbito acadêmico e escolar, como uma linguagem que
apresenta uma expressão do corpo que dança na criação, apreciação e análise de imagens criadas na prática ou selecionadas como reflexão teórica. Vale salientar que a dança no cinema constitui-se cada vez mais da sua própria linguagem que dialoga com a videodança.
Identifico a videodança como uma identidade híbrida da cena e da tecnológica. Nesse viés, o corpo que dança estabelece relações com a câmera de forma orgânica, sem limitar as possibilitar múltiplas na captura e edição de imagens. Esse tema mostra-se atual e questionador no universo das práticas artísticas e corporais. Perceber como a dança, assim como outros inúmeros fenômenos artísticos, dialoga com as novas tecnologias possibilita observar modicações não só na própria arte, como também nas fronteiras que se estabelecem entre ser humano e máquina.
Amorfo é um processo aberto de imagens que não constitui uma forma, mas traz as reflexões teóricas, aqui apresentadas, durante a captura de imagens e na edição. Este trabalho por sua vez demonstra que a criação das imagens na perspectiva da videodança por meio do celular, se materializa da imaginação e de meus devaneios sobre as coisas, os lugares e meus desejos.
REFERÊNCIAS
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XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico – A opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
ANEXOS
Vídeos da Maya Deren
Meshes of the Afternoon by Maya Deren
https://www.youtube.com/watch?v=KamHwKHg64o
Acesso: 25/10/2018
At Land (1944) - Maya Deren
https://www.youtube.com/watch?v=FYdf8xxDlIg
Acesso: 25/10/2018
Maya Deren - Ritual in Transfigured Time
https://www.youtube.com/watch?v=0IG5K65gkTU
Acesso: 25/10/2018
Algumas produções que compõe este trabalho que estão de livre acesso nas redes socias:
Rio Cor de Rosa (2018)
https://www.youtube.com/watch?v=RjLHZsNiH4Q
Acesso: 25/10/2018
Corpo Onírico vinheta de abertura para o festival Aguiar e Cena Cumplicidade (2018) Recife - PB: https://www.youtube.com/watch?v=Cdwe6IFtkqM&feature=youtu.be
Acesso: 25/10/2018